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set/2012

Pesquisadora brasileira vê abismo entre tecnologia e mulheres

Levar mais mulheres brasileiras para o campo científico-tecnológico. Com esse objetivo e a experiência como embaixadora no Instituto Anita Borg por mulheres e tecnologia é que a estudante de doutorado Larissa Romualdo Suzuki, atualmente na Inglaterra, pretende voltar para o Brasil.

Larissa Romualdo Suzuki

A hoje pesquisadora da University College London recebeu o aceite de 12 instituições de ensino superior nacionais e internacionais para seu projeto de doutorado, além de sete bolsas de estudo, incluindo uma do Google, empresa que também a convidou para um estágio científico.

Suzuki conta ter sofrido discriminação na USP. “Algumas pessoas te tratam como se você fosse um lixo, uma demente por você ter vindo de uma faculdade particular.”

Leia abaixo seu relato:

“Não sou de família rica. Nasci em Ribeirão Preto, onde estudei nos colégios Orlando Jurca, Santos Dumont e Otoniel Mota –todos públicos. Meus irmãos estudavam computação. Foi isso que despertou em mim o interesse por tecnologia.

Terminando o Ensino Médio, entrei no Centro Universitário Barão de Mauá para estudar ciências da computação. Já trabalhava, mas tive que financiar meu curso por meio do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil, do Ministério da Educação).

Em outras palavras, fui eu quem pagou minha faculdade. Na verdade, quem paga –porque até hoje as parcelas não terminaram (risos).

Uma vez dentro da Mauá, fiz uma prova para iniciação científica e passei. A “bolsa” era uma dedução de 20% na minha mensalidade.

Formei-me em uma turma de mais de 30 pessoas, entre as quais eu era a única mulher, e decidi seguir na pesquisa. Fiz alguns processos seletivos e consegui entrar em um mestrado em engenharia elétrica pela USP, no campus de São Carlos.

No mestrado, tinha bolsa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, também do governo federal) e fazia estágio, trabalhando como professora assistente.

Sofri discriminação na USP por ser uma forasteira. Eu era tratada como um lixo, como uma demente só por ter vindo de faculdade particular.

Muita gente me desestimulava, mas esses eram insignificantes para a ciência. Os que me incentivavam, por outro lado, eram pessoas extraordinárias dentro da academia.

Terminei o meu mestrado, que era sobre diagnóstico médico por imagem, e dei início a um doutorado com linha de pesquisa semelhante na FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP).

Sou apaixonada por computação. É maravilhoso saber que podemos usá-la para o bem da humanidade, como para diagnosticar câncer.

Virada

Eu tinha começado meu doutorado na faculdade de medicina havia três meses quando recebi o “sim” da universidade em que estudo atualmente, a University College London, e de outras 11 instituições britânicas para fazer doutorado.

Também fui selecionada nos processos de seis bolsas de estudo. Tive de recusar todas elas, menos a que usufruo atualmente, concedida pelo EPSRC (Conselho de Pesquisa em Engenharia e Ciências Físicas, na sigla em inglês).

Meu doutorado, sobre integração de sistemas de cidades, é feito em conjunto com a Imperial College London. Ambas as instituições são universidades públicas de pesquisa.

Recebo 16 mil libras esterlinas por ano (cerca de R$ 4.300 por mês) mais um adicional por dar aulas.

Neste ano, fiz um curso de docência pela Academia Britânica de Educação Superior. Sempre tive facilidade em ensinar. Comecei a lecionar aos 16 anos, dando aulas de música. O meu sonho é ser professora de uma universidade federal brasileira.

Meninas e ciência

Meu objetivo é também levar ao Brasil os projetos que existem aqui (Reino Unido) e nos EUA para atrair mulheres para a tecnologia.

Sou embaixadora do Instituto Anita Borg por mulheres e tecnologia, para o qual trabalho ajudando a promover eventos e difundir suas ideias.

Nos eventos, que juntam milhares de pessoas, muitas mulheres apresentam seu trabalho. A ideia é mostrar para quem está começando que qualquer uma pode ter uma carreira brilhante na área.

As meninas olham uma mulher com dois filhos e que é do alto escalão de uma empresa como a Cisco, por exemplo, e pensam “nossa, é mesmo possível”.

Trabalhar com computação, encarando durante o dia inteiro uma tela, é pesado. Mas não acho que seja por isso que haja tão poucas mulheres na área de tecnologia. As meninas crescem acreditando que videogames, computadores não são para elas. Isso precisa mudar.

Ajudei a fundar uma associação por mulheres e tecnologia dentro da minha faculdade, com a ajuda de uma supervisora administrativa. Qualquer instituição ou projeto que tenha objetivo semelhante pode contar com o meu apoio.

Está na hora de o Brasil ter algo nesse sentido: levar meninas, crianças mesmo, à computação, para que mais tarde elas se tornem parte do progresso científico-tecnológico do país.

Google

Já depois de um tempo dentro do Anita Borg, recebi uma bolsa do Google para apoiar meu trabalho como promotora do Instituto.

Fui uma das dez estudantes de mestrado que ganharam essa bolsa. A empresa deixou claro que eles dão oportunidade para pesquisadores que se dispuserem a estudar o Google e seus serviços para um eventual trabalho aprofundado.

Estou estudando um pouco do que faz o Google. Eles me ofereceram outra bolsa, dessa vez de estágio como pesquisador, para o ano que vem. Acho que vou aceitar.

Mas ainda estou lutando para terminar meu doutorado, que é difícil.

Fonte: Folha de S.Paulo

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