O renegado comunista e ideólogo do petismo Emir Sader, lançou há alguns dias um texto chamado “Não é a Copa, imbecil, são as eleições!”. Texto, como sempre, recheado de governismo e defendendo que todos os protestos e criticas contra a Copa do Mundo tem, no fundo, o objetivo de derrotar Dilma no processo eleitoral. Emir Sader, também não deixa de atacar à esquerda (depois de ter chamado os militantes do MTST de vira-latas). Respondendo o renegado comunista, Mauro Iasi, escreveu uma brilhante resposta intitulada “O escravo da Casa Grande e o desprezo pela esquerda”. Depois da resposta de Iasi; Valter Pomar, intelectual de esquerda e membro do PT, escreveu uma resposta ao texto de Iasi (chamado “Nem todo “escravo” tem a “mentalidade da Casa Grande”). Ao contrário do texto do Emir Sader, Pomar não carrega a tinta com um governismo acrítico, mas sustenta algumas mitologias políticas. Vou me deter nas principais.
Primeiro, entendo pôr “mitologia política” a criação de certas visões ideológicas sobre determinados processos políticos que orientam ações e práticas concretas. Ou seja, visões distorcidas e irreais que são tomadas como verdade, justificativa e horizonte para determinadas ações. Iasi deixa claro o caráter de classe do governo do PT. Mostrando que é um governo burguês, que colocasse como gerente da ordem burguesa. Pomar na sua resposta evoca a sua primeira e principal mitologia política, a saber, “O problema da análise de Mauro Iasi é não conseguir explicar por quais motivos o grande capital, setores médios, a direita, o oligopólio da mídia e os governos imperialistas estão tão irritados com o governo Dilma”. Oras, isso é uma grande mentira. O grande capital é parceiro e apoiador dos governos do PT. Podemos demonstrar isso de várias formas, seja através da política macroeconômica que manteve no essencial a orientação neoliberal (o tripé macroeconômico, etc.), seja nas políticas de fortalecimento do capitalismo monopolista de Estado através do BNDS, seja através das várias privatizações e desnacionalizações, seja através das doações de campanha ao PT e etc. É preciso ser muito governista para afirmar que o grande capital é contra o petismo. Vou deixar ao final do texto várias matérias que mostram como essa visão (da oposição entre grande capital e o PT) é uma mitologia política.
Pomar, bem ao “estilo Chauí”, também afirma que setores médios são contra o PT. Oura grande mentira. Temos que esclarecer de agora que pensar as classes sociais de forma monolítica, sem sua divisão e frações, é um erro brutal. Fazendo um breve histórico, as camadas médias do Brasil foram esmagadas pela crise econômica durante a ditadura empresarial-militar no final dos anos 70 e anos 80; pressionadas as camadas médias formaram uma das principais bases de oposição à ditadura. Foram fundamentais na formação do PT. Durante todos os anos 80, 90 e parte dos anos 2000 os funcionários públicos qualificados, pequenos comerciantes com alta escolarização, artistas, professores universitários, operários e intelectuais formaram a principal base eleitoral e social do PT. André Singer no seu livro “Os sentidos do Lulismo” mostra que até 2006 quanto maior a escolaridade e renda (até dez salários mínimos) maior eram os votos no PT. A maioria dos setores médios sai da ditadura com uma postura progressista e de esquerda, durante os anos 90 vemos o início de um processo de realinhamento político-eleitoral, com grande parte dos setores médios assumindo posturas conservadoras e escolhendo o PSDB como sua principal porta voz (não custa lembrar, para ilustrar a argumentação, que Fernando Collor foi eleito com grande quantidade de votos dos pobres e subproletários, já Lula teve amplos votos nas camadas médias, na eleição de 1989). Singer argumenta que a partir de 2006 várias camadas médias se afastam do PT (ele explica os porquês disso no livro) e os trabalhadores pobres, que recebem até três salários mínimos, passam a ser a principal base eleitoral do PT. Mas isso não significa que os setores médios, em bloco, sejam hoje conservadores. A votação de Heloísa Helena para presidente da república em 2006, as estimativas de voto que tinha Ciro Gomes nas eleições de 2010, a votação de Marina Silva também em 2010, a votação de Marcelo Freixo em 2012 e vários outros processos eleitorais mostraram que vários setores médios continuam de esquerda e progressista. É notório para qualquer mero observador do processo eleitoral que existe uma franja ampla de votos para candidatos de esquerda não radical. Aliás, nos próprios partidos de esquerda hoje a maioria dos militantes são de classe média. PCB, PSTU, PSOL, Levante Popular, PCR, MEPR, UV, etc. têm majoritariamente militantes de classe média. Se não na renda, no “capital cultural”. Pessoas pobres que são universitárias, consomem e têm uma vivência cultural dos setores médios (como o autor dessas linhas).
Pomar também afirma que a direita “está irritada com o governo Dilma”. Oras, que direita? O PP, PSC, PMDB, a bancada evangélica, a bancada ruralista, a bancada patronal, a CNI, Sarney, Collor de Melo, Renan Calheiros, Paulo Maluf, Kátia Abreu? A maioria da direita, seus principais nomes, está no governo do PT. Não é de todo à toa que dizem que o Brasil não tem oposição. O PT usa um verniz de esquerda e engloba os principais nomes da direita brasileira e das oligarquias regionais no seu governo. Pomar também afirma que os oligopólios de mídia fazem oposição ao PT. Isso me parece certo, mas não é porque o PT faz um governo de esquerda, mas sim porque na disputa para ser gerente da ordem burguesa o PT é preterido em relação a outros partidos, como o PSDB. E a afirmação de que o imperialismo está irritado com o PT é outra mitologia política que beira ao ridículo. Apenas para dar um exemplo de o quanto o governo do PT é agressivo com o imperialismo. Quando foi descoberto que a NSA espionava o Brasil, a presidente e várias estatais, Dilma fez um discurso muito inflamado em uma reunião da ONU. Só. Não tomou mais nenhuma medida. Alguns meses depois anuncia uma cooperação da Policia Federal e do Exército Brasileiro com as forças de segurança dos EUA para fazer “segurança” durante a Copa do Mundo. Com as mesmas forças que estavam espionando a presidente e as estatais. Grande oposição ao imperialismo; algo quase bolchevique!
Iasi argumenta que a “oposição” que muitos setores burgueses aparentemente mostram contra o governo do PT não passa de jogo político. Posso dar um exemplo interessante disso. É notório a política de transferência de orçamento público para o setor privado da educação. O setor privado, que estava falido, foi salvo e se fortalece como nunca durante o governo do PT. Mas mesmo assim, a Unissau, um grande grupo educacional, que é um dos maiores beneficiários da política de transferência do orçamento público ao setor privado, apoia todos os grandes encontros, debates, palestras, eventos públicos e publicações de grupos liberais como o Instituto Mises ou a EPL que defendem menos intervenção do Estado na economia! Parece contraditório? Na verdade é apenas burguesia fazendo política. A ideia do menos estado na economia é uma arma ideológica da burguesia para privatizar o orçamento público, atacar serviços públicos e investimentos sociais. Como ensinou Marx não se julga um partido e/ou uma classe pelo o que ela pensa dela mesma. Não podemos avaliar a política burguesa pelas declarações da burguesia ou pelas declarações de veículos de imprensa como a Revista Veja. Enquanto toda a imprensa conservadora fazia um maior alarde contra o investimento brasileiro no Porto de Muriel em Cuba, a Odebrecht e várias outras transnacionais “brasileiras” estavam muito felizes com esse investimento, visto que serão os maiores beneficiados. Enfim, não se vai entender a política da burguesia através das colunas da Revista Veja e congêneres e dos discursos ideológicos da burguesia de menos estado, mercado perfeito, etc.
Por fim, Pomar afirmar que a queda do governo do PT e a ascensão de algo como o PSDB proporcionaria uma regressão da consciência da classe trabalhadora. Bem, é evidente que os governos do PT criaram uma desmobilização e uma regressão da consciência e da organização da classe trabalhadora. André Singer afirma, no seu livro já citado, que um dos principais elementos do Lulismo é o apassivamento das lutas populares. Isso Pomar não toca. Depois disso, chegando finalmente ao seu objetivo, Pomar diz que precisamos defender o governo do PT e que “Pois segundo a análise que fazemos, esgotaram-se as condições objetivas que por breve período tornaram possível combinar presidência petista, aliança com o grande capital e políticas públicas moderadas, com avanços em termos de soberania, integração, democracia e condições de vida. A “. Vejamos, em termos de soberania o último grande ato do PT foi leiloar o petróleo, os portos e aeroportos brasileiros. Em termos de integração, o governo do PT não toma muitas medidas para isso. Usa uma retórica de integração, em vários momentos age contra o imperialismo dos EUA, mas não toma medidas efetivas de integração na esfera da comunicação, tecnologia, segurança militar, cooperação econômica, etc. Sobre a democracia, o governo do PT tem sido especialista em criminalização dos movimentos sociais, fortalecimento dos aparelhos repressivos do Estado e engessamento de reformas fundamentais democráticas, como a regulação da mídia ou a reforma do judiciário. Aliás, a última grande “medida democrática” do PT foi colocar o exército na rua para defender a realização da privatização do petróleo do campo de Libra. Algo idêntico ao que acontecia nos terríveis anos neoliberais do governo FHC. Qualquer pessoa de mínimo bom senso reconhece que o governo Dilma nos últimos dois anos vem tendo uma política cada vez mais regressiva, pró-capital e antipopular. A política de remoções para os megaeventos e a criminalização e repressão da pobreza via força militar no Rio é apenas um exemplo entre muitos. Poderia falar também da política da reforma agrária, a pior nos últimos trinta anos! Ou a política contras os índios, mais agressiva que durante o governo FHC. Enfim, a medocracia, a ideia de que se o governo do PT não avança também não deve cair, pois caso ele caia a besta do sétimo livro, o caos, o apocalipse, a direta do mal, vai voltar ao poder e acabar com tudo. Oras, a direita já está no poder, mas é óbvio que sempre pode piorar. Mas seguindo essa lógica deveríamos ter apoiado o governo Bush ou mesmo o governo do FHC, afinal, também podia ter vindo coisa pior.
Jones Makaveli é graduando em História pela Universidade Federal do Pernambuco e militante da UJC/PCB.