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out/2012

Vira-latas e mascarados

Por Carlos Alberto Sardenberg

Qual é o oposto do complexo de vira-lata que Nelson Rodrigues encontrou nos brasileiros? É a máscara, com duas variáveis. O brasileiro mascarado que vive achando por aqui o/a melhor do mundo; e aquele que despreza a sabedoria, digamos, universal e a troca pelas “nossas” soluções.

Normal, se poderia dizer. Se cada um de nós alterna momentos de depressão e euforia, por que isso não poderia ocorrer com um povo inteiro? E não apenas com o brasileiro. Pesquisas mostram que todas as populações oscilam entre confiança e baixo-astral, isso dependendo, em grande parte, da situação real em que se encontram.

Os americanos, por exemplo, estão no “maior baixo-astral”.

Compreende-se. Já são quatro anos de uma crise que chegou, devastadora, depois de um período que parecia o melhor de todos.

Já os brasileiros estão mais animados. O país cresce pouco, mas ainda preserva os benefícios das mudanças estruturais dos últimos 20 anos.

De todo modo, é preciso admitir que há povos mais espertos do que outros. Há países cujas sociedades resolvem melhor as situações e, assim, tornam-se mais prósperas e ricas. Sim, há nações abençoadas com riquezas naturais, mas isso não é a variável determinante.

O Japão tem escassas fontes naturais de energia, mas construiu uma indústria poderosa. Israel não tem uma gota de petróleo, nem de água, aliás, mas é a sociedade mais desenvolvida, de maior renda per capita e a única democracia estável de uma região onde jorra petróleo e sobram ditaduras e pobreza.

Cingapura e Jamaica eram colônias britânicas até 1960, igualmente pobres. Hoje, a nação asiática é rica, desenvolvida e moderna. A Jamaica tem quase nada além de Usain Bolt e seus colegas velocistas. Todo mundo celebra o bicampeão olímpico, mas as pessoas vivem melhor em Cingapura.

E, para chegar do nosso lado, nos anos 60 a Coreia do Sul era muito mais pobre que o Brasil. Hoje, nem dá para comparar.

Portanto, a alternância tristeza/alegria e mesmo a depressão/euforia pode ser normal, desde que leve e rara. Do contrário, a doença aparece. E talvez a pior seja mascarar a realidade de um extremo a outro. O complexo de vira-lata só mostra coisa ruim. O mascarado dança nas ruas e tira sarro dos outros. Isso tem atrapalhado o Brasil.

Nos últimos tempos, temos sido mais mascarados do que vira-latas. É uma característica da era Lula. Na verdade, ele começou, em 2003, mais complexado e com medo da reação mundial à sua eleição. Tanto que adotou a política econômica que ele e seu partido haviam condenado e deixou de lado as propostas de “soluções próprias, não as do FMI”.

Depois, quando o mundo ajudou e as políticas ortodoxas finalmente funcionaram, Lula transformou tudo em coisa própria, incluindo a bonança global (os fantásticos preços das comodities e alimentos).

Como diz mesmo um amigo do governo petista, a maré subiu para todo mundo, mas o ex-presidente acha que ele puxou a maré. E um monte de gente concordou.

Assim, tudo virou solução brasileira para problemas que o mundo e gerações nacionais anteriores não sabiam resolver. Exemplo, o Bolsa Família.

Será? Sugiro uma pesquisa no site do Banco Mundial, item “Conditional Cash Transfer”, “Transferência de Renda com Condicionalidades”. Pois é, o programa, dinheiro em troca de colocar a criança na escola, é uma ideia desenvolvida por tecnocratas do Banco Mundial nos anos 90. Entre nós, Cristovam Buarque estudou e aplicou. Nos anos 2000, cerca de 30 países já aplicavam o programa (México Oportunidades, Chile Solidário, por exemplo).

Aqui, por sinal, o Bolsa Família foi criado pelo decreto 5.209, de 17/09/04, especificamente com a unificação dos programas Bolsa Escola, Vale Gás e Bolsa Alimentação, que vinham do governo FHC.

É verdade que, no mundo, se fala com mais entusiasmo do Bolsa Família brasileiro e de Lula. E por quê? Porque é o maior e porque o Brasil tem mais pobres….

Todos os principais países emergentes, latino-americanos incluídos, se deram muito bem neste século 21: crescimento forte, inflação controlada, surgimento das novas classes médias e acumulação de reservas.

Pelo complexo de vira-lata, diríamos que o Brasil só pegou a onda e copiou o que todo mundo fez. Na outra ponta, mascarados, diríamos que o mundo todo copia e inveja o Brasil.

Nos dois casos, não estamos vendo a história real. Não foi pouca coisa pegar a onda certa. Mas ainda levamos uns bons tombos na areia. Voltaremos ao assunto.

Fonte: O Globo

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