10

fev/2015

Entrevista – PRF Filipe Bezerra

Filipe Bezerra, junto com representantes da FenaPRF e SinPRFs na Mobilização Nacional em Defesa dos Direitos do Servidor Público. Evento realizado em 28/10/14, no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, em Brasília/DF. Foto: Arquivo FenaPRF

O policial rodoviário federal Filipe Bezerra encontrou na escrita uma forma de expor e analisar o cotidiano da sua profissão, bem como fazer comentários sobre segurança pública e política. Formado em Direito pela UFRN, pós-graduado em Ciências Penais pela UNIDERP e bacharelando em Administração Pública pela UFRN, ele produz artigos sob um viés diferenciado, de acordo com a visão do profissional da área, e considera fundamental a divulgação desse ponto de vista. “Só existem tantos palpiteiros travestidos de ‘especialista em segurança pública’ porque silenciamos e deixamos que eles ocupem um espaço que é nosso”, afirma. Nessa entrevista, Filipe, que passará a ter seus artigos publicados no site do SINPRF-BA em breve, fala das suas experiências de carreira, da sua vida acadêmica e das motivações para escrever.

Quando e como surgiu o interesse por ingressar na PRF?

A PRF, para mim, já nos idos de 2002, era uma instituição promissora que estava em expansão (não sabia que essa expansão era fruto do visionário Diretor Geral da PRF na época, o General Álvaro Henrique Vianna de Moraes). Como cursava Direito na UFRN, optei por esperar terminar o curso para tentar o concurso da PRF. Em 2003 passei pra Delegado de Polícia Civil na Paraíba e em 2004 passei e optei por ingressar nos quadros da PRF.

Quais os fatos mais marcantes da sua trajetória na polícia?

Costumo lembrar mais dos eventos mais críticos, aqueles onde a morte passou perto, como o acidente que deu perda total numa viatura onde escapei apenas com escoriações no joelho; na madrugada onde eu um colega, esgotados fisicamente após passar várias horas atendendo um acidente grave, cochilamos no deslocamento de volta pro posto e acordamos no acostamento da contramão, com o pneu dianteiro já iniciando a descida no despenhadeiro e finalmente o tiroteio com assaltantes de ônibus no norte do Piauí, onde escapei ileso mas tive que socorrer um companheiro baleado no rosto. A audiência pública sobre a lei seca no STF, onde ajudamos a mudar a posição originalmente garantista do ministro-relator Luiz Fux, também foi um momento muito especial, pois foi a primeira vez que um ministro de um tribunal superior se manifestou favoravelmente à obrigatoriedade do exame do “bafômetro”. Destaco também a participação ativa no movimento político do GRUPO PRF onde o efetivo, unindo forças com a parcela não aparelhada do sistema sindical, conseguiu mudar toda a cúpula do DPRF da época que, na minha avaliação, eram forças políticas anacrônicas que estavam levando a PRF à extinção por falta de importância.

Como você avalia sua carreira na instituição?

Já passei por quatro superintendências (SC, PI, PB e agora RN) nestes dez anos de polícia. Cada nova regional é um recomeço do zero. Mas acredito que o balanço até agora é positivo.

Quando você começou a escrever artigos? O que te motivou a começar?

Ludwig Von Mises dizia que em uma batalha entre a força e a ideia, a última sempre prevaleceria. Ele dizia ainda que tudo que ocorre na nossa sociedade é fruto de ideias, sejam elas boas ou más, e que se fazia necessário combater as más ideias, pois elas prejudicam sobremaneira a vida pública. Na área de segurança pública é mais do que evidente que esse vácuo de expressão de ideias foi ocupado prontamente por pessoas que nada tem a ver com a área, e muitas delas com o discernimento totalmente comprometido por intoxicação ideológica. Esse silêncio escandaloso das polícias (falo do silêncio intelectual e não do institucional) sempre me incomodou, pois muito da deterioração social que vivemos hoje é fruto da ação de grupos organizados que nada entendem da matéria. Comecei acreditando que o trabalho de formiguinha seria importante para meu ciclo imediato de amizades, mas não teria muito impacto geral. Meu artigo científico de conclusão sobre  Lei Seca foi o primeiro passo. Aquelas ideias me levaram ao STF no episódio da audiência pública (pra mim foi algo surreal). Passei então a escrever então – sempre questionando o senso comum – sobre segurança pública. Advogar pelo respaldo à atividade policial. Os textos começaram a ser compartilhados no facebook, no whatsapp, foram parar em outros sites e o melhor de tudo: viraram argumentos pró-polícia na guerra cultural que travamos trincheira por trincheira. É um começo e espero que outros colegas comecem iniciativas semelhantes. Há uma enorme carência de material intelectual de profissionais que tem prática e perspectiva real da atividade policial.

Quais são, na sua opinião, os momentos mais importantes da sua trajetória como articulista?

Percebi muito cedo que a grande batalha da segurança pública não seria travada com armas, mas com ideias. Não adianta apenas enxugarmos gelo combatendo a criminalidade se a ideologia política e cultural dominante enxerga a polícia como inimiga e o marginal como um coitado que é “vítima da sociedade” (concepção romântica de Rousseau sobre a natureza humana que a esquerda brasileira adota como princípio). Não chegamos a 60.000 homicídios anuais por acaso. A maioria da sociedade clama por segurança pública, mas paradoxalmente se apressa a prejulgar e condenar a polícia por qualquer deslize. Cobram do policial, desconsiderando a natureza visceral e complexa de sua atividade, uma perfeição na execução de seu mister que não é cobrada de mais nenhuma outra profissão. Fiquei também extremamente preocupado quando vi, por exemplo,  as correntes penalistas “modernas” e majoritárias na Pós-Graduação em Ciências Penais que fiz em 2010/2011. O “Garantismo Penal” à brasileira, por exemplo, era algo ininteligível ao senso comum, um estupro à razão, mas a maioria dos estudantes de Direito se limitam a ratificar tudo aquilo que é passado para eles, como se um argumento de autoridade fosse um dogma religioso aceito como verdade absoluta. Daí, nascem jabuticabas jurídicas como o “direito de recusar o bafômetro” ou de “não produzir prova contra si”, coisas que não existem em países desenvolvidos em que o direito do indivíduo é limitado pelo direito dos demais. Desmistificar isso foi o objeto do meu artigo científico de conclusão de curso que mais tarde viraria o documentário amador que postei no youtube “O Direito de Dirigir Bêbado”, uma abordagem de direito comparado totalmente inovadora e que ia de encontro a tese dominante. Considero esse o grande momento na minha trajetória, pois foi isso que me levou ao auditório do STF.

Quais são suas maiores inspirações, na escrita e na ideologia?

Como todo estudante brasileiro, recebi, sem perceber, doses cavalares de doutrinação marxista desde o jardim da infância. Participei de movimento estudantil na época de minha primeira faculdade e me considerava, como todo jovem, um “revolucionário”. Nelson Rodrigues dizia: “Quem não é socialista aos 20 anos, não tem coração; quem continua socialista depois dos 40 anos, não tem cérebro”. Acho que, com a proximidade dos 40 (tenho 34), meio que despertei dessa “matrix esquerdista” e tenho buscado ler mais autores conservadores e liberais. Sobre inspirações gosto muito de biografias de grandes estadistas, sou muito fã de Winston Churchill e Martin Luther King Jr.

Considera importante que haja policiais escrevendo textos e artigos que mostrem seus pontos de vista?

Não só importante, mas fundamental. O médico ocupa papel de protagonismo na área de saúde, o engenheiro na área de engenharia, o físico na física e por aí vai. Em áreas específicas o leigo não ousa meter o bedelho. Só existem tantos palpiteiros travestidos de “especialista em segurança pública” porque silenciamos e deixamos que eles ocupem um espaço que é nosso. Já vi professor de direito, mestre de ai-ki-do, sociólogo, antropólogo, até ator de televisão querer opinar “abalizadamente” sobre técnica policial nos noticiários da TV. Do mesmo jeito que não existe vácuo de poder não existe vácuo no espaço intelectual. É dever do policial combater a desonestidade intelectual existente no cenário midiático de segurança pública.

Como você conciliou, ao longo dos anos, a vida acadêmica com o trabalho na PRF?

Tanto a pós-graduação em Ciências Penais como a graduação em Administração Pública que curso na UFRN foram perfeitamente compatíveis com meus horários de trabalho. E sempre contei com a compreensão dos  meus superiores. A qualificação intelectual dos servidores deve ser sempre valorizada pela instituição.

Você viveu algum tipo de conflito na universidade devido ao seu posicionamento ideológico?

Na faculdade de Direito éramos todos marxistas involuntários! Na atual tenho colegas mais maduros. A utopia socialista anda de mãos dadas com a inocência e a rebeldia juvenis. Mas nesses dez anos que separam um curso do outro observo que pouca coisa mudou, pois o movimento estudantil continua aparelhado pelos partidos de esquerda.

Como você avalia o atual momento político do Brasil, no geral?

Acredito que vivemos o momento mais crítico desde a redemocratização. Os escândalos de corrupção e o envolvimento direto de pessoas ligadas ao governo mostram que nossa democracia ainda precisa ser aperfeiçoada, e que o brasileiro de uma forma geral precisa absorver valores verdadeiramente republicanos.

Você acredita numa melhora das condições de trabalho do servidor público federal nos próximos anos?

Há toda uma cobrança social por serviços públicos de qualidade. Para isso acontecer precisa de duas coisas: investimentos estruturais e uma política de valorização do servidor público. Neste cenário de crise econômica e política não consigo vislumbrar boa vontade do governo neste sentido. Os servidores precisarão de muita união e engajamento para mudar esse panorama.

Do que a Polícia Rodoviária Federal mais precisa, na sua opinião?

Eu acredito sinceramente que evoluímos muito nos últimos anos. A chegada de técnicos sem apoio político a cargos estratégicos antes ocupados apenas por apadrinhados foi uma revolução na polícia, revolução esta que só foi possível por causa de meia dúzia de abnegados que arriscaram seus empregos para encerrar um ciclo político que atrasava a PRF e que certamente teria uma sobrevida de muitos anos caso nada fosse feito à época. Para a PRF crescer, é necessária a criação de um verdadeiro espírito de corpo, e não apenas propaganda institucional interna. É necessário principalmente que os colegas que priorizam suas carreiras tenham a consciência que o sucesso da gestão deles passa principal e necessariamente na conjugação de seus interesses com os do efetivo. Se, de fato, conseguirmos esse “casamento”, o céu será o limite!

Fonte: SINPRF/BA

COMPARTILHAR