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abr/2012

Novo presidente do Supremo sai em defesa do CNJ

Carlos Ayres Britto - Presidente do STF

Seis dias depois de assumir o comando do STF,  o ministro Carlos Ayres Britto diz, em entrevista ao Correio, que o  Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é a principal ferramenta de que  dispõe o Judiciário para se firmar como Poder da República. E defende o  papel do órgão de “defenestrar” magistrados que não merecem vestir a  toga

ENTREVISTA CARLOS AYRES BRITTO

Novo comandante do STF defende o papel vital do conselho e afirma que a Justiça deve estar à frente de seu próprio tempo

“Veja  o caso de Cachoeira ou de uma CPI que se abre aqui ou acolá, ou a  denúncia do Ministério Público contra um parlamentar. Tudo isso é a  democracia avançando”

“Todos sabemos que há risco de prescrição  (no mensalão). É um processo que demanda do Supremo uma formatação  diferenciada. São 38 réus, mais de 300 volumes, centenas de apensos. O  ministro Lewandowski sabe de tudo isso, tanto que ele já renunciou ao  seu mandato no TSE para se dedicar a esse processo”

“Rusgas entre  ministros devem ser encaradas não sob aplausos, pois rusga não é  desejável. Mas nenhuma é catastrófica. Nenhuma tende a influenciar  negativamente o funcionamento dessa instituição chamada Supremo Tribunal  Federal”

Ainda se acostumando ao amplo gabinete da Presidência do  Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Carlos Ayres Britto  aproveita a vista privilegiada para buscar no horizonte a inspiração  necessária ao exercício do mandato de sete meses no comando da mais alta  Corte do país e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele tomou posse  na última quinta-feira e, no dia seguinte, já se viu no papel de  conciliador de uma crise originada pela troca de acusações entre  colegas.  Em entrevista ao Correio, Britto afirmou que o CNJ é a  principal ferramenta do Judiciário para se firmar como Poder da  República. Ele defendeu o papel disciplinar do órgão de “defenestrar”  magistrados que “não merecem pertencer ao Poder”.  Ayres Britto diz não  se incomodar com o fato de seu mandato ser curto, já que completará 70  anos em novembro e se aposentará compulsoriamente. Como potencial  beneficiário da aprovação da PEC que aumenta para 75 anos a idade para a  aposentadoria, ele prefere não falar sobre a proposta. Poeta nas horas  vagas, o sergipano escolheu Brasília como cidade e viverá aqui após  deixar a toga para se dedicar à literatura e às palestras.

Sete meses na Presidência do Supremo é pouco tempo?
Nem  penso se esse tempo é curto, se é suficiente, se é comprido. Não penso  em frustração. Não é um estorvo, uma pedra no meio do caminho dos meus  planos. Vou viver cada um dos dias com intensidade e aproveitando as  oportunidades de afirmar o Poder Judiciário, de remover obstáculos,  facilitar o acontecer das boas práticas. Isso é desafiador.

Quais são os obstáculos, hoje, no Supremo?
Não  penso em obstáculos. O CNJ, por exemplo, não é problema, nunca foi e  nunca será. O CNJ é uma ferramenta de que dispomos para o Judiciário se  afirmar como Poder da República. Para mim, o Judiciário deve estar à  frente até do seu tempo, e não na retaguarda, corporativisticamente.

O problema é que há vozes contrárias…
A  sociedade é plural e há quem pense num Judiciário mais contido, mais  próximo da segurança jurídica do que da Justiça material. Acho que uma  coisa não sacrifica a outra.

O senhor será um aliado da ministra Eliana Calmon no combate ao que ela classifica de “bandidos de toga”?
O  Judiciário é, tecnicamente, o mais qualificado dos poderes, e não pode  deixar de ser, porque é o único profissionalizado. Todos os membros do  Judiciário são profissionais. Nos outros poderes não, porque cargo  eletivo não é profissão. É o poder de quem a sociedade mais exige e de  quem ela menos perdoa, e não pode deixar de ser. Os juízes internalizam  isso. Quando surge uma suspeita de corrupção no âmbito do Judiciário,  isso também tem que ser apurado imediatamente e com rigor. Quanto mais  rápido expelir do Judiciário esse corpo enfermo, melhor. O CNJ nos ajuda  na identificação e no processamento dessas acusações e, quando o caso é  de comprovação, na defenestração desse membro que não merece pertencer  ao Judiciário.

Mas não há pena de demissão…
A sociedade  estranha que quando se abre um processo disciplinar contra um membro do  Judiciário isso varie de advertência para aposentadoria compulsória. Mas  isso é porque o processo é administrativo. Se o MP entra com o processo  penal contra o membro do Judiciário já aposentado compulsoriamente e a  ação penal é julgada procedente, o juiz decai de sua aposentadoria e  perde os proventos.

Existem casos?
Poucos. O Nicolau (dos  Santos Neto) é um caso. Pensa-se que, punido disciplinarmente o membro  do Judiciário, a sociedade já está satisfeita, mas não. A cereja do bolo  é recuperar, porque senão, compensa ser desonesto. Quem avança no  dinheiro alheio é uma pessoa que ama, acima de Deus, o dinheiro. O que  falta é uma virada cultural de mentalidade. Toda essa efervescência que  estamos passando tem nome: avanço democrático. Veja o caso de Cachoeira  ou de uma CPI que se abre aqui ou acolá, ou a denúncia do Ministério  Público contra um parlamentar. Tudo isso é a democracia avançando.

O senhor disse que se reuniria com os colegas para tratar do mensalão. Já houve essa reunião?
Temos  uma condição sine qua non que é a entrega do processo para julgamento.  Quem disponibiliza é o revisor. O ministro Ricardo Lewandowski é  experiente e consciente de suas responsabilidades. O processo vai  tramitar paralelamente às eleições. Todos sabemos que há risco de  prescrição. É um processo que demanda do Supremo uma formatação  diferenciada de julgamento, porque será demorado. São 38 réus, mais de  300 volumes, centenas de apensos. O ministro Lewandowski sabe de tudo  isso, tanto que ele já renunciou ao seu mandato no TSE para se dedicar  ao processo do dito mensalão.

Como o senhor avalia o bate-boca entre Joaquim Barbosa e Cezar Peluso?
Rusgas  entre ministros devem ser encaradas não sob aplausos, pois rusga não é  desejável. Mas nenhuma é catastrófica. Nenhuma tende a influenciar  negativamente o funcionamento dessa instituição chamada Supremo Tribunal  Federal. Nos tribunais, há uma lógica interna que minimiza as sequelas  desses desentendimentos pessoais, porque você entra na sessão e começa a  debater um processo citando todos os ministros pelo nome. Isso esmaece o  teor de eventual ressentimento. Todos nós, por mérito dessa lógica  interna, temos o baú de guardar mágoas com o fundo aberto.

Foi difícil chegar à Presidência do STF em meio a essa crise?
Não  considero nem crise, porque os ressentimentos não resistem a duas,  três, quatro ou cinco sessões. Mas se um desentendimento levar de roldão  a credibilidade da instituição, aí sim é motivo para preocupação maior,  mas não é o caso. O Supremo tem decidido magnificamente bem esses anos  todos. É só fazermos um retrospecto: marcha da maconha, células-tronco  embrionárias, homoafetividade, liberdade de imprensa, nepotismo. São  decisões maravilhosas tomadas aqui. Então, em que eventuais rusgas têm  empanado esse brilho das decisões do Supremo na direção de uma sociedade  mais justa, mais igualitária, menos preconceituosa? Isso é otimismo de  minha parte? Não. É realismo.

Fonte: Correio Braziliense

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