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set/2014

Perspectivas sobre Segurança Pública: A ação, a técnica e o senso comum no caso do disparo do policial militar no ambulante

Por: *Filipe Bezerra

Há poucos dias um vídeo correu as redes sociais. Nele um policial militar disparava sua pistola, à queima roupa, em um indivíduo desarmado. Imediatamente muitos gritaram os chavões da moda como “fim da PM”, “desmilitarização já”, “bandidos fardados” e por aí vai…

Historicamente o debate segurança pública é “futebolizado” pelos brasileiros: todos acham que podem opinar abalizadamente sobre o tema mesmo sem conhecer absolutamente nada na prática. Mas existem alguns temas que não podem ser completamente compreendidos sem o conhecimento prático. A falta desta perspectiva vicia profundamente qualquer juízo de valor. Joguem um grande estudioso teórico sobre natação que nunca entrou na água a 500 metros da praia e ele morrerá afogado. Coloquem um grande jogador de simuladores de aviação para pilotar um avião de verdade e provavelmente ele se espatifará no chão. Faria algum sentido, por exemplo, existir um professor virgem de teoria geral do sexo? Não! Definitivamente, determinados assuntos necessitam indispensavelmente da perspectiva prática para serem compreendidos em toda sua complexidade.

Mas isso não é o que observamos no Brasil. A esmagadora maioria dos chamados “especialistas em segurança pública” só conhece a criminalidade pelos livros e pela TV. Nunca participaram diretamente de uma abordagem policial e por isso não podem conceber realmente o perigo da atividade. Nunca tiveram que algemar ninguém e tampouco sabem quão complexo e visceral pode ser, por exemplo, uma troca de tiros ou uma multidão fora de controle. No alto de seus gabinetes refrigerados, longe de qualquer risco, emitem suas “súmulas papais” onde se apressam em condenar ações que não compreendem e fomentam, perante a população ignorante e desavisada, o ódio e o descrédito às forças de segurança pública, que são essenciais para qualquer democracia.

No presente caso o discurso da imprensa congelou o frame do tiro e em seguida mostrou o indivíduo morto no chão. Nenhuma análise da grande mídia discutiu o caminho até se onde chegou a esse resultado, nem tampouco os recursos disponíveis pelos PMs naquele momento.

A cena completa mostra três policiais tentando algemar um indivíduo. Este resiste à prisão (e esta para ser legal, deve ter sua motivação sob pena de se converter em abuso de autoridade). O que se segue é que imediatamente esses três policiais são cercados por uma multidão hostil que provoca e tenta desestabilizar a guarnição (no final do vídeo é possível ver a grande quantidade de pessoas). É possível identificar pelo menos 6 homens se aproximando para tentar “resgatar” o indivíduo que já estava sob custodia do Estado (é possível ouvir eles provocando: “vamos tirar ele daí”, “atirem!”). É possível também observar que enquanto dois PMs tentavam imobilizar o indivíduo no chão, um terceiro, em pé, se ocupa em manter o perímetro em segurança e preservar a integridade física de seus parceiros que, naquele momento, não estavam em condições de se defender de agressões de terceiros. Ele, seguindo a técnica do uso progressivo da força, utiliza voz de comando ordenando que as pessoas se afastem do local. Isso não acontece. Em seguida ele faz uso do armamento não letal disponível (spray de pimenta) para afastar a turba o que também não ocorre. Então ele saca a pistola e passa a utilizá-la como meio de intimidação para evitar a aproximação. É importante ressaltar que eles aparentemente não dispunham do TASER nem de armamento com munição menos que letal. Cercados, em ampla desvantagem numérica e sem condições sequer de pedir reforços, a situação vai ficando cada vez mais agravada e os indivíduos mais exaltados começam a se aproximar perigosamente da guarnição.

Esse é o  ponto crucial da ocorrência, de onde saiu o resultado final, e que fiz questão de capturar o print para este post: um dos seis indivíduos hostis avança sobre o policial que estava com a pistola na mão fazendo a segurança dos outros dois que estavam imobilizados no chão. E aí ele, em milésimos de segundo teve que decidir: ou repelia a agressão com o único recurso disponível e tentava preservar a integridade física da guarnição ou deixava a turba entrar em luta corporal contra os três, tomar as armas e isso gerar um cenário imprevisível.

O senso comum mostra policiais como seres robotizados, sem coração, sem vida e sem família. Corpos descartáveis que são pouco ou nada lamentados quando morrem no ofício de defender a sociedade de indivíduos antissociais. No caso em tela, é possível perceber que não havia margem de ação que não fosse a do sentido de autopreservação e qualquer polícia do mundo, em situações extremas de perigo real ou presumido, agiria neste sentido:

Mulher é morta polícia ao atropelar policial e invadir espaço da casa branca:

Brasileiro é morto pela polícia britânica ao ser confundido com terrorista.

Vale lembrar que multidões hostis não respeitam inferioridade numérica e podem agir de forma covarde, e até letal,  se não forem contidas:

Indivíduos agridem policiais em UPP:

Coronel espancado é resgatado por colegas:

Policiais são agredidos por multidão:

O camelô não foi assassinado pelo PM. Ele pediu pra ser suicidado. Em qualquer país do mundo aquele que, mesmo após várias advertências, avança de forma hostil pra cima de um policial com pistola na mão pede pra levar um tiro (e geralmente consegue). Ao agir desta forma a guarnição optou por seguir o mandamento número um da atividade policial: é melhor ser julgado por sete do que carregado por seis! Agiram corretamente pois aqueles que hesitam em situações de perigo infelizmente não costumam ficar vivos para contar a história:

Policial é morto ao tentar dar voz de prisão a assaltante:

Dois policiais são executados em abordagem:

Policiais são mortos por marginal com faca:

*Filipe Bezerra é policial rodoviário federal, bacharel em Direito pela UFRN, pós-graduado em Ciências Penais pela UNIDERP e bacharelando em Administração Pública pela UFRN.

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