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jul/2012

Terceirização no serviço público

A Constituição Federal de 1988, com o intuito de evitar práticas nocivas à moralidade e à impessoalidade, exigiu o concurso para o provimento de cargos e empregos públicos.

Não é apenas no abuso dos cargos comissionados que a correta seleção para a investidura em funções públicas é quebrada. A terceirização ameaça invadir lugares que não a comportam.

A terceirização também é conhecida como execução indireta de serviços públicos, mediada por contratos submetidos a licitações supostamente isentas, do que deriva o ingresso de trabalhadores sub-remunerados em atribuições públicas sem o devido concurso.

Em alguns casos, movidos pela inocência útil que acredita na suposta eficiência da medida, muitos administradores adotaram a terceirização como instrumento de desempenho de atividades da carreira dos servidores efetivos.

A abertura da terceirização forçou o Tribunal de Contas da União a editar a sua Súmula nº 97 que, reproduzindo vedação contida no Decreto nº 2.271, de 1997, não permite a execução indireta das funções públicas quando estejam cometidas a uma categoria funcional da carreira do órgão analisado.

Infelizmente, esse obstáculo não foi respeitado. Há terceirizados nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em tarefas previstas para servidores de carreira, nas áreas fim e meio. Há candidatos aprovados em vários certames que não são nomeados, preteridos pela manutenção de pessoas que não participaram do devido processo seletivo.

Recentes decisões judiciais têm determinado a substituição de terceirizados por candidatos aprovados, que aguardam o iminente esgotamento do prazo de validade do certame realizado.

A terceirização foi adotada como instrumento de desempenho

Em paralelo, ministérios contratam empresas para oferecer mão de obra sem concurso para seus cargos estratégicos, desrespeitando determinações específicas da Corte de Contas, enquanto os setores de comunicação e segurança do Legislativo e do Judiciário são desempenhados – quase exclusivamente – por funcionários de empresas privadas.

A privatização dessas funções não representa eficiência, porque remunera mal e induz à conclusão de que também o Estado viola as garantias trabalhistas que defende na esfera privada.

É ilógico imaginar que a dispensa da verificação das qualidades individuais – daquele que se submete a um processo seletivo rigoroso de provas ou de provas e títulos – resulta em maior eficiência, diante da contratação de empresas que definem quem trabalhará nos contratos.

A execução indireta e privada de atribuições das categorias funcionais dos órgãos públicos afronta a moralidade administrativa, estimula a corrupção em contratos mensais milionários e, ainda mais grave, viola o direito destinado a todo cidadão de obter uma vaga no serviço público.

O procedimento relembra o modelo clientelista formado em torno de feudos de influência e apadrinhamento, que com muito esforço do Poder Constituinte Originário é combatido por regras rígidas de acesso aos cargos e empregos públicos.

Há pouco tempo, a pequena ressalva para cargos comissionados feita pela parte final do artigo 37, II, da Constituição, obrigou o Supremo Tribunal Federal (STF) a editar a Súmula Vinculante nº 13, em razão do nepotismo que multiplicava parentes nos três poderes.

Não é nova a tendência de serem beneficiados familiares e amigos, em detrimento da objetividade da conquista profissional por merecimento. Até as empresas privadas sofrem com isso. Também é inevitável o crescimento de fraudes com os altos valores investidos na terceirização, em prejuízo de uma sociedade civil que deseja crescer em confiança nos atos da administração pública.

Somente o concurso exigido pela Constituição pode ser admitido como via de provimento legítimo em cargos efetivos e empregos públicos.

Aqueles que ainda entendem o avanço da terceirização como acréscimo de eficiência e desburocratização devem rever seu posicionamento para adequar o Brasil a um futuro limpo e transparente. Do contrário, não poderão lamentar a imoralidade que apoiaram, pois em nada adianta criticar a corrupção, mantendo-lhe as fontes e os vícios.

Rudi Cassel é advogado, sócio do escritório Cassel & Ruzzarin Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Rudi Cassel – Valor Econômico

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