15

maio/2012

Flagrantes da lei seca despencam 40,4% no DF

Não bastasse o enfraquecimento da Lei Federal nº 11.705/08, a lei seca, e, consequentemente, a dificuldade de punir com rigor quem bebe e dirige; no Distrito Federal, a fiscalização dá mostras de arrefecimento. A quantidade de condutores pegos alcoolizados ao volante despencou 40,4% no primeiro trimestre do ano. Entre janeiro e março, houve apenas 1.655 flagrantes contra 2.777 no mesmo período de 2011. Com menos agentes e policiais militares nas ruas para coibir a desobediência à legislação de trânsito, um número maior de pessoas ganha coragem para pegar o carro após ingerir bebida alcoólica.

Esse tipo de comportamento pode ter deixado mais uma família do Distrito Federal de luto. Mãe e filha morreram em um acidente de trânsito no balão do Recanto das Emas na noite de domingo e outras duas pessoas ficaram feridas. O motorista da Hilux apontado como o responsável pela colisão estaria alcoolizado, segundo a polícia. Ele se recusou a fazer o teste do bafômetro mas, ainda assim, pelas evidências apuradas pelos investigadores, acabou preso em flagrante e indiciado por duplo homicídio e por três tentativas de homicídio, todos com dolo eventual (não há intenção de matar ou ferir, mas a pessoa assume o risco).

As mortes provocaram indignação entre os leitores do site do Correio. Boa parte deles falou sobre a necessidade de mais fiscalização e de aumento das penas para quem, alcoolizado, se envolve em acidente de trânsito fatal. Apesar do senso comum de que as blitzes da lei seca estão mais raras, o diretor de Policiamento e Fiscalização do Departamento de Trânsito (Detran), Nelson Leite, rebate as críticas. “A fiscalização é atuante, eficaz e consegue flagrar muitos condutores. Se eu faço uma operação e consigo retirar das ruas 10 alcoolizados, tiro 10 riscos iminentes de acidente. É isso que deve ser destacado”, ressalta.

Ao explicar por que o número de autuações teve redução tão drástica no primeiro trimestre deste ano, Leite diz não existir uma razão determinante. “Podemos ter ido a lugares com menor incidência de pessoas dirigindo alcoolizadas, a polícia (Militar) ficou alguns dias com a Operação Tartaruga. Pode ser um indício de que as pessoas começam a respeitar a lei, não tem como afirmar nada”, explica.

Segundo Leite, somente a Operação Funil resultou em mais de 400 flagrantes de alcoolemia ao volante, de janeiro até agora. Além dela, o Detran conta com outras seis operações específicas de lei seca, sem contar o trabalho da PM. Apesar da queda de 40%, a quantidade de carteiras suspensas porque o motorista dirigia alcoolizado aumentou 96,8% no primeiro trimestre deste ano: foram 1.199 no primeiro trimestre deste ano, contra 609 no mesmo período de 2011.

Punição
Nos últimos meses, o clamor social por punições mais severas e a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema álcool e volante têm feito diferentes órgãos do governo federal se mobilizarem para mudar a legislação de trânsito. A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei ampliando os meios de prova para atestar a embriaguez do condutor. Porém, manteve os índices de álcool no organismo para configurar crime, o que, segundo especialistas ouvidos pelo Correio, continuará a dar margem para que infratores escapem da punição mais rigorosa. A proposta agora passará pela análise do Senado — o senador Ricardo Ferraço (PMDB/ES) é o relator.

Outro caminho é a reforma do Código Penal. A comissão de juristas criada pelo Senado para discutir as atualizações na lei modificou a redação do artigo do Código de Trânsito Brasileiro que trata das mortes no trânsito. Entre as alterações está o aumento da pena para 11 anos nos casos de homicídio culposo (sem intenção de matar) quando o condutor estiver embriagado ou disputando racha, além da exclusão do índice de álcool no organismo para configurar crime.

Análise da notícia
Mudanças nas leis
» GUILHERME GOULART

O acidente que matou mãe e filha no fim de semana, na DF-001, reforça ainda mais a necessidade de fortalecimento da lei seca no Brasil. O motorista acusado de provocar a colisão fatal, por exemplo, se recusou a fazer o teste do bafômetro. A embriaguez ao volante acabou atestada pela polícia em razão do odor etílico, comprovação sem força na esfera criminal. Portanto, depende hoje do Congresso Nacional possíveis mudanças no Código de Trânsito Brasileiro ou no Código Penal. Estão em tramitação propostas que tentam compensar as brechas na legislação e aumentar as punições para quem insiste em assumir a direção de um veículo depois de beber. Somente penas mais rigorosas, capazes de diminuir a sensação de impunidade, terão efeito prático no trânsito e na postura dos condutores.

Limitação
Em 28 de março, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por cinco votos a quatro, que apenas o teste do bafômetro ou o exame de sangue podem incriminar o condutor que dirige alcoolizado. Pelo entendimento da maioria dos ministros, provas testemunhais e exame clínico não podem ser usados como prova para processar criminalmente o infrator.

Palavra de especialista

“Individual ou coletivo”
“Pelo menos 50% das fatalidades no trânsito estão ligadas ao uso do álcool, mesmo em graus leves de intoxicação. O uso do etilômetro é o único instrumento capaz de medir a intoxicação do indivíduo quando ele não apresenta os sinais extremos de embriaguez. Se não podemos usar o etilômetro, criamos uma celeuma.
Quando o indivíduo se recusa a fazer o teste, alegando que não é obrigado a fazer a prova contra si mesmo, temos um conflito. Qual deve vir primeiro? O direito individual ou o coletivo? Devemos dar para a pessoa o direito de ela se embriagar — e não me refiro apenas aos casos extremos em que o cidadão está caindo de bêbado— , pegar o volante e colocar a segurança dos outros em risco?

Se isso prevalece, alguém está defendendo uma causa com mais competência do que o outro. É dever do Estado decidir se vai regulamentar o consumo, a venda e a fabricação do produto ou se vai continuar brincando. Se continuar assim, é melhor o Estado declarar, como nação, que aceita a mortalidade no trânsito e não vai fiscalizar nem combater o álcool. Mandar as pessoas se trancafiarem em casa, não sair nos fins de semana, nem em feriados prolongados, para não se exporem ao risco de acidente.”

Mauro Augusto Ribeiro é presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet)

Fonte: Correio Braziliense

COMPARTILHAR