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maio/2012

R$ 8 bilhões: O preço do medo

O Distrito Federal gasta 5% do PIB com  polícias, seguros, câmeras, vigilantes, cercas elétricas, blindagem de  carros… Países como Japão e Canadá usam apenas 1% para manter essa  estrutura. Técnicos do Ipea consideram esse tipo de despesa um  desperdício: parte do dinheiro deveria ser aplicado para aumentar o  bem-estar social, por exemplo.

Insegurança  consome por ano 5% do PIB do Distrito Federal. Percentual é 2,5 vezes  maior do que nos EUA, por exemplo. Aqui, a cada minuto, são gastos R$  15,3 mil em forças policiais, seguros privados, equipamentos de  vigilância e socorro a feridos

A violência avança,  amedronta e custa caro ao Distrito Federal. Por ano, as despesas  relacionadas à criminalidade, arcadas pelo Estado, pelo setor privado e  pelos cidadãos, somam impressionantes

R$ 8,05 bilhões. É como se a  cada minuto o DF consumisse R$ 15,3 mil por conta dos assaltos, roubos,  sequestros e assassinatos. Além de interferir nos orçamentos público e  das famílias brasilienses, a insegurança também inibe investimentos  privados e desaquece o turismo.

Os cálculos se baseiam em estudo  do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que quantifica o  impacto econômico da insegurança. De acordo com a metodologia usada pelo  órgão federal, o custo da violência representa 5% do Produto Interno  Bruto (PIB) do país ou de uma unidade da Federação. Os cálculos feitos  por pesquisadores do Grupo de Estudos de Violências contemplam 25 pontos  (veja infográfico na página 26). Em países desenvolvidos, como Canadá,  Japão e Austrália, por exemplo, a violência consome apenas 1% do PIB.  Nos Estados Unidos, chega a 2% — segundo estudos do Banco Interamericano  de Desenvolvimento (BID).

As despesas bilionárias associadas à  insegurança são consideradas desperdício pelo economista Daniel  Cerqueira, técnico do Ipea e um dos coordenadores da pesquisa. “Em uma  situação ideal, sem violência, esse dinheiro poderia estar sendo  destinado para aumentar o bem-estar social”, pondera. A explosão da  criminalidade, completa o especialista, revela a ineficiência do sistema  público de segurança, o que força gastos individuais em busca de  proteção.

Responsável pela estimativa do PIB do Distrito Federal  no ano passado (R$ 161 bilhões), o economista Júlio Miragaya diz que o  custo da violência tem uma lógica perversa. “Como Brasília é uma cidade  muito desigual, a criminalidade tende a aumentar e, junto com ela, os  gastos com segurança, o que curiosamente faz a economia crescer”, diz  Miragaya, que também integra o Conselho Federal de Economia (Cofecon). A  dialética na capital federal, dona da maior renda per capita do país,  parece ser ainda mais latente.

Item do orçamento
Com o sossego  ameaçado, os brasilienses passaram a inserir itens de segurança nos  gastos das famílias, turbinando o custo de vida, já considerado um dos  mais altos entre os grandes centros urbanos do país. Acostumados a  reservar boa parte do orçamento mensal para alimentação e moradia, por  exemplo, o morador do DF se vê obrigado a dedicar cada vez mais recursos  para tentar garantir a própria tranquilidade. Quanto maior a renda e o  patrimônio, maior a propensão a esse conjunto de despesas.

O DF já  ostenta a assustadora conta de uma câmera de vigilância para cada cinco  habitantes. A quantidade de residências e lojas com sistema de alarme  monitorado ultrapassa 16,6 mil. No ano passado, o faturamento das 49  empresas do ramo cadastradas na Secretaria de Segurança Pública cresceu  7% — os empresários não revelam os valores absolutos. A demanda por  equipamentos eletrônicos cresceu tanto que os clientes podem esperar  quase um mês para terem os itens instalados em suas residências.

Moradores  de condomínios fechados — com guarita — e mesmo de apartamentos das  asas Sul e Norte chegam a pagar até R$ 9 mil em tecnologia para terem  sensores de infravermelho espalhados pelo imóvel. A mensalidade do  serviço varia entre R$ 150 e R$ 400. “O mercado residencial já cresce em  velocidade maior do que o comercial”, conta Augustus von Sperling,  presidente do Sindicato das Empresas de Sistemas Eletrônicos de  Segurança (Siese-DF).

Bunkers
No Lago Sul, área mais nobre do  DF, além de cercas elétricas e câmeras, se espalha a cultura da  vigilância privada, apesar da polêmica em restringir o acesso a áreas  públicas. A artista plástica Nancy Pappas, 66 anos, mora em um conjunto  onde cada morador desembolsa cerca de R$ 500 por mês para ter um  porteiro de olho em quem entra e sai da rua. “A gente paga caro por algo  que não era obrigação. O Estado é quem deveria prover nossa segurança”,  avalia.

Uma vizinha de Nancy, que pediu para não ser  identificada, está de mudança para o Canadá com os dois filhos pequenos.  Ela gasta algo em torno de R$ 5 mil por mês com seguro de carros,  sistema de alarme de última geração e dois cães de guarda. Ainda assim,  não se sente protegida. “É muito gasto desnecessário, e a gente não  consegue enxergar sinais de que as coisas vão melhorar. Brasília não é  mais a mesma”, diz a administradora de empresas, de 38 anos.

“Em uma situação ideal, sem violência, esse dinheiro poderia estar sendo destinado para aumentar o bem-estar social”
Daniel Cerqueira, técnico do Ipea

Personagem da notícia

Após assalto, casa virou fortaleza
Há  cinco anos, quando o servidor público Ricardo Innecco voltou  para casa, em um sábado à noite, o imóvel no Lago Sul estava revirado e  todas as joias da mulher tinham sido levadas. O prejuízo de pelo menos   R$ 50 mil e, mais do que isso, o medo de os criminosos voltarem a  invadir a residência mudaram para sempre a vida e o planejamento  financeiro de Inecco. Gastos com itens de segurança viraram prioridade.

O  terreno, dividido em seis áreas estratégicas, hoje é todo monitorado  por sensores conectados a uma central de segurança. O espaço também é  protegido por uma cerca elétrica com 8 mil volts de tensão. Duas câmeras  de vigilância foram colocadas na entrada do condomínio com três  imóveis, e outras deverão ser instaladas em breve. O investimento  inicial chegou a R$ 4 mil, além da mensalidade de R$ 280 referente ao  sistema de alarme.

Os quatro carros da família são segurados e  rastreados: mais R$ 8 mil por ano na “cesta de segurança”. Somam-se  ainda os R$ 800 mensais de seguros de vida. “Pago meus impostos, o  Estado deveria me dar segurança. Não é confortável ter de gastar tanto  dinheiro para proteger minha família”, protesta o carioca que chegou a  Brasília em 1968. “O problema é que a violência cresce e assusta. Agora é  cada um por si.”

Fonte: Correio Braziliense

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