Os concursos públicos atraem uma multidão de candidatos — estima-se que 12 milhões de brasileiros por ano —, mas ainda carecem de regulação no Brasil. Há brechas, por exemplo, na preparação e divulgação de editais, na elaboração de provas e na convocação dos aprovados. Isso alimenta queixas de candidatos, motiva ações judiciais e, sem dúvida, não faz bem aos cofres públicos. Só no Rio de Janeiro, 15% de todas as 100.000 reclamações que chegaram à ouvidoria do Ministério Público estadual nos últimos dois anos são referentes a concursos públicos. É apenas uma fração do problema.
Desde 1990, a carreira do servidor público é regida pela lei 8.112, que reserva apenas dois artigos para a regulamentação de concursos. Segundo o texto, o processo de seleção deve ser realizado por meio de provas e tem validade de dois anos, podendo ser prorrogado por mais dois. Além disso, os órgãos que realizam a concorrência ficam obrigados a explicar as regras da disputa. “Muitas cidades têm dificuldade em contratar empresas experientes para realizar o concurso. As provas acabam sendo feito às pressas ou por pessoas mal qualificadas, aumentando não só as chances de erro como também de fraude”, diz Maria Thereza Sombra, presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac). Diariamente, a associação recebe uma média de 50 e-mails com queixas de concurseiros que se sentem lesados. A maioria deles se refere a concursos feitos por um dos 5.570 municípios brasileiros.
De olhos nas brechas legais, ao menos 16 projetos de lei tramitam no Congresso Nacional desde 2000. O principal deles é o PL 74/2010. Incorporando ideias de vários outros, ele ganhou força no Congresso, além do nome de Estatuto do Concurso Público. O texto está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e deve ser votado ainda no primeiro trimestre de 2013. Em seguida, vai à Câmara. Se aprovado, segue para sanção da presidente Dilma Rousseff.
Entre outros assuntos, o projeto pretende impor limites para o valor da taxa de inscrição nas provas, dar transparência a editais e dispor sobre o chamado cadastro de reserva. A taxa de inscrição não poderá ser superior a 3% do valor da remuneração inicial do cargo em disputa. Em um concurso para a vaga de auditor da Receita Federal, por exemplo, cuja remuneração inicial é de 13.600 reais, a taxa não excederia 408 reais. “A regra seria muito bem-vinda, pois evita distorções muito comuns. Há provas que cobram taxas de 200 reais para cargos cujos salários não chegam aos 2.000 reais”, diz Stenberg Lima, do curso Eu Vou Passar.
Outro ponto é o que disciplina a divulgação das provas. O projeto prevê que o edital sobre o concurso seja publicado ao menos 90 dias antes da realização da seleção. Isso garantiria que todos os interessados tenham tempo hábil para realizar inscrições. E evitaria também suspeitas de favorecimento, como a registrada pelo advogado Bernardo Brandão, advogado especialista em administração pública. Segundo ele, um concurso para merendeiras em uma cidade fluminense teve inscrições abertas em um dia, e fechadas no dia seguinte. “É absurdo. Isso, é claro, dificulta a ampla participação dos candidatos na prova.”
O cadastro de reserva é o ponto mais ruidoso, motivo de queixa de nove em cada dez concurseiros. Trata-se de um recurso utilizado pelos órgão públicos para formar uma espécie de “banco de talentos”, com nomes de candidatos aprovados em concursos, mas não convocados para assumir postos públicos por falta de vagas. Atualmente, o cadastro é mantido durante o período de vigência dos concursos: os aprovados são empossados caso surjam vagas — em virtude de aposentadoria, exoneração ou morte de servidores, ou ainda em razão da abertura de novas vagas na administração. Não há obrigatoriedade, porém, da convocação.
Projetos que correm no Congresso prometem extinguir os concursos feitos com o objetivo de formar os cadastros de reserva. O principal argumento para isso é que esses concursos iludem os concurseiros. Pode ser bom para os candidatos, mas não para o estado.
Ao realizar concursos com esse mecanismo, os diferentes órgão públicos atuam como empresas que guardam currículos de bons profissionais. Quando há necessidade, eles são convocados, sem a demora comum à realização de um novo concurso. “Deve-se questionar se o fim do cadastro de reserva de fato é bom para o estado. A engrenagem pública necessita de certa flexibilidade, assim como empresas privadas. Sepultar completamente o cadastro de reserva pode ser um equívoco”, diz Álvaro Martim Guedes, professor de administração pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Sem o cadastro, os órgão públicos teriam de informar o número exato de vagas que serão abertas na administração ou realizar um novo concurso cada vez que um posto se abre.
O relator do PL 74/2010, senador Rodrigo Rollemberg (PDB-DF), garante ter ouvido todas as parte envolvidas no assunto. “Trabalhamos um ano na redação final do projeto. A preocupação foi entender as carências legais de cada um dos lados”, afirma o senador.
“A criação de um respaldo legal será boa para todos”, observa o professor Guedes, da Unesp. O especialista ressalva, contudo, que os legisladores devem estar atentos na elaboração da lei, sob risco de engessar a máquina pública com decisões como o fim do cadastro de reserva. Garantir a eficiência do estado nada mais é que zelar pelo dinheiro do contribuinte.
Fonte: Revista Veja