O assédio moral costuma prosperar no serviço público, em razão da facilidade com que algumas posições de comando permitem a deturpação da relação entre subordinantes e subordinados.
Há muita doutrina produzida a respeito e as mais abalizadas defendem que o exercício de algum poder é necessário para que se concretize a perseguição reiterada e válida do assediador.
É importante afastar as meras desavenças, discussões não programadas e desentendimentos simples do instituto ora abordado, evitando que se comprometa a detecção do fato juridicamente relevante.
Quando alguém se utiliza de algum poder oficial ou circunstancial para promover condutas depreciativas, destinadas a abalar psiquicamente um trabalhador, minando sua autoestima, seja por reiteradas palavras de baixo calão, agressividade, deslocamento para atribuições humilhantes ou isolamento, por exemplo, então se está diante de assédio moral.
O objetivo maior é retirar do servidor seu espírito, sua garra, sua capacidade de trabalhar e interagir com seus colegas, fazendo com que sua saúde psíquica seja o reflexo de um ambiente diariamente insuportável.
Independente de qual seja a razão do agressor, o poder hierárquico que exerce torna sua atitude especialmente reprovável. E essa hierarquia não precisa ser oficial (chefia), podendo resultar do apoio de autoridades específicas que sobreponham a vontade daquele servidor sobre os demais, em uma liderança informal.
Durante algum tempo o Poder Judiciário se debateu sobre a definição da figura que ultrapassaria a velha equação da responsabilidade civil do Estado, em que o consequente dano moral gera o dever de indenizar a vítima.
Que o dano – moral ou material – decorrente de assédio atribuído a uma conduta de agente público acarreta o dever de indenizar pela responsabilidade objetiva do Estado, o § 6º do artigo 37 da Constituição da República é suficiente para compreender.
O Superior Tribunal de Justiça tratou de reiterados casos, apontando que o assédio moral, mais que mera provocação no ambiente profissional, envolve “uma campanha psicológica com o objetivo de fazer da vítima uma pessoa rejeitada”. Surgem “difamação, abusos verbais, agressões e tratamento frio e impessoal”.
No entanto, o STJ foi além e, sabiamente, enquadrou o assédio moral como ato de improbidade administrativa, decisão produzida no julgamento do Recurso Especial nº 1.286.466, em setembro de 2013.
Na análise do caso que suscitou o julgado, o STJ apreciou a conduta de um prefeito que “castigou” servidora a ele subordinada, em virtude desta ter noticiado determinados fatos ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. O castigo envolveu a permanência em uma sala de reuniões por quatro dias, ameaças de disponibilidade e férias forçadas.
O julgado surgiu em meio a discussões sobre a criação de uma lei específica para casos de assédio. Em verdade, demonstrou que legislação para isso existe, não obstante as tentativas aqui e acolá de se positivar algo mais adequado.
Nesse sentido têm sido os trabalhos da Frente Sindical e Associativa contra as Formas de Assédio no Serviço Público, entidade que se propõe como fórum para melhorar a apuração e punição dos envolvidos em práticas condenáveis.
Nas reuniões em que tivemos a oportunidade de opinar, discutiram-se modelos, anteprojetos de lei e eventos com a finalidade de consolidar o combate ao assédio moral, entre outras modalidades semelhantes de condutas incompatíveis com a função pública e o equilíbrio que se espera na interação constante das relações estatutárias.
É de se ponderar, porém, se há necessidade de algo mais no plano legislativo, pois para várias condutas há tipificação possível, seja no plano indenizatório, da lei de improbidade ou do Código Penal (no caso do assédio sexual, artigo 216-A, incluído pela Lei 10.224/2001). Por vezes, o excesso de detalhamento pode dificultar, em vez de facilitar a apuração, mas certamente as discussões a respeito chegarão à melhor conclusão.
Ainda sobre o assédio moral no serviço público, propondo alterações na Lei 8.112/90 (Regime Jurídico Único dos servidores da União), tramita no Senado o PLS 121/2009, de autoria do Senador Inácio Arruda, que aguarda pauta para votação na Comissão de Constituição de Justiça, com relatório pela aprovação do Senador Pedro Taques.
O tema é complexo, pois trata da deterioração dos ânimos diante de uma espécie de bullying no local de trabalho, que atinge a alma de quem sofre e compromete a organização das atividades, pois para quem não exerce com equilíbrio suas funções, abusando da fatia de poder que detém, o assédio moral pode se tornar costumeiro.
Não por acaso os regimes jurídicos dos cargos efetivos exigem urbanidade entre os profissionais que exercem suas atribuições e destes com o público. Cabe a cada um se conscientizar que suas razões não são absolutas e o respeito deve imperar. E quando há poder e subordinação, o cuidado deve ser redobrado.
Por Rudi Cassel
Fonte: Blog Servidor Legal