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ago/2015

Aposentadoria especial de servidores policiais: a contagem do tempo de serviço militar

Dr. Rudi Cassel
Advogado

Por Rudi Cassel e Leonardo Pilon

O militar que ingressa na polícia muda de regime jurídico passando a ser regido pela Lei Complementar nº 51/1985. Até aí nenhuma novidade. Ocorre que essa norma, recepcionada pela Constituição da República conforme ADI 3.187, exige – para aposentadoria especial – o mínimo de 20 anos de atividade estritamente policial para homem e 15 anos para mulher[1].

Nesse contexto, a interpretação normativa conferida pela Administração vem restringindo a efetividade da aposentadoria especial para ex-militares que ingressaram na polícia, compreendendo que o tempo de serviço em atividade militar não se enquadra no conceito de atividade policial tal qual exigida pela LC 51/1985. Isso pode parecer coerente à primeira análise, porém, quando se aprofunda o estudo para além da norma infraconstitucional, percebe-se que tal posição deturpa a finalidade da aposentadoria especial, modalidade tão raramente efetivada pelo legislador.

A Constituição da República trazia, na redação original do seu art. 40[2], as atividades perigosas como uma das modalidades excepcionais de aposentadoria que poderia ser estabelecida por lei complementar. A norma foi aprimorada com a Emenda Constitucional nº 20/1998, alterando a expressão “atividades perigosas” para condições gerais que prejudiquem a integridade física[3]. Posteriormente, com a EC nº 47/2005, foi finalmente mencionada a atividade de risco[4]. A finalidade da norma constitucional, desde a redação original, era a proteção diferenciada ao servidor público que tenha sido exposto à riscos em decorrência da natureza das atividades desenvolvidas no cargo ocupado. É uma espécie de compensação pela potencialidade do risco acarretado à vida do servidor.

Diferentemente da insalubridade que demanda a exposição permanente e habitual do servidor, as atividades de risco requerem meramente a latência do perigo, a inesperada, mas possível reação de alguém, não sendo requisito que esse risco venha a se concretizar. Afinal, o risco à vida, uma vez levado a efeito, pode ser irreversível e, portanto, mereceu o devido amparo constitucional.

À essa altura a discussão começa a ficar divergente em alguns pontos e os Tribunais Superiores enriquecem-na. De um lado, há posição do Superior Tribunal de Justiça para não admitir o tempo de atividade militar como atividade estritamente policial prevista na LC nº 51/1985, em um exercício subsuntivo de interpretação normativa, ou seja, elevando a gramática a patamar superior ao da semântica[5], mesmo ressaltando que a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal[6] é de que o conceito de atividade estritamente policial seja em virtude do desempenho de atividades em condições de risco em cargo policial. Isto é, restrição máxima da lei. Em direção à semântica, o mesmo Superior Tribunal de Justiça já acatou a natureza de risco das atividades militares em razão dos treinamentos e suas condições de latente perigo à vida que ultrapassam a normalidade dos servidores civis[7].

Eis que surgem as questões: se a Constituição ampara a atividade de risco, como pode o risco militar tornar-se inócuo diante do risco policial? Em outras palavras, a vida não mereceria o mesmo respaldo independentemente do cargo que se ocupa na hipótese analisada, seja militar ou policial? E, por último e fundamental, é constitucionalmente adequada essa desvalia ao risco militar em observância estrita do sentido gramatical da Lei Complementar nº 51/1985?

A depender da resposta se restringe a efetividade da Carta Magna e, nesse aspecto, o Supremo não tem desempenhado o papel de Guardião da nossa Carta Política. Prima-se por uma visão distante da realidade, hermética ao invés de hermeneuta. Nesse jogo, por ora, vence a dogmática do Direito – adstrita à lei e não ao seu fundamento de validade –, enrijecida no sentido literal da norma que tanto não cumpre sua finalidade como contraria o bem jurídico tutelado pela Lei Maior: a vida.

 

[1] Lei Complementar nº 51/1985: “Art. 1o O servidor público policial será aposentado: I – compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, qualquer que seja a natureza dos serviços prestados; II – voluntariamente, com proventos integrais, independentemente da idade: a) após 30 (trinta) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se homem; b) após 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 15 (quinze) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se mulher.” (grifou-se)

[2] Constituição da República: “Art. 40. O servidor será aposentado:(…) III – voluntariamente: a) aos trinta e cinco anos de serviço, se homem, e aos trinta, se mulher, com proventos integrais; b) aos trinta anos de efetivo exercício em funções de magistério, se professor, e vinte e cinco, se professora, com proventos integrais; c) aos trinta anos de serviço, se homem, e aos vinte e cinco, se mulher, com proventos proporcionais a esse tempo; d) aos sessenta e cinco anos de idade, se homem, e aos sessenta, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de serviço. § 1º – Lei complementar poderá estabelecer exceções ao disposto no inciso III, “a” e “c”, no caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.” (grifou-se)

[3] Constituição da República: “Art. 40 (…) § 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.” (grifou-se)

[4] Constituição da República: “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. § 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (…) II – que exerçam atividades de risco;” (grifou-se)

[5] Recurso Especial nº 1.357.121/DF, julgado sob o rito dos recursos repetitivos em 28 de maio de 2013.

[6] Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3817.

[7] Recurso Especial nº 1.021.500/PR, julgado sob o rito dos recursos repetitivos em 10 de setembro de 2009.

Fonte: Blog do Servidor Legal

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