Em discussão há alguns anos, o monitoramento eletrônico da frota de veículos (cerca de 73 milhões) do país volta à agenda do governo federal – desta vez não só com prazo para entrar em vigor (em 2013), mas amparado em ações concretas do poder público.
A regulamentação, em agosto, do Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos (Siniav) parece ser um dos últimos passos para a implantação do rastreamento em todo o território nacional.
O sistema funciona a partir de um chip, que os motoristas serão obrigados a instalar em seus veículos – inicialmente a partir de janeiro. Mas, como o próprio Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) ainda não sabe como será feita a comercialização da placa eletrônica, é possível que a implantação avance no calendário. Prazos, em relação a tema tão polêmico, são o que menos importa. O que preocupa, no caso, é a maneira como a decisão foi tomada, sem que haja um debate amplo e profundo da questão.
O monitoramento da frota pode ser eficiente fator de inibição de roubo de carros, de estímulo à legalização de veículos e de solução de problemas de trânsito. Mas há uma questão de fundo: até que ponto esse tipo de controle avança sobre direitos do cidadão, como o da privacidade, ou de ir e vir livremente?
A perspectiva de que o Estado possa manter cidadãos permanentemente rastreados – ainda que somente os donos de veículos – remete à onisciência do Big Brother de “1984”. A diferença é que, em razão de limitações tecnológicas da época em que Orwell escreveu o livro, o romance não passava de uma (assustadora) parábola sobre o totalitarismo, ao passo que sistemas como o Siniav, em face da atual evolução dos dispositivos de fiscalização à distância, podem se transformar em tentadora ameaça de mau uso de informações de Estado por governos inescrupulosos.
Aceitar a implantação de sistemas que, em última análise, seriam manifestações de controle sobre o cidadão não é uma simples discussão retórica. Por exemplo, a internet é um meio que revolucionou a comunicação (e isso encerra qualquer resistência sobre a sua legitimidade como mídia). Mas, ao mesmo tempo, é um ilimitado espaço de agravos contra a privacidade. Isso implica ter cuidados – usuários e poder público -, para evitar que saiam da intimidade dos internautas informações privadas que apenas a eles dizem respeito.
Não à toa, o Siniav é objeto de interpelações de entidades civis, OAB entre elas. É positivo criar instrumentos que aumentem a segurança do cidadão, mas sem ferir outros direitos constitucionais. A questão do rastreamento, ainda em aberto, não pode ser fechada sem que se assegure à sociedade o direito de discutir sua adoção e suas implicações.
Autor/Fonrte: O Globo