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ago/2012

Governo monta ‘agenda da competitividade’; economistas pedem novo patamar

Enquanto equipe econômica prepara novo pacote de medidas, analistas consideram que é o momento de pensar em políticas de longo prazo, com investimento em infraestrutura e educação

Governo monta 'agenda da competitividade'; economistas pedem novo patamar

Modelos de estímulo à atividade econômica baseados em consumo podem ser insuficientes para fazer frente à crise externa (©Folhapress/ArquivoRBA)

Impulsionar o crescimento do país é uma obsessão do governo brasileiro. Após uma fase marcada pelas conquistas sociais e pelo aumento da distribuição de renda, além da aposta no fortalecimento do mercado interno que permitiu à economia brasileira resistir bravamente aos efeitos da crise financeira internacional, é consenso entre a presidenta Dilma Rousseff e seus ministros que o projeto do PT e de seus aliados para o Brasil precisa avançar no que se refere à competitividade do país no cada vez mais difícil cenário da economia globalizada.

Antes de se reunir com uma comissão de grandes empresários brasileiros na terça-feira (7), Dilma antecipou algumas medidas daquilo que batizou como “agenda da competitividade”, que está sendo montada pelo governo e deverá ser oficialmente anunciada na próxima semana. Entre as medidas previstas está a desoneração do custo da energia consumida pela indústria nacional, que será obtida por meio da extinção de três encargos nas tarifas: Reserva Global de Reversão (RGR), Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Segundo a presidenta, a expectativa é conseguir uma redução de até 20% no preço da energia para a indústria.

O pacote a ser anunciado pelo governo também prevê a ampliação do leque de setores da indústria beneficiados com a desoneração na folha de pagamento de pessoal. Desde o primeiro dia de agosto, esse benefício passou a ser concedido aos setores naval, têxtil, moveleiro, hoteleiro, metal-mecânico, autopeças, ônibus, plásticos, materiais elétricos, couro e calçado, confecções, tecnologia da informação e bens de capital (máquinas e equipamentos). São esperados ganhos efetivos em termos de redução de custos, e o governo aposta na ampliação do benefício a outros setores.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, confirmou que o governo está prestes a anunciar novas medidas de estímulo aos investimentos públicos e privados e ao crescimento econômico. Por sua vez, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, informou que o governo prepara uma medida provisória ampliando de 3% para 5% a margem de receita líquida que os Estados brasileiros poderão utilizar em contratos de Parceria Público-Privada (PPP).

Segundo a agência Reuters, Mantega afirmou que o incentivo aos estados, assim como o pacote de medidas de estímulo ao investimento, tem o objetivo de levar o setor privado a retomar projetos para o crescimento da economia nacional: “Vamos investir e estamos agindo no sentido de estimular o setor privado a fazer o mesmo. Temos que animar esse setor privado, que está um pouco reticente”, disse o ministro. Entre as novas medidas preparadas pela equipe econômica estariam também incluídas uma redução ainda maior da taxa de juros – atualmente em 8% ao ano – e uma taxa de câmbio menos apreciada.

Em outra frente, o Senado aprovou o projeto de lei da Medida Provisória 564, a segunda editada pelo governo com medidas relativas ao Plano Brasil Maior, de estímulo à indústria brasileira, lançado pela presidenta Dilma em abril. Entre outras coisas, a MP prevê a ampliação dos setores beneficiados por subvenção econômica, a prorrogação até 2018 dos incentivos fiscais às superintendências de desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Nordeste (Sudene) e o fortalecimento do BNDES, principal veículo de fomento aos programas de industrialização do país.

Economistas

Entre os economistas de fora do governo, prevalece a visão de que as dificuldades econômicas enfrentadas pelo Brasil nos últimos meses são consequência da crise global, mas eles apontam a necessidade de o país partir para um novo patamar em termos de competitividade industrial e formação educacional e técnica de sua população.

Na opinião de Luiz Carlos Prado, que é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-presidente do Centro Celso Furtado, várias razões se conjugaram para provocar o atual cenário econômico. “Há uma crise internacional que afeta as exportações brasileiras e nossa expectativa econômica. Esse componente externo da crise se combina com componentes internos que vão desde a desaceleração da expansão do consumo – que tem a ver com o próprio ciclo de endividamento das famílias – até a questão dos investimentos do PAC, que não deslancharam. A combinação dos componentes internos e externos provocou essa desaceleração da economia”, diz.

Também para Pedro Rossi, do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) da Unicamp, a intensidade da crise internacional foi determinante para o relativo fracasso das medidas até aqui tomadas pelo governo. “A crise na Europa paralisou os mercados e adiou planos de investimento, uma vez que impôs um cenário de forte incerteza. Frente a isso, a produção foi prejudicada, a despeito dos incentivos. Nesse sentido, é preciso considerar que os efeitos da crise internacional têm se sobreposto aos efeitos das medidas do governo. A despeito disso, a política industrial tem grande importância, assim como a política de redução dos juros e dos spreads bancários”, diz.

Prado segue na mesma linha, e afirma que as medidas de estímulo que vêm sendo anunciadas pelo governo são bem-vindas, mas insuficientes: “É claro que se definem elementos que estimulam de uma certa maneira a economia, mas voltamos à necessidade de se ter investimentos de maior peso. Na área de infraestrutura eles são ainda muito insuficientes. Nós temos de resolver as questões de curto prazo, que são resolvidas com as políticas keynesianas conhecidas, mas há um problema estrutural de longo prazo para ser enfrentado que passa por mexer em variáveis como investimento e formação, além de, obviamente, manter políticas cambiais competitivas. O câmbio não pode ficar excessivamente valorizado”.

A insuficiência das medidas tomadas pelo governo também é citada por Rossi: “O caminho adotado pelo governo está correto, contudo faltam políticas mais agressivas de investimento público. Acredito que um plano de investimentos em infraestrutura com um horizonte de médio e longo prazo pode ser determinante para recuperação do dinamismo da economia brasileira”, diz.

Sob o ponto de vista estrutural, Prado alerta para a chamada “armadilha dos países de renda média” que ameaça o Brasil: “Os salários subiram, o que é bom, mas nossa produtividade ainda é baixa para concorrer com os países de maior tecnologia, o que torna difícil nossa posição em termos de competição. É uma questão estrutural, nós estamos pagando em parte o preço pela insuficiência de investimentos em educação, pelos problemas de infraestrutura que também são conhecidos e por políticas cambiais erradas no passado que se somaram e afetaram a indústria brasileira”.

Em longo prazo, segundo o economista, a saída econômica para o Brasil passa pelo aumento dos investimentos em educação. “Não é mais aceitável que tenhamos a situação atual do Brasil em relação à qualidade da educação primária e secundária e à série de problemas associados às universidades que, aliás, continuam em greve. Esse conjunto de fatores afeta estruturalmente o país”, diz.

Modelo esgotado?

Segundo os economistas, o modelo de crescimento baseado no estímulo ao crédito e ao consumo e no fortalecimento do mercado interno – que vem sendo adotado com sucesso pelo governo desde o início da crise global – dá alguns sinais de esgotamento, mas não deve ser deixado de lado. “Historicamente, o dinamismo econômico brasileiro sempre se sustentou no mercado interno. Com a crise internacional, a aposta no mercado interno deve ser dobrada.

Apostar em um crescimento puxado pelas exportações no atual contexto seria um tiro no pé. O projeto de desenvolvimento brasileiro deve se sustentar na ampliação do tecido industrial, na infraestrutura e na distribuição da renda. É verdade que há um esgotamento do ciclo de consumo para alguns setores produtivos, como alguns bens duráveis, mas há diversos setores com potencial de crescimento”, avalia Pedro Rossi.

Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda no governo de Fernando Henrique Cardoso, o economista Cláudio Monteiro Considera avalia que a política adotada pelo governo nos últimos anos provocou um forte endividamento em parte da população, o que agora estaria dificultando o estímulo à economia.

“A classe média brasileira está muito endividada. Quando você tem um alto grau de endividamento, isso faz com que as pessoas – nesse momento em que a crise começa a existir no Brasil, que a taxa de crescimento do PIB brasileiro é menor e que há risco de crescimento do desemprego – fiquem temerosas de aumentar seu consumo e seu endividamento. Isso acarreta que o pacote não dá resultado porque aparentemente ele já deu resultado no passado. Esse tipo de estimulo está um pouco esgotado”.

O economista também critica os gastos efetuados pelo governo, que, na visão, dele, gasta em excesso por conta do aumento do emprego e dos salários do setor público, além dos programas sociais. “Gasta demais em consumo e não no que deveria, como a reformulação de nossa infraestrutura viária e ferroviária, de forma a aumentar a capacidade de escoamento da produção, que é muito cara para o produtor brasileiro e funciona como um desestímulo. O custo brasileiro é muito elevado, os impostos muito altos e, ao invés de fazer uma redução de impostos mais forte, o governo continua arrecadando muito para saldar seus compromissos de gastos que não levam a uma melhoria do investimento”.

Para Luiz Carlos Prado, a aposta interna é recomendável na medida em que a crise na Europa e nos EUA não tem perspectiva de recuo em curto prazo. “Nessa conjuntura, o mercado interno é obviamente a aposta mais razoável para o Brasil. Agora, o mercado interno pode ser visto pelo lado da demanda ou pelo lado da oferta. Ou seja, a questão que se coloca agora não é mais pelo lado do consumo, é pelo investimento. Não quer dizer que não se possa ampliar ainda o consumo das famílias, com o aumento da renda isso ocorre. Mas, a nossa fronteira de expansão óbvia é pelo aumento de investimentos. E o setor onde esse investimento pode crescer é principalmente na área de infraestrutura”, diz.

Nesse sentido, acrescenta Prado, “uma parte dos problemas é também solução” no caso brasileiro: “Nossas deficiências de infraestrutura, por exemplo, caso sejam enfrentadas, contribuirão para o aumento dos investimentos e para a retomada do crescimento econômico. É preciso enfrentar concretamente o problema das estradas e ferrovias, a construção de transporte público nas grades cidades e assim por diante”.

Fonte: Rede Brasil Atual

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