No país em que ainda luta-se para se desvencilhar da posição de atraso no ranking internacional de qualidade de ensino, uma estatística chama a atenção. No Brasil, a cada ano, 126,4 mil pessoas com diploma de nível superior ingressam na administração estatal. São um time de profissionais das mais variadas áreas, de bombeiros e médicos a professores e funcionários de prefeituras espalhadas pelos municípios país afora. Mais escolarizados e preparados para exercer cargos públicos, esses novos servidores estão mudando a cara da mão de obra estatal, antes estigmatizada de leniente e pouco produtiva.
Entre 2009 e 2012, ao passo que o mercado privado ganhou 3,8 milhões de trabalhadores sem diploma, na esfera pública, o contingente de servidores menos escolarizados encolheu em 51,8 mil postos. Para especialistas consultados pelo Correio, os concursos públicos, mais exigentes e disputados, foram o ponto de partida para essa redução. “Hoje, os processos de seleção estão mais apurados. A proliferação de cursinhos preparatórios para a carreira pública e a figura do concurseiro profissional, que até alguns anos atrás nem mesmo existia, é a certeza de que os próximos funcionários públicos serão cada vez mais capacitados”, diz o economista Marcio Sette Fortes, professor do Ibemec Rio.
Na opinião dele, a maior qualificação da mão de obra estatal é o primeiro passo para melhorar a qualidade dos serviços prestados pela administração pública, que, para ele, ainda deixam a desejar. “O Brasil está trilhando o caminho que outros países já percorreram, como a França, que hoje exporta seu modelo de excelência em gestão pública para todo o mundo”, pondera.
Elite
Antes vista como mal preparada, essa nova força de trabalho agora rivaliza e, em muitos casos, até supera em tempo de estudo os trabalhadores da iniciativa privada. Para cada funcionário do setor privado que estudou 15 anos ou mais, há pelo menos três servidores com a mesma escolaridade no país. Em relação à mão de obra total disponível para o trabalho, significa que apenas 10,4% dos trabalhadores privados têm 15 anos ou mais de estudo, enquanto que, na iniciativa pública, esse índice é de 35,5%.
Antes vista como mal preparada, essa nova força de trabalho agora rivaliza e, em muitos casos, até supera em tempo de estudo os trabalhadores da iniciativa privada. Para cada funcionário do setor privado que estudou 15 anos ou mais, há pelo menos três servidores com a mesma escolaridade no país. Em relação à mão de obra total disponível para o trabalho, significa que apenas 10,4% dos trabalhadores privados têm 15 anos ou mais de estudo, enquanto que, na iniciativa pública, esse índice é de 35,5%.
Os números fazem parte de um estudo inédito preparado pelos economistas Fernando de Holanda Filho, Ana Luiza Neves e João Ricardo Lima, obtido com exclusividade pelo Correio. Conforme revelam, o tempo médio de estudo do trabalhador privado no Brasil é de 9,3 anos. Já o funcionário da administração estatal, seja ele do governo federal ou de órgãos públicos de estados e municípios, acumula 11,7 anos de estudo.
Por estudarem mais, esses profissionais também acumulam salários maiores. Um outro estudo, preparado a pedido do Correio pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que os salários pagos aos servidores públicos são, em média, até 1,5 vez maior que os de trabalhadores de empresas privadas. Ao passo que os servidores ganham em torno de R$ 2.839,08 mensais, os empregados do setor privado recebem, em média, R$ 1.708,75.
“Na verdade, o setor público atrai as pessoas por duas razões: os salários mais altos e a estabilidade no emprego. É como um seguro que a pessoa faz, pois sabe que não será demitida por qualquer razão”, pondera o professor Fernando de Holanda Barbosa Filho, doutor em economia pela New York University e um dos maiores especialistas no país em relações de produtividade e capital humano nas esferas pública e privada.
No mais recente estudo conduzido sobre o tema, Holanda Filho constatou que a diferença bruta entre os salários do setor público e os do privado são de cerca de 108% em favor do funcionalismo, variação que ele considera “extremamente alta”. “É uma aparente contradição, porque se você tem um emprego em que não pode ser demitido nunca, em tese você deveria ganhar menos do que em um emprego mais instável, em que você pode ser demitido a qualquer momento”, observa.
A diferença, ele reforça, está na qualificação. “O brasileiro, em geral, é pouco escolarizado. Então, se você comparar o setor público com o privado, um dos motivos dessa discrepância salarial é justamente o maior grau de educação do servidor público”, explica Holanda.
Satisfação
Eduardo Azevedo de Lima, 43 anos, entrou no Ministério dos Transportes em 1998, por influência dos pais, os servidores aposentados Maria Helena, 72, e Cláudio, 78. À época, o curso superior de administração estava sendo concluído. Mas a bagagem profissional, segundo ele, veio dos progenitores. A herança o fez ser aprovado no ano seguinte da conclusão da faculdade. “No começo, não gostava muito desse papo de concurso, mas hoje vejo que vale a pena”, conta Lima.
Além da estabilidade e do salário de R$ 3,5 mil por mês, Lima acrescenta que aprendeu muito e se tornou um profissional melhor. “Não pretendo sair. Estou muito satisfeito, em todos os sentidos”, diz. Ele ressalta ainda que não enxerga o trabalho em empresas privadas como grande vantagem. “Poderia até ganhar mais. Porém, não teria a estabilidade que tenho. Então, é melhor continuar onde estou, e sem reclamar”, acrescenta.
Ao contrário de Lima, há cinco anos, Edson Gomes de Almeida, 56, decidiu abandonar o serviço público depois de trabalhar uma década como auditor. Em troca, passou a receber um salário muito maior — trocou R$ 4,5 mil por R$ 9 mil —, pela mesma função, em uma empresa privada. Com isso, nem a estabilidade que costuma ser o alvo de muitos concurseiros foi capaz de prendê-lo no cargo público. “Muitos amigos me chamam de louco por abrir mão desse benefício. Mas acho que isso não é tudo”, explica.
Almeida ressalta que, antes de decidir, o que faria em relação à vida profissional, pensou na família, nos dois filhos — Clara, 7, e Luiz Gustavo, 9 — e percebeu que poderia oferecer um futuro melhor a eles. Então, aceitou a proposta de seu atual empregador. Ele confessa que, no começo, ficou com receio de não dar certo. Mas, hoje, sabe que a escolha o levou a colher bons frutos. “Tudo mudou na minha vida, desde a alimentação até as viagens, que agora já podem ser internacionais. Em janeiro vamos para a Disney. Já havia prometido a eles. Tenho que cumprir”, diz.
Experiência
Marcio Sette Fortes fala com conhecimento de causa. Há 20 anos, ele trabalhou para o governo francês, no Ministério da Economia e Finanças. Na ocasião, teve a oportunidade de conhecer servidores públicos superqualificados, egressos da tradicional Escola Nacional de Administração, onde são formados os altos funcionários de Estado franceses, entre os quais ex-ministros e até o atual presidente daquele país, François Hollande. Deu tão certo o modelo que, anos depois, o Brasil também passou a investir na criação de uma carreira de gestores públicos.
Jornada
Outra comparação feita com base na jornada de trabalho e na remuneração nominal entre as duas categorias mostra uma diferença de rendimentos um pouco menor, de cerca de 84%. Isso se deve ao fato de que, no setor público, a jornada de trabalho é, em média, 13% menor que a dos empregados do setor privado. No Brasil, um funcionário da administração pública trabalha cerca de 37,8 horas por semana, ao passo que, no setor privado, as jornadas são, em média, de 43,4 horas semanais.
Fonte: Correio Braziliense