Golpe na lei seca
O STJ determinou ontem que o teste do bafômetro e o exame de sangue são as únicas provas que poderão comprovar a embriaguez ao volante. A decisão vai orientar os julgamentos de tribunais em todo o país e dificultar a abertura de processos criminais contra motoristas bêbados.
Decisão do STJ limita a comprovação da embriaguez ao volante ao bafômetro e ao exame de sangue e mantém a atual legislação inalterada. Projeto em tramitação no Congresso pretende endurecer a norma.
A discussão sobre o endurecimento da lei seca teve fim ontem após julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por maioria de votos, os ministros decidiram não acatar a inclusão de outros meios para comprovar a embriaguez ao volante, como o exame clínico e testemunhas. Atualmente, o crime só existe se a concentração de álcool por litro de sangue for igual ou superior a 6 decigramas ou 0,3 miligrama por litro de ar expelido dos pulmões, o que pode ser atestado com a realização de exame de sangue ou por meio do bafômetro. A decisão servirá como orientação para as demais instâncias do Judiciário, nas quais processos que tratam do tema estavam suspensos desde novembro de 2010.
A expectativa de fortalecer e ampliar a lei seca acabou derrubada por cinco dos nove ministros presentes no julgamento da Terceira Seção. Após um empate, a decisão ficou por conta da presidente da seção, Maria Thereza de Assis Moura. A discussão começou após o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) mover um recurso especial ao STJ (leia Entenda o caso).
Após três sessões suspensas por conta de pedidos de vista, a definição saiu ontem. Segundo a assessoria de imprensa do MPDFT, o órgão só vai se posicionar após a publicação do acórdão.
Com o posicionamento contrário ao reforço da legislação, o ministro do STJ Og Fernandes afirmou que uma modificação na legislação traria enorme mobilização nacional, uma falsa sensação de segurança, além de dúvidas na sociedade. “O legislador inseriu uma quantidade mínima de álcool para que seja considerado crime. Não é crime dirigir sob a influência do álcool. É crime quando a quantidade é igual ou superior a 6 decigramas”, avaliou Fernandes.
O ministro defendeu ainda as atuais formas de medir a alcoolemia do motorista. “Antes da reforma, a prova poderia ser produzida pela maneira de conduzir o automóvel. Agora, a dosagem passou a integrar o tipo penal e a comprovação pode ser feita por bafômetro ou exame de sangue. A ausência do meio técnico impossibilita a definição. O tipo penal fez inserir o que antes não tinha, era como se pudéssemos identificar e prescrever o grau dos óculos sem fazer o exame”, completou Fernandes.
Rigor
A inclusão de novos meios de provar a embriaguez ao volante, além de tornar crime dirigir sob o efeito de qualquer quantidade de álcool e aumentar as penas para quem infringe a proibição, pode vir com a alteração da Lei nº 11.705, de 20 de junho de 2008, a lei seca. Uma das propostas, o Projeto de Lei do Senado (PLS), tramita no Congresso Nacional com a identificação PL nº 2.788/11.
Para o relator do projeto, o deputado Edinho Araújo (PMDB/SP), a decisão do STJ provoca a necessidade de uma legislação mais rigorosa. “O STJ preferiu o texto legal, o que está na lei. Temos que buscar um dispositivo que contemple as opções de provas legais para incriminar o condutor embriagado”, explicou.
O parlamentar sugere que ocorra uma audiência pública com autoridades e técnicos em trânsito. “Dessa forma, a lei ficaria mais clara e o legislador poderia ter base para endurecer as penas e ter mais elementos para comprovar a embriaguez. Precisamos que esse projeto seja aprovado. Percebo a pressão da sociedade por uma legislação mais rigorosa”, completou o deputado. A audiência pública não tem data para ocorrer, assim como a apreciação do projeto em plenário.
Entenda o caso
Acidente no DF levou ao debate
Um motorista se envolveu em um acidente na Asa Norte (sem vítimas) em março de 2008 e acabou condenado pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) com base no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). À época, ele foi preso e passou por um exame clínico, que atestou o seu estado de embriaguez, mas sem a comprovação da concentração de álcool no organismo. Ocorre que a exigência dessa última prova só veio posteriormente, com a aprovação da Lei nº 11.705, de 20 de junho de 2008, a lei seca.
O motorista conseguiu trancar a ação no Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT). Isso levou o MPDFT a mover um recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O caso passou a ser considerado como base para firmar entendimento sobre se outros meios, como exame clínico e prova testemunhal, seriam suficientes para atestar a embriaguez de um motorista. Hoje, considera-se a concentração de álcool no organismo como prova técnica, conforme definiu a lei seca. O problema é que muitos condutores se negam a assoprar o bafômetro ou a fazer o exame de sangue.
Roberta Abreu – Correio Braziliense