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maio/2012

CGU vê irregularidades em aplicações do FGTS

Investigação da Controladoria Geral da União (CGU) apontou que a liberação de cerca de R$ 3 bilhões para incorporadoras imobiliárias pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi alvo de um esquema irregular que teria beneficiado funcionários da Caixa Econômica Federal e conselheiros do fundo. Para a CGU, ficou caracterizada “situação de conflito de interesses na gestão dos recursos públicos e privados”. Com R$ 260 bilhões em ativos, o FGTS auxilia o trabalhador demitido sem justa-causa.

Relatórios da CGU aos quais o Valor teve acesso mostram que a funcionária da Caixa Marcelita Marques Marinho, o integrante do conselho curador do FGTS Celso Petrucci e o membro do Grupo de Apoio Permanente (GAP) do conselho curador do FGTS e do comitê de investimento do FI-FGTS André Luiz de Souza são ou foram sócios ou dirigentes da Sscore, empresa que prestou serviços para seis das sete emissões de debêntures de incorporadoras compradas pelo FGTS entre 2009 e 2010 e analisadas pela CGU no ano passado. Hoje, nenhum dos três ocupa esses cargos. O FGTS comprou papéis de 13 empresas, mas a CGU fez uma auditoria parcial.

A Caixa é responsável pela operação do FGTS, decidindo suas aplicações. Depois de tomar conhecimento da auditoria da CGU, o banco decidiu reforçar a estrutura de governança do fundo (ler texto abaixo). O conselho curador é a instância do FGTS que decide suas principais linhas de investimento, entre elas, a aplicação em debêntures e em fundos de investimento. É presidido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e composto por entidades representativas dos trabalhadores, dos empregadores e do governo. O GAP faz o assessoramento técnico dos curadores. Por causa dessas relações, a CGU apontou “participação conflituosa”.

“Ficou claramente evidenciada a existência de interesses alheios aos da defesa da regular aplicação dos recursos do FGTS, visto que tanto um conselheiro, um representante integrante do GAP e do comitê de investimentos do FI-FGTS, como servidores da Caixa participaram de empresas que fizeram negócios com empresas beneficiadas pelas operações com recursos do FGTS”, diz o relatório da CGU de novembro de 2011.

A conclusão da auditoria é que essas três pessoas podem ter exercido influência no processo de decisão de investimento do FGTS, ao mesmo tempo em que teriam recebido parte do dinheiro liberado pelo fundo como pagamento por serviços privados prestados. Algumas das companhias que captaram recursos do FGTS por meio da emissão de debêntures foram Gafisa, Odebrecht, Trisul, Rodobens, MRV, PDG e Rossi (ler texto abaixo).

Figura central da auditoria da CGU é André Luiz de Souza. Integrante do conselho curador do FGTS pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) até 2007, Souza é sócio de sete empresas de consultoria imobiliária que, segundo a CGU, são “parceiras” da Caixa, entre elas Sscore, Contrathos e Arche.

Depois de renunciar ao assento que tinha no conselho curador, Souza permaneceu como membro do comitê de investimentos do FI-FGTS, fundo que aplica recursos em ações e papéis de dívida de empresas de infraestrutura, e do Grupo de Apoio Permanente do FGTS. Mesmo tendo mudado de função, Souza continuou tendo participação ativa nas reuniões do conselho curador, segundo a CGU.

Nas emissões de debêntures, a Sscore – sociedade de Souza, Petrucci e Marcelita – exerceu o papel de agente de garantia, isto é, de responsável por zelar pelas garantias dadas pelas incorporadoras ao FGTS. É uma figura que, de acordo com a CGU, é facultativa nas operações de debêntures.

Em outro caso, a Contrathos, empresa de André Souza, foi contratada como agente de crédito por um fundo de direitos creditórios criado pela RB Capital e que recebeu recursos do FGTS. Se alcançasse o limite máximo de patrimônio permitido, de R$ 450 milhões, o fundo pagaria à Contrathos R$ 2 milhões por ano pelos serviços de agente de crédito, segundo a CGU. Hoje, o fundo gerido pela RB tem patrimônio de R$ 235 milhões.

Petrucci é economista-chefe do Secovi-SP (sindicato do setor imobiliário) e ex-integrante do conselho curador do FGTS pela Confederação Nacional do Comércio. Também chegou a presidir, até o ano passado, a Contrathos. Nos relatórios da CGU, ele aparece como representante legal da Sscore, mas Pettrucci afirmou ao Valor ser sócio da Sscore. Até o fechamento da edição Souza não foi localizado no escritório da Sscore. Petrucci justificou que Souza estava em viagem.

Petrucci negou conflito de interesse. “Não tem como ligar as coisas, o fato de eu ter sido conselheiro do FGTS e sócio da Sscore. Como conselheiro, não tinha influência nas operações de crédito do fundo, que são aprovadas pela Caixa”, disse Petrucci, que renunciou ao conselho em julho de 2011, depois que a apuração da CGU teve início. No mesmo mês, Souza também renunciou aos cargos no FI-FGTS e no Grupo de Apoio Permanente.

“Fui parar no FGTS porque sou um técnico. Durante todos esses anos [2005 a 2011] fiz um trabalho voluntário. Só que ao mesmo tempo em que ajudava no crescimento do fundo, tinha que continuar meus negócios”, alegou Petrucci.

A Sscore foi fundada em 2008, um ano antes de o FGTS começar a comprar debêntures do setor imobiliário e de infraestrutura para fomentar a construção num momento em que a economia brasileira sofria os efeitos da crise mundial. “A Sscore fez um primeiro trabalho para uma emissão de debênture do FGTS e depois as outras empresas também nos procuraram, por isso, fizemos tantas operações”, afirmou Petrucci.

Em relação a Marcelita Marques Marinho, a CGU afirma que ela permaneceu durante oito meses como superintendente nacional de risco de crédito da Caixa e sócia da Sscore, até se aposentar do banco. Dona de outra consultoria, a MMM & Associados, Marcelita tinha como sócias três funcionárias da área de risco da Caixa: Edna Lima, Natália Evangelista e Thaís Rodrigues da Silva. Marcelita não foi localizada pela reportagem.

Os relatórios da CGU foram produzidos entre julho e dezembro de 2011. Agora, o caso está na Procuradoria Geral da República, que iniciou um inquérito no mês passado para investigar as constatações. Dependendo da conclusão, o caso pode parar na Justiça. Procurada desde quarta-feira, a CGU não retornou os pedidos de entrevista.

Fonte: Valor Econômico

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