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jul/2012

Os direitos do trabalhador e a crise europeia

A Corte Europeia de Justiça, a mais alta corte da Comunidade Europeia, decidiu que o empregado que cair doente durante as férias tem direito a outras pagas pela empresa ou pelo governo, conforme o caso. Justifica. O empregado que cai doente durante o trabalho tem direito a não trabalhar. Se cair doente nas férias, o resultado prático é que não terá gozado de seu direito de férias, período que, segundo a Corte, deve ser de descanso, relaxamento e lazer.

O direito a não trabalhar nas férias é diferente do direito de não trabalhar por doença. Um não se confunde com o outro. A corte já havia decidido que o empregado que ficasse doente antes das férias poderia remarcá-las. Agora estendeu o direito a quem já estava de férias no momento da doença. Quem demandou foi uma associação da Espanha, inconformada com uma decisão espanhola no mesmo sentido. Mas a decisão agora, em princípio, valeria para a Europa toda. Se o raciocínio jurídico da corte é límpido, o raciocínio econômico da Europa é no mínimo turvo. Será difícil aplicá-lo em todos os países. Sobretudo nestes tempos em que as políticas recessivas exigem mudança nos direitos dos trabalhadores conquistados nos anos de bonança, com governos lutando para reduzir deficits de orçamento e combater o desemprego.

Em Portugal, o governo cortou feriados católicos para o empregado trabalhar mais alguns dias por ano. Importantes juristas, porém, acreditam que essa decisão fere a liberdade de religião. Na Holanda, ainda é possível aposentar-se com 58 anos. A crise do euro está levantando todos esses problemas. Com os quais a própria Europa ainda não sabe, ou não tem consenso, sobre como lidar. Não se deve minimizar a crescente insatisfação popular com desencontro das lideranças políticas. Na verdade, parece haver dois problemas que estão se confundindo. O que dificulta a solução.

Um diz respeito à responsabilidade dos bancos que emprestaram para maus governos. O devedor gastou mais do que podia. As políticas recessivas tentam corrigir, para o futuro, esse erro, em nome da saúde dos bancos e da credibilidade do euro. E o que fazer com a responsabilidade do credor quanto ao passado? Esse é o outro problema.

Quem empresta mal, que corra o seu risco. Isso não é uma acusação. É a primeira lei do mercado financeiro. Moralmente, o lucro do banco se justifica pelo risco que assume. Os bancos europeus, alemães principalmente, emprestaram mal. Um crescente número de líderes europeus, e da população também, hesita em debitar a crise apenas à irresponsabilidade dos governos devedores e aos excessos de direito dos trabalhadores e ineficiência burocrática que permitiram.

Emprestar não é ato unilateral. É bilateral, exige dois agentes. É uma relação entre credor e devedor. Quando dá errado, como agora, há que se apurar a responsabilidade de ambos. Esse é o problema principal. Pouco adianta punir o país devedor, se o banco credor sair ileso ou apenas com um torcicolo. Por três motivos. Primeiro, porque se estimulam novos maus empréstimos. Faz-se da patologia financeira, um hábito impune. Segundo, porque se desestimula o cuidado que os outros bancos, seus competidores, tiveram em suas operações. Provavelmente lucraram menos mas foram mais prudentes. A prudência é a primeira virtude do risco. Terceiro, porque se destrói a crença ainda fundamental de que o mercado sabe alocar recursos, mais do que ninguém, com eficiência e sem ajuda dos governos.

A crise da Europa, no fundo, é sobre a responsabilidade moral de governos e bancos. Não há que se pedir coerência jurídica, a posteriori, para com a imprudência financeira anterior.

Fonte: Correio Braziliense

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