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abr/2012

Hora de o contribuinte ser o leão

Da porta de entrada, toma conta um leão com fama de cada vez mais faminto e selvagem. Na de saída, fazem festa os ratos. Essa é a imagem que milhões de brasileiros têm hoje do sistema tributário do país. Um vacilo banal na declaração — seja na transcrição de um CNPJ, seja na de um CPF — pode custar ao contribuinte comum o dissabor de ver seu nome na malha-fina. O medo é tanto, que muitos terceirizam a obrigação, contratando contadores para a função, ainda que o custo possa até superar o valor de eventual devolução e a alternativa não seja garantia de acerto. Afinal, todos sabem, o risco de erro existirá sempre e, mal os dados chegam ao fisco, começam a ser cruzados por computadores, numa eficiência que mesmo os isentos (aqueles com rendimentos tributáveis de até R$ 22.487,25 em 2011) gostariam de ver repetida na hora de o governo aplicar esses recursos em benefício da sociedade.

A lógica é perversa. Em vez da evolução dos sistemas públicos de saúde, educação, transporte, segurança e infraestrutura em geral, a sociedade assiste, perplexa, à repetição sem fim de escândalos e mais escândalos de corrupção. Ou seja, falta ao erário um leão que controle o fluxo do dinheiro em poder do Estado com o rigor que adota sobretudo com o assalariado. Houvesse igualdade de tratamento nos dois sentidos, o cidadão se sentiria compensado com serviços de excelência. Mas não. A contrapartida é franca e reconhecidamente injusta. Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), divulgado no ano passado, situou o país no último lugar em retorno de benefícios ao cidadão, apesar de ser o que mais havia arrecadado, entre 30 nações analisadas. Perdemos inclusive para o Uruguai. Não à toa, outro ranking internacional reservou vergonhoso 84º lugar para o Brasil, entre 187 países: o do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) calculado pelas Nações Unidas.

Nosso bem-estar certamente não estaria tão mal no panorama global se cada centavo abocanhado pelo Leão estivesse submetido a permanente malha-fina, do início ao fim da sua passagem pelos cofres públicos. Mais: não basta constatar a sonegação e a corrupção. É preciso, primeiro, evitá-las; segundo, reaver os recursos desviados. E esse é outro ponto fraco. Entre 2003 e 2010, a União recuperou na Justiça, em média, R$ 2,34 de cada R$ 100 roubados. Por sua vez, há R$ 2 trilhões em impostos e contribuições atrasados — incluindo os declarados e não pagos e os simplesmente sonegados. O montante equivale a 20 meses de arrecadação da Receita. E boa parte é irrecuperável, devido à demora dos processos administrativos e legais, durante os quais empresas vão à falência ou fecham as portas e desaparecem. Ou seja, a gestão do Estado falha do começo ao fim.

Apesar da cara feia do Leão para o trabalhador que não tem para onde correr, metade do Produto Interno Bruto (soma de todas as riquezas produzidas pelo país) termina por escapar das garras do ferino. Mais uma injustiça com o contribuinte, que sofre para pagar tanto imposto, se aflige na hora de prestar contas à Receita Federal e depois, sem trocadilho, vê os ricos tostões escorrerem cachoeira abaixo. Melhor seria se a tensão da temporada iniciada em 1º de março e encerrada hoje, período de acerto de contas com a União, fosse sucedida por uma inversão de papéis em que o cidadão passasse a ser ele o bicho vigilante, atento ao que fazem com o dinheiro que sua para entregar ao erário. Do contrário, será um eterno desafortunado.

Autor/Fonte: Correio Braziliense

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