Por *Laércio Oliveira
O Brasil avançou muito em termos de transparência nos gastos públicos. Ainda que o acesso aos dados permaneça basicamente circunscrito aos familiarizados com a pesquisa pela internet, hoje é possível ter ciência de salários pagos aos servidores nas variadas esferas, às compras de produtos e serviços em licitações e ao aporte total de recursos às casas legislativas, para citar alguns exemplos.
No quesito arrecadação, contudo, permanece um véu sobre informações que, em tese, constituem direitos dos contribuintes. Uma prova inconteste dessa premissa é a estupefação geral, por parte dos consumidores, quando da realização anual do chamado “dia sem impostos”. Usualmente em 25 de maio, em alusão ao Dia Nacional de Respeito ao Contribuinte, esse movimento da sociedade civil reúne de supermercados a restaurantes e postos de combustíveis, que disponibilizam seus produtos com descontos significativos. Leia-se: cobram os preços reais, descartada a escorchante carga tributária que sobre eles incide.
Negar esse conhecimento detalhado aos contribuintes é criar obstáculos para que eles exerçam seu poder de escolha em plenitude. Em vários países, como nos Estados Unidos, não apenas os tributos incidentes sobre a comercialização de produtos são reunidos em um só imposto — o VAT (Value Added Tax) —, como os compradores têm acesso ao montante destinado aos cofres públicos, claramente exposto no cupom fiscal emitido ao fim de cada transação.
Recentemente, a revista americana Forbes ridicularizou brasileiros que se dispõem a pagar quase US$ 90 mil por determinada marca de carro que, nos EUA, tem custo inferior a US$ 30 mil. Em que se pese o fato óbvio de veículos importados não se enquadrarem como gêneros de primeira — nem de segunda ou terceira — necessidade, a crítica surge emblemática dos efeitos que os pesos dos impostos conferem aos padrões de vida das sociedades nos diferentes países.
No Brasil, decerto que a força-motriz e o alvo da queixa devem ser outros, bem mais dramáticos, dada a injustiça social que os impostos consolidam ao elevar o custo dos itens da cesta básica. Estudo da Fiesp demonstrou que, quanto menor a renda, maior o peso dos alimentos no orçamento das famílias brasileiras. Aquelas com ganhos inferiores a dois salários mínimos por mês (R$ 1.244), por exemplo, destinam 30% de seu rendimento à compra de alimentos. Lá em cima na pirâmide social, famílias que ganham mais de 25 salários mínimos (R$ 15,5 mil) gastam apenas 12,7% de seu orçamento com alimentação.
Como um dos grandes produtores mundiais de alimentos, o Brasil não pode aceitar que a maior parte da população seja prejudicada por uma carga de impostos desproporcional sobre produtos essenciais. O argumento de que essa adequação humanitária resultaria em impactos negativos à pujança econômica do país não resiste à mínima lógica. Primeiro porque, com mais e melhor comida à mesa, há probabilidade concreta de queda gradual nos gastos com saúde pública — terreno, como se sabe, hoje imerso no caos. Um segundo ponto, cuja pertinência vem se demonstrando na prática, é que, com o orçamento aliviado, as famílias passariam a consumir outros bens e serviços, num círculo virtuoso de movimentação da economia.
Aguarda votação pelo Senado o Projeto de Lei nº 3.154/2012. Por seus termos, se aprovado, o pacote de produtos alimentícios essenciais ficaria livre do Programa de Integração Social (PIS), da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O Projeto de Lei nº 1489/2011, recém-apresentado na Câmara dos Deputados, exige deixar explícitos os impostos pagos em cada produto, no respectivo cupom fiscal.
Embora diversos em seus objetivos, ambas as propostas comungam de uma mesma percepção: a de que, para construir de fato um Brasil moderno, norteado pela paz e pela justiça social, é inadiável operar transformações no sistema tributário vigente.
Começaríamos bem ao reduzir impostos sobre alimentos da cesta básica e ao garantir transparência a essa sobrecarga financeira com que arca diariamente o povo brasileiro, num cenário de afronta e desigualdade cujas vítimas são os que menos têm para pagar.
*Laércio Oliveira – Deputado federal (PR-SE), é presidente da Frente Parlamentar de Serviços e vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Fonte: Correio Braziliense