Desde 2004, quando o SOS Estradas lançou o estudo “Morte no Trânsito- Uma Tragédia Rodoviária”, detectamos que metade dos acidentes nas estradas com motoristas profissionais ocorriam sem o envolvimento de outro veículo. Eram saídas de pista, tombamento, choque com objeto fixo, muitas vezes sem nenhuma marca de frenagem. Situações típicas de acidentes provocados por fadiga. No Brasil, é notório que muitos motoristas são explorados por más empresas de transporte e embarcadores inescrupulosos. Por isso, são submetidos a jornadas que o corpo não suporta ou aceitam viagens para não perder o serviço porque precisam do dinheiro. Viajam sem dormir, geralmente acima do limite de velocidade e ainda são “premiados” quando chegam antes do previsto.
Pressionados pela necessidade de sobreviver, muitos motoristas empregados ou autônomos começaram a utilizar medicamentos para ficarem acordados. Popularmente conhecidos como rebites, alguns eram proibidos outros disponíveis nas farmácias. O uso cada vez mais frequente chamou a atenção dos traficantes de drogas que perceberam, nesse público, um potencial consumidor de drogas mais pesadas. Naturalmente, o consumo de drogas por motoristas profissionais não é exclusivo dos que as usam para suportar a jornada e sobreviver num mercado aviltado. Há também os irresponsáveis, que não fazem cerimônia ao colocar em risco sua vida e de terceiros que estão nas estradas.
Com o tempo, as drogas foram tomando conta da estrada e muitos caminhoneiros e motoristas de ônibus passaram de usuários a intermediários. Para pagar dívidas aos traficantes, ou pelo dinheiro fácil, passaram a transportar drogas ou fazer vista grossa. Há motoristas que, hoje, vivem na estrada, mas atuam como traficantes. Para entender melhor a dimensão do problema, o SOS Estradas está lançando o estudo: As Drogas e os Motoristas Profissionais. O trabalho foi realizado pelo Coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, autor de vários estudos e dos livros ” Acidentes Não Acontecem” e “Recall – O que as Montadoras Não Contam”. Como o Brasil é essencialmente uma país de transporte rodoviário, a droga chegou em todo lugar, nos grandes centros e nas pequenas cidades. Distribuída por “mulas”, falsos passageiros de ônibus, em veículos leves ou escondidas na carroceria de caminhões entre toneladas de carga. Essa realidade estimulou a comunidade científica a investigar a dependência das drogas por motoristas profissionais produzindo inúmeros estudos e pesquisas nos principais centros acadêmicos do país.
Paralelamente, a imprensa vem atuando de forma cada vez mais eficiente, revelando o submundo das drogas nas estradas. São centenas de matérias por ano, que mostram desde toneladas de apreensão de drogas nas estradas até a facilidade na compra a fiscalização precária. A situação é tão grave que, a cada dia, é mais difícil encontrar um motorista profissional que nunca usou drogas para se manter acordado ou por lazer. Determinadas categorias, como a dos que transportam produtos perecíveis, já são conhecidas pelo uso intenso de drogas. Em operações educativas nas estradas, em que motoristas aceitaram se submeter a exame de sangue e urina, há casos em que mais de 50% estavam sob efeito de drogas. Alguns em estado de tão grave que eram transportados, imediatamente, para o hospital.
Durantes os debates que tinham como intuito inicial aprimorar a Lei 12.619/12, a chamada Lei do Descanso do Motorista Profissional, surgiu uma luz no fim do túnel: os exames toxicológicos de larga janela de detecção. Popularmente conhecidos como “teste de cabelo”, permitem com apenas uma pequena coleta de cabelo identificar o uso de drogas nos últimos três meses. Ao analisarmos o caso de uma das maiores transportadoras do mundo, a JB Hunt dos EUA, vimos que ela aplicou 65 mil testes de cabelo com seus motoristas nos últimos cinco anos. Ficamos surpresos com os resultados obtidos, que praticamente zeraram os casos de acidentes com motoristas sob efeito de drogas.
O Coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, foi a sede da empresa, no estado de Arkansas, para conhecer de perto esta experiência e voltou impressionado com o potencial desses exames para reduzir acidentes com motoristas drogados no Brasil. Nos EUA, os motoristas são obrigados a fazer exames regulares de urina, entretanto, como detectam o uso apenas alguns dias antes da coleta, é comum os motoristas deixarem de usar por uma semana para que o uso de drogas não seja detectado. No caso do teste de cabelo, só tem um jeito: parar de usar. É bom lembrar que nos EUA o uso de drogas por motoristas profissionais é basicamente por lazer, porque as jornadas são controladas e as condições de descanso, a começar do tamanho das cabines, completamente diferentes.
No Brasil, caminhoneiros dormem em cabines minúsculas, com um olho aberto e outro fechado por causa do risco de roubo, e a maioria recorre as drogas para suportar as jornadas, não por diversão. Para combater o uso de drogas por motoristas profissionais e, indiretamente, o excesso de jornada e tráfico de entorpecentes, o teste de cabelo é uma arma poderosa que obriga o profissional a buscar ajuda e largar as drogas. Exames de urina e saliva podem detectar o uso no ato da direção e são úteis para ações de fiscalização, mas limitados na prevenção e. operacionalmente, complicados.
As autoridades precisam enfrentar o problema da droga com motoristas profissionais usando as armas mais modernas disponíveis, como é o teste de cabelo. Com isso, vamos conseguir reduzir os acidentes, diminuir a exploração da mão de obra e combater o tráfico de entorpecentes que, hoje, depende do transporte rodoviário para sobreviver. A situação é tão grave, que traficantes estão entrando no setor de transportes. A Polícia Federal já aprendeu dezenas de carretas com um único grupo de criminosos.
O Governo deu um primeiro passo importante com a Resolução 460 do Contran, que estabeleceu a obrigatoriedade dos exames toxicológicos de larga janela de detecção, o teste do cabelo, na renovação e mudança de categoria dos motoristas profissionais. Entretanto, não podemos ficar restritos a controles de longo prazo – é fundamental que esses exames sejam exigidos regularmente para todos os motoristas profissionais. As empresas de ônibus, para operar as linhas concedidas pelo setor público, devem fazer exames anuais com todos os motoristas. Da mesma forma, embarcadores, os chamados donos da carga, não podem contratar empresas de transporte cujos motoristas não estejam em dia com os exames toxicológicos. Afinal, não é apenas a vida deles que está em risco, mas de todos que circulam nas rodovias. Com maior controle e usando um exame preventivo que obriga a busca de tratamento dos dependentes, teremos estradas mais seguras e vamos combater o aumento do uso de drogas e sua distribuição no país. Além disso, teremos um mercado mais saudável, sem a concorrência desleal que existe hoje, em que motoristas que usam drogas para se manterem acordados, aceitem transportar em condições absurdas de tempo e preço, prejudicando todos que resistem ao uso de drogas e colocando em risco a vida de quem circula nas rodovias.
Precisamos do transporte socialmente responsável e o uso de drogas por motoristas que transportam dezenas de pessoas ou toneladas de carga não pode ser tolerado. Por isso, o combate a esse uso e a exploração desses profissionais, que vivem, em muitos casos, em regime análogo a de escravo, serão o foco principal do SOS Estradas neste ano de 2015. O estudo “As Drogas e os Motoristas Profissionais” , é apenas um primeiro passo nessa longa caminhada.
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Fonte: www.estradas.com.br