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maio/2013

Fator previdenciário: quando “melhor idade” é uma afronta

Se há algo que decisões de ordem política ilustram à perfeição é como meias verdades podem amparar os argumentos expostos inclusive pelas partes antagônicas. Um exemplo está no debate sobre o fim do fator previdenciário, cerne de projeto de lei que patina no Congresso desde 2008, mesmo com apoio organizado de entidades representativas dos aposentados e da classe trabalhadora e da acolhida expressa de vários partidos.

Nas hostes governamentais, se empunha o discurso do apregoado “rombo na Previdência”. Alega-se que a eliminação do fator previdenciário pode resultar em uma perda acumulada da ordem de R$ 2 bilhões para a Previdência Social, montante necessário ao ajuste dos benefícios concedidos a homens e mulheres que, respectivamente, se aposentam abaixo dos 65 anos e dos 60 anos.

O debate carece da análise serena e racional sobre dois pontos fundamentais. Primeiro, admitir o que vários e renomados especialistas já questionaram: se a Previdência é mesmo deficitária.

O que muitos estudos já apontaram é que, embora se verifiquem saldos positivos nas contas da seguridade social — em que se inclui a Previdência —, esses terminam utilizados para fins alheios a ela, a exemplo de aumentar o superavit fiscal da União e pagar despesas referentes à folha de inativos e pensionistas de outros ministérios.

Economistas sérios e gabaritados alegam ainda que, no passado, se acumularam verbas previdenciárias de grande monta, mas, em vez de se destinarem a financiar os benefícios atuais, findaram alocadas para viabilizar obras da magnitude da Hidrelétrica de Itaipu, da Ponte Rio-Niterói e da Usina Nuclear de Angra dos Reis, entre outras.

Esse desvio aconteceria também no montante recolhido como Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), cujo destino, embora explícito na definição do tributo, nem sempre é os cofres do INSS.

O outro ponto, não menos importante, diz respeito à perspectiva do governo de distribuir renda, solapando a miséria. Ora, o fator previdenciário penaliza especialmente aquela faixa econômica dos que começam a trabalhar mais cedo — leia-se: os de menor poder aquisitivo.

Mas qual a lógica em distribuir bolsas garantindo avanço socioeconômico aos extratos menos favorecidos e, ao mesmo tempo, relegar a uma qualidade de vida inferior aqueles que já deram seu quinhão de contribuições ao desenvolvimento do país, pela via do trabalho? Em outros termos, fica a impressão de que o governo considera louvável e fundamental amparar os pobres — desde que eles não sejam aposentados do INSS.

Está mais do que na hora de a sociedade cobrar do Poder Legislativo um debate sólido e sensato sobre o tema. Um salutar ponto de partida encontra-se didaticamente organizado no estudo “Extinção do fator previdenciário e propostas alternativas”, produzido no âmbito da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, em 2009.

O trabalho conclui que “os segurados almejam uma segurança mínima quanto ao valor da reposição de sua renda na aposentadoria, e o fator previdenciário representa o oposto: insegurança para o trabalhador”. Defende que esse mecanismo não é insubstituível e apresenta propostas alternativas a ele, considerando, entre as mais adequadas, “a redução do valor das futuras pensões, observada regra de transição”, para citar apenas uma.

Como dito aqui, esse abalizado material pode nortear os debates inadiáveis sobre um instrumento com impactos à sociedade que já se mostraram nada meritórios, de forma inconteste.

Sem um impulso concreto a essa análise livre de paixões, viceja o império das meias verdades — ou das verdades cujo repercutir insistente é o que melhor lhes sustenta. E, em tal cenário, os sacrifícios prosseguirão recaindo sobre as costas de milhões de brasileiros para os quais o termo “melhor idade” se transformou em piada de mau gosto, quase uma afronta.

Fonte: Correio Braziliense
Autor: Laércio Oliveira

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