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mar/2012

Segurança pública e justiça, ainda um sonho

O Ministro da Defesa e o governador do Rio de Janeiro celebraram um pacto na tentativa de empreender políticas hábeis a tornar viável o plano que tenta levar o Estado de volta às favelas abandonadas há anos e inteiramente entregues aos fluxos e anti-fluxos do tráfico de drogas.

A medida que, em princípio, atende aos anseios populares – o povo quer ver homens de uniforme de combate, armados e com autoridade no árduo trabalho de manter a segurança pública – se aparta inteiramente da ordem jurídica estabelecida, desconhecendo, em primeiro lugar, o disposto na Constituição quando ali se impõe limites à competência de atuação das Forças Armadas (artigo 142), e, num plano menor, às disposições de leis ordinárias promulgadas no governo Lula, quando, ignorando o que seja poder de polícia, inerente a todo cidadão, destinou-o ao Exército, Marinha e Aeronáutica, exclusivamente, na linha das fronteiras com os países da América do Sul, no objetivo de tornar mais eficiente o combate ao tráfico.

Discutível, desse ponto de vista, foi além, num discricionarismo fascista, ao entregar aos juizes militares os crimes por estes praticados no exercício da “nova” missão, ainda quando se trate de delitos contra civis.

Pois bem, desde quando as favelas do Rio ou de outras regiões podem ser considerados territórios limítrofes com os países em questão ?

Na verdade, o Estado brasileiro ao invés de promover uma profunda reforma no seu sistema de segurança, que não é só da Polícia, mas que envolve o Poder Judiciário, o Ministério e a Defensoria públicos, bem como advogados em geral, parte para a improvisação, ainda que ilegal, mas aplaudida por um povo cansado de ser objeto do crime organizado.

O prazo para a permanência das Forças Armadas no Complexo do Alemão e em Santa Tereza, está sendo estimado em sete meses, o que demonstra por si só a consciência de se estar pisando em terreno proibido. Como, entretanto, no Brasil dos últimos anos, a lei só vale quando interessa àqueles que a devem executar, diante da inação dos órgãos da sociedade civil que, como a OAB, vão na onda dos aplausos populares, quando é cometida tamanha ilegalidade, afrontando a Constituição e o conjunto das leis ordinárias editadas sobre a matéria.

Seria, contudo, interessante que os defensores das violações enunciadas completassem o quadro convocando o Judiciário, o Ministério e a Defensoria públicos, para atendimento das infrações cometidas durante a “ocupação” e, bem assim, das necessidades jurídicas dos moradores da área.

É certo, porém, que os representantes das Forças Armadas irão alegar que as omissões indicadas já estão contempladas pela chamada justiça militar…

E, assim, de violação em violação, não se sabe bem em que iremos parar. É evidente que violar e estender o efeito de normas inconstitucionais é gesto tipicamente brasileiro, pois ninguém se mete a contrariar o Poder para atender às necessidades que hoje estão nas manchetes, mas que daqui a sete meses já estarão esquecidas.

O caso do banditismo no País, que já alcançou as ruas e avenidas de Brasília, e é lugar comum no Planalto e no Congresso, não pode ser resolvido com medidas emergenciais, ainda mais quando ilegais. Deveria ser objeto de uma séria investigação promovida pelo Ministério Público Federal e Estadual, cujos poderes a Constituição conferiu em seu artigo 127, ao afirmar que a ele incumbe “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Nada, pois, de braços cruzados que soem incrementar a ilegalidade.

Sem estrita obediência à lei, as construções salvadoras se abatem em pouco tempo, com claro retrocesso de medidas que vêm sendo aconselhadas e ao mesmo tempo desprezadas, como a unificação das polícias, com a instituição de uma carreira única, treinamento adequado a tornar científica a investigação criminal e o policiamento ostensivo, bem como a descentralização do Judiciário, criando na quantidade necessária os distritos judiciários com competência plena, para que o acesso à Justiça não seja privilégio de alguns, mas seja estendido a todos que necessitam dos seus serviços.

Não é pelo menos aconselhável que se atribua apenas às favelas uma incipiente descentralização judiciária. Executivo e Judiciário deveriam juntar-se para apresentar um plano para as grandes cidades do País, de descentralização real, criando distritos judiciários com ampla competência. Se em São Paulo caberiam quinhentos desses distritos, nos grandes aglomerados urbanos, os números devem ser o de um juiz para vinte e, no máximo, trinta mil pessoas. Mas isso fica muito caro, pois os distritos devem abrigar juiz, promotor, defensor, e toda infra estrutura própria para o seu bom funcionamento. Muitos vão dizer, esquecidos das vantagens no “custo benefício”, que será muito mais atingível na reforma proposta, do que, por exemplo,na construção de uma Belo-Monte.

Em remate, com desobediência aos ditames legais, improvisando sempre, ainda que a custo de violações legais, vamos continuar numa luta sem fim.

 

Autor: Hélio Bicudo. Ele é Jurista, político e ativista dos Direitos Humanos. Foi deputado federal e vice-prefeito de São Paulo. Desde 2.003, é presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH).

Fonte: Direitos Humanos

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