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abr/2014

Brasil precisa rever política de Segurança Pública

Por Sheila Fonseca – Portal Vermelho

Os últimos estudos sobre o mapeamento dos índices de violência no país apontam crise no atual modelo de segurança pública. O tema tem sido o centro das discussões em diversos segmentos sociais que destacam o atual modelo de gestão da polícia e falta de políticas públicas de redução da violência como os maiores problemas a serem enfrentados.

Dados da pesquisa divulgada pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americano (Cebela) “Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil” demonstram que houve aumento da criminalidade na região nordeste do país, que hoje lidera o ranking de crescimento da violência.

Segundo a pesquisa, Maceió é a capital mais violenta do país, registrando um aumento de 116,1% no número de homicídios, seguida por João Pessoa e Salvador. As taxas brasileiras estão acima dos níveis considerados toleráveis pela ONU, que ficam em torno de 10 homicídios por 100 mil habitantes. Na região sudeste, com uma taxa de 23,5, o Rio aparece em 19º lugar na lista. A cidade de São Paulo apresentou taxa de 10,4 e aparece na 25ª colocação. Ainda de acordo com o estudo, 70% dos homicídios no país são cometidos com armas de fogo.

Os índices envolvendo a impunidade de crimes contra a vida também possuem estatísticas alarmantes. É o que revela o estudo “Diagnóstico da Investigação de Homicídios no Brasil” publicado em 2012 pelo Conselho Nacional do Ministério Público, constatando que apenas entre 5% e 8% dos inquéritos abertos para determinar a autoria de homicídios no país resultam em denúncia segundo a média nacional, ficando cerca de 92% dos assassinos impunes.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgou relatório em 2012 pedindo ao Brasil maior rigor no combate à atividade dos “esquadrões da morte” no país. A Organização também pediu ao governo brasileiro para trabalhar no sentido de extinguir a Polícia Militar, acusada de numerosos homicídios extrajudiciais. O documento faz parte do Exame Periódico Universal, avaliação à qual todos os países são submetidos. O relatório também pede a reforma do sistema carcerário e destaca a necessidade do Brasil garantir que os crimes cometidos por agentes da polícia sejam investigados de maneira independente e que se combata a impunidade dos crimes contra juízes e ativistas de direitos humanos.

No último dia 12 de março, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou por unanimidade a moção 119/2013, de autoria da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB), que manifesta apoio à aprovação do PL 4471/2012, que propõe o fim dos autos de resistência. O projeto de lei altera o Código de Processo Penal e prevê a investigação das mortes e lesões corporais cometidas por policiais durante o trabalho. Atualmente esses casos são registrados pela polícia como autos de resistência ou resistência seguida de morte e não são investigados. “A aprovação do PL não é um ataque à corporação policial, mas uma defesa da vida, dos bons profissionais, da cidadania, da justiça e da correta apuração de crimes cujas vítimas têm sido, em grande maioria, a juventude negra e pobre”, afima Leci.

O antropólogo, cientista político, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, concorda que a desmilitarização é o caminho para a reorganização da segurança pública. Luiz Eduardo Soares é também um dos autores da PEC 51 que propõe o fim do órgão da polícia militar. “A aprovação da PEC 51 é decisiva para evitar, sobretudo, a brutalidade policial letal contra os mais vulneráveis e a criminalização da pobreza, processos indissociáveis da intensificação do racismo. A desmilitarização não será suficiente para que se alcancem esses objetivos, mas constituem passos indispensáveis”, declarou o antropólogo em artigo assinado publicado no Le Monde Diplomatique.

PEC 51

Dentre as propostas de reformulação da segurança pública no país, a que vem ganhando maior destaque entre especialistas é a PEC 51, que promove a unificação das polícias e maior aproximação com as esferas do judiciário. O senador Lindbergh Farias (PT), também autor da proposta, apresentou em setembro do ano passado a PEC ao Senado, onde se encontra em tramitação.

Lindbergh chama atenção para o legado de repressão contido na atuação da polícia como um resquício da ditadura. “Nas últimas décadas o Brasil mudou, mas o campo da segurança pública permaneceu congelado no tempo, prisioneiro da herança legada pela ditadura. Mantemos ainda nossos pés no pântano das execuções extrajudiciais, da tortura, da traição aos direitos humanos e da aplicação seletiva das leis”, ressalta o senador.

Luiz Eduardo Soares também defende a necessidade de transição da instituição das polícias como meio de acompanhar a evolução do processo democrático. “Não podemos mais adiar reformas nessa área, o Brasil mudou profundamente em todos esses anos, já havia operado a transição da ditadura para a democracia, as mais diferentes instituições se adaptaram ao novo contexto democrático, no entanto, a área de segurança permaneceu mais ou menos intocada. Não é possível que uma área tão importante para nós permaneça fora desse processo de transformação. Nós temos que estender a transição democrática, 25 anos após a promulgação da Constituição, à área da segurança pública.”

Um dos itens mais comentados sobre a PEC 51 é a possibilidade de plano de carreira para a classe policial, fazendo com que ganhe a adesão por parte da corporação. Esse é o caso de Danillo Ferreira, estudante de Filosofia, oficial tenente da Polícia Militar do Estado da Bahia e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para ele, a desvinculação das PMs em relação às Forças Armadas é positiva. “É algo muito reivindicado e esperado pela grande maioria dos policiais militares do Brasil. A vinculação das PMs às Forças Armadas submete o policial ao código penal militar e faz com que deixemos de ter direitos que qualquer outro indivíduo tem”, disse em entrevista à Rede Brasil Atual.

Entre as opiniões contrárias à PEC, está a do oficial coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro Paulo Ricardo Paúl. “Na justificativa da PEC se preocupam com a desmilitarização das Polícias Militares, mas não se preocupam com a gigantesca transformação que terão que sofrer as Polícias Civis, considerando que seus efetivos não possuem qualquer formação nas áreas do policiamento ostensivo e da manutenção da ordem pública. No tema específico do controle de distúrbios civis, tão necessário em tempos de protestos, a experiência dos policiais civis é nenhuma. Penso que não será fácil convencer aos atuais policiais civis que eles passarão a patrulhar a pé e em viaturas as ruas brasileiras”, comenta o coronel em seu blog sobre segurança pública.

Na opinião do senador Lindberg Farias, tragédias como a morte de Cláudia Silva Ferreira, de 38 anos, mãe de quatro filhos, baleada e arrastada durante operação policial no dia 16 de março por uma viatura da Polícia Militar não deixam dúvidas de que o modelo policial brasileiro precisa de mudanças. “Cláudia e Amarildo são símbolos da selvageria do Estado. Embora se reconheça avanços pontuais na área, casos como esses mostram que a segurança pública do país é ineficiente, anacrônica, convive com padrões inaceitáveis de violência; violência que se volta contra a população, mas é preciso ressaltar, também contra os próprios responsáveis pelos policiais”, observa o senador.

O papel da mídia no fomento à violência

Outro ponto que vem sendo discutido no país é o papel da mídia em casos de apologia ao crime, chamando a atenção de especialistas para a necessidade de mudança de enfoque. A recente polêmica em torno da cobertura do Jornal “SBT Brasil” em que a âncora Rachel Sheherazade defende a ação de grupo de justiceiros que torturou menor acorrentando-o nu em um poste, no Rio, reacende o debate sobre a responsabilidade da imprensa em casos de apologia ao crime. Rachel defende a ação do grupo, a quem chama de cidadãos de bem, e provoca: “Aos defensores dos Direitos Humanos lanço a campanha: adote um bandido”.

Na transmissão do dia 4 de fevereiro deste ano, Rachel declarou em editorial: “O marginalzinho amarrado ao poste era tão inocente que, ao invés de prestar queixa contra seus agressores, preferiu fugir antes que ele mesmo acabasse preso. É que a ficha do sujeito está mais suja do que pau de galinheiro. No país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes, que arquiva mais de 80% de inquéritos de homicídio e sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível. O Estado é omisso, a polícia é desmoralizada, a Justiça é falha. O que resta ao cidadão de bem que, ainda por cima, foi desarmado? Se defender, é claro. O contra-ataque aos bandidos é o que chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite. E, aos defensores dos Direitos Humanos, que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido”.

Imediatamente teve inicio repercussão na internet e nas redes sociais, marcada pela polarização entre comentários contra e a favor da jornalista. Em reação, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro divulgou nota de repúdio contra o que chamou de “grave violação de Direitos Humanos e ao Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros”.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB), líder da bancada do partido na Câmara, se posicionou entrando com uma representação junto à Procuradoria Geral da República contra Rachel Sheherazade e a emissora SBT, por incorrerem no crime de apologia ao crime tipificado no art. 287 do Código Penal. O procurador-geral da República e chefe do Ministério Público Federal, Rodrigo Janot, aceitou a representação contra a apresentadora afirmando que “liberdade de imprensa não inclui incitação ao crime”.

Jandira Feghali afirma que o caso deve servir de parâmetro. “A emissora vai ter de assumir. Não estamos provocando a Rachel Sheherazade, é o SBT que está em questão. Não é uma questão dela especificamente, mas dela vinculada ao canal. A gente espera que isso sirva de parâmetro para outras TVs”, disse em entrevista ao Congresso em Foco.

O jornalista, ativista de Direitos Humanos e escritor Celso Lungaretti, autor do livro Náufrago da Utopia: Vencer ou morrer na guerrilha aos 18 anos, alerta para a questão da responsabilidade da imprensa como formadora de opinião e para o risco de apologia à violência. “Das funções tradicionalmente atribuídas à imprensa, eu diria que, hoje, a de informar é mal cumprida. Certos assuntos recebem destaque exagerado, porque vêm ao encontro dos piores instintos dos leitores. A informação acaba sendo apenas uma mercadoria, como qualquer outra. Se há quem compre, será fornecida à saciedade, pouco importando o mal que cause. Mesmo quando o jornalista se mantém aparentemente neutro em relação à marcha para a barbárie, na verdade a estimula ao dar tanto destaque à barbarização do homem pelo homem.”

Para Lungaretti há um erro de enfoque proposital “Quando um jovem já rendido sofre tratamento tão cruel, o foco deveria ser: por que aqueles cidadãos supostamente respeitáveis e trabalhadores, em determinadas circunstâncias, tornam-se bestas-feras? O que está levando nossa sociedade à tão terrível desumanização? Quanto tempo demorará para lincharem equivocadamente um inocente? Quando enfocamos algo tão cruel, temos de tomar partido. O partido da civilização contra a barbárie”, diz.

Fonte: Portal Vermelho

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