Ação civil do Ministério Público protocolada na semana passada questiona os abusos de ressarcimento dos planos de saúde de senadores. Tal convênio especial custou R$ 98 milhões aos cofres públicos só em 2010, e abrange todo tipo de atendimento médico, odontológico ou psicológico, inclusive fora do País, com reembolso total. Os parlamentares não precisam pagar nenhum centavo do próprio bolso. A ação classifica o plano de “abusivo” e pede sua reformulação.
A ação não cita nomes, mas relata casos. Um deles é de um senador que conseguiu reembolso de R$ 78 mil em 2009 por causa da colocação de 22 coroas de porcelana na arcada dentária. Embora o atendimento não tenha sido caracterizado como urgência e o paciente nem sequer tenha passado por perícia física, o Senado autorizou o ressarcimento. Como ele já havia zerado o crédito de ressarcimento dentário, recebeu o dinheiro a título de antecipação das cotas de 2010 e 2011.
O plano oferece cobertura total desde o início, não impõe limites de idade ou para doenças preexistentes e vale para toda a vida. Não há uma lista de procedimentos cobertos, tampouco uma tabela de preços para pagamento de instituições e profissionais, que podem ser escolhidos livremente pelos beneficiários. A assistência é paga integralmente com recursos públicos.
O benefício é vitalício e não há limite às despesas médicas de senador, cônjuge e dependentes. Para ter direito à assistência, o parlamentar precisa ter exercido o mandato por seis meses. Depois desse período, pode usufruir eternamente do benefício, sem nenhuma participação no custeio. Nem a morte livra o erário do gasto, pois o cônjuge do falecido “continua utilizando o plano ad aeternum”, conforme descreve a ação civil pública. O recorde de despesas individuais ocorreu em 2007, quando um único senador somou gastos familiares de mais de R$ 740 mil.
Vitalício – Ex-senadores e seus cônjuges têm direito a cobertura vitalícia do plano, mas o teto anual de gastos é limitado a R$ 32 mil. Documentos analisados pelo Ministério Público , porém, demonstram que o valor não tem sido observado. Já para despesas odontológicas e psicoterápicas, o limite anual – nem sempre respeitado – foi fixado em R$ 26 mil.
A desproporcionalidade dos gastos do Senado com a assistência à saúde dos seus pares, segundo a ação, fica clara na comparação com outros órgãos públicos. Em 2010, a Casa gastou quase R$ 98 milhões para atender cerca de 23 mil beneficiários. Na Câmara dos Deputados, o gasto foi de R$ 68 milhões para quase 26 mil usuários, enquanto o Ministério Público da União desembolsou R$ 31 milhões para prestar auxílio a mais de 31 mil beneficiários.
Para o Ministério Público, a liberdade na escolha de médicos e instituições, somada à falta de critérios para a limitação dos gastos e à indefinição quanto aos procedimentos cobertos e aos valores pagos, tem dado margem a gastos abusivos e desnecessários. “São desembolsos que envolvem valores exorbitantes e inimagináveis, que fogem a qualquer padrão de proporcionalidade, economicidade e moralidade administrativa”, disse a procuradora Eliana Pires Rocha.
Na defesa prévia, a Consultoria Jurídica do Senado disse que o plano, longe de ser privilégio, visa a garantir “a mais completa e segura assistência possível, considerando-se o múnus público que exercem e a altíssima relevância de suas funções na estrutura político-decisória da República”. Afirma também que o plano “é fruto do legítimo exercício de uma competência discricionária do próprio Senado, cujas balizas são suficientemente amplas para, em tese, imunizá-lo do controle por parte dos demais poderes”.
Fonte: O Estado de S. Paulo