08

set/2014

Vamos virar máquinas? Máquinas velhas não têm valor. Policial antigo também não?

Por: Marcus Vinícius Barbosa

Marcus Vinícius Barbosa

Tenho observado a proliferação de normas e critérios que visam avaliar os policiais, sempre fui um defensor de existirem métodos objetivos para ajudar a balizar uma avaliação dos profissionais de segurança pública. Porém fico preocupado e apreensivo quando se começa a usar números frios como critério único para valorar o trabalho policial e o policial, o homem, o cidadão, o ser humano.

O policial precisa atender e atuar em uma diversidade de situações com dimensões e complexidades que requerem conhecimento empírico, jurídico, percepção do contexto e sensibilidade social apurada. A participação no teatro de operações onde somos demandados, deve ser efetiva, eficaz e eficiente, pois a boa atuação desses profissionais pode salvar vidas, influenciar condutas, evitar violências e elevar a imagem das instituições policiais. Muitas destas ações são invisíveis aos relatórios e planilhas de avaliação, impossíveis de quantificar em números e gráficos. Mas esta interveniência é de abissal relevância para a sociedade, para as pessoas e famílias envolvidas e possíveis de qualificação e multiplicação se valorizadas e incentivadas.

É temerário o incentivo a uma competição nociva, desagregadora e baseada em uma suposta e pouco plausível produção pontuada, onde um acidente com mortos vale muitos pontos e o bom atendimento não pontue. Na prática se impõe metas estatísticas, se ameaça com sansões ou se premia com pequenos privilégios administrativos. Desta forma o norte que se vislumbra é o de retirar a motivação maior de quem trabalha, escolheu e tem vocação para a profissão policial.

O bom atendimento de uma ocorrência seja criminal, de trânsito ou um incidente familiar; pode ser registrado apenas como mais uma ocorrência, mas ter contornos extremamente depreciativos para a corporação ou ao contrário, elevar e muito o conceito da instituição para aquele núcleo social, que certamente irá multiplicar essa informação.

Poderemos caminhar ao encontro da mediocridade, quando deixamos de considerar o conhecimento empírico, a experiência que somada ao imprescindível saber acadêmico, atinge a maturidade e a sabedoria necessária para lidar com imensa gama de conflitos e demandas sociais a que somos convocados a participar, intervir, interagir e ajudar. Com a responsabilidade de atender a expectativa do cidadão de que vamos resolver ou pelo menos encaminhar a contento solução da demanda apresentada.

Não se aprende a lidar de um momento para outro, com as pressões e demandas a que somos diuturnamente submetidos. É preciso uma construção emocional e intelectual. Por isso e muito mais, que os chefes precisam ser líderes, reconhecidos por seus pares, comprometidos com o dever, além de conhecer bem os policiais, conversar “olho no olho”, saber ouvir, compreender o contexto social e familiar em que eles estão inseridos. Saber do desempenho do policial no trato com a população a que devemos servir. Na lealdade aos princípios republicanos e éticos. Conhecer a atuação desses profissionais/seres humanos e avaliar, atender ou negar pedidos com embasamentos mais amplos e sólidos que pontuações resultantes de somas de colunas de planilhas cheias de números, eficientes para avaliar máquinas, mas com pouco conteúdo para avaliar a qualificação do serviço humano em uma das mais complexas profissões da humanidade.

[pull_quote align=”left”]Há que se tomar cuidado com as avaliações e promoções, para que estas não acabem por nos jogar em uma competição e esta fomente a degradação das relações pessoais e profissionais e provoque o desequilíbrio emocional dos servidores.[/pull_quote]Em todas as sociedades desenvolvidas e instituições sérias, a experiência, a vivência dos mais antigos, o conhecimento adquirido ao longo dos anos agregam valor ao profissional, que é mais respeitado, considerado, sendo muitas vezes consultado sobre decisões. O servidor mais antigo carrega consigo uma gama de conhecimentos, mas também acumula o peso dos anos, o esmorecer do vigor físico e o desgaste psicológico do tempo dedicado ao trabalho e deve sim ter prerrogativas, prioridade em algumas escolhas. Não estamos falando de privilégios, mas de conquistas com o devido suor derramado na prestação de serviço a sociedade, no caso de profissionais de segurança pública, com a exposição ao risco da própria vida; e isso não tem valor nenhum? Em que sociedade nós estamos? Qual o valor do policial? Que valoração ou dimensão tem todo o trabalho desenvolvido. Que modelo de instituição os novos policiais vão herdar? O queremos construir para nossos filhos?

A sobrevivência, a longevidade no meio policial por si só já é motivo de orgulho. Na contramão da história, instituições de segurança pública vêm fazendo o oposto, ser antigo tem caráter pejorativo, os novos parecem te olhar com desconfiança quanto ao seu caráter, honestidade e capacidade. Somado a isso os antigos são preteridos nas escolhas até para a data das férias ou escolha do local de trabalho. Tudo isto desmotiva e cria um ambiente negativo, é triste e muito sério ver tantos colegas, bons policiais com pouco mais de 40 anos de idade já “contando os dias para se aposentar”.Algo está muito errado. Com a saída de tantos podemos ter a certeza de que o prejuízo maior será na qualidade do serviço prestado, atingindo diretamente a sociedade a qual devemos servir e proteger. Instituição alguma, muito menos a polícia pode prescindir deste capital intelectual, empírico e acadêmico, sem arcar com o passivo que vai se acumular.

Há que se tomar cuidado com as avaliações e promoções, para que estas não acabem por nos jogar em uma competição e esta fomente a degradação das relações pessoais e profissionais e provoque o desequilíbrio emocional dos servidores.

A construção de uma mudança não pode ser esperada apenas de uma parte, é preciso lembrar que também somos muito responsáveis pela forma como nos tratam. Fazer-se respeitar é essencial, tenhamos orgulho de cada cicatriz física ou psicológica, de cada ajuda prestada, dos ensinamentos transmitidos, conhecimentos divididos e multiplicados. Mostrar nosso valor, mas também registrar nossa insatisfação com a condição atual e lembrar aos novos como eles foram bem recebidos e se existe esta polícia para eles hoje, é resultado da ação de todos ao longo das nossas décadas de trabalho. Cada um de nós deve um pouco aos que nos antecederam e os que aqui ainda estão merecem respeito, deferência.

Vamos deixar o tempo passar com a parcimônia dos sábios, mas nos empenhando em melhorar nosso ambiente de trabalho e nossa instituição e assim fomentar ativamente as mudanças verdadeiras, provar que não estamos fadados ao fracasso e assim abandonarmos o avizinhamento dos abismos. Alavancar uma trajetória de sucesso que sempre nos orgulhe ao olharmos para trás.

Faça bom o seu presente, pois o futuro sempre cobra o seu passado.

*Marcus Vinícius Barbosa – marcusbrasil@outlook.com – é policial rodoviário federal desde 1994, bacharel em Direito e especialista em Gestão de Organizações de Segurança Pública pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ.

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