Há pouco mais de cinco anos, Wanderley Marques Martins mudou a trajetória de sua vida. Graduado em matemática, o segundo sargento do Exército no batalhão de infantaria de fronteira em Corumbá/MS foi nomeado como policial rodoviário federal. Sua missão passou a ser proteger as rodovias brasileiras em Porto Velho, capital de Rondônia, também região fronteiriça. Sob o nome de guerra de W. Marques, o policial conheceu uma realidade diferente e resolveu fazer algo para mudar o cenário.
Ao ver colegas PRFs serem mortos em situação evitáveis, Marques utilizou seu conhecimento em matemática para levantar dados sobre as causas que levam policiais rodoviários federais a morrerem em plena atividade. Os resultados do estudo surpreendem e assustam. Em um recorte, de janeiro de 2017 a julho de 2018, 40% das mortes de PRFs aconteceram em decorrência de acidentes de trânsito durante o trabalho, outras 30% por suicídio.
“É uma pesquisa que caso queira aprofundar, tem muito o que oferecer. Só o fato de ela ter acendido essa luz entre os policiais já me deixa satisfeito, o fato de fazer os policiais pensarem sobre suas atividades já me deixa feliz. Com esse estudo, você tem uma base concreta dos números da vitimização dos policiais rodoviários federais, não ficamos mais no achismo”, defendeu o pesquisador.
A Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF) aproveitou que W. Marques estava em Brasília para uma missão e o convidou para um bate-papo sobre o trabalho de excelência feito pelo policial. Acompanhe abaixo a entrevista com Wanderley.
– A partir do momento que ingressou na Polícia, a atividade de policiamento na estrada era muito mais complexa do que a ideia que você tinha? Algo te assustou nesse início de caminhada?
Os dois primeiros plantões foram surpreendentes. Todos os policiais que haviam acabado de formar foram ao posto para conhecer. Foi interessante que teve uma ocorrência que disseram haver uma moça engatinhando na rodovia. Ao chegar lá, na verdade, não era uma moça. Se tratava de um travesti que estava totalmente drogado andando na pista de quatro pés. Ele foi levado ao posto na caçamba de uma caminhonete por um usuário.
Pouco tempo depois, estávamos eu e um colega, os dois novinhos. Nos deparamos na situação de embriaguez ao volante. O motorista se envolveu em um acidente com um mototaxista. Os outros mototaxistas estavam querendo linchar ele, por estar bêbado. Nessa situação pensamos, e agora? Nós dois inexperientes, o que a gente vai fazer aqui? O pessoal queria linchar o cara, tínhamos que levá-lo preso e o motociclista tinha que ser levado ao hospital. São coisas que não aprendemos na academia, além de termos que tomar a decisão ali na hora. Meu colega olhava para mim e falava: “e agora, cara?” E eu só dizia: vamos ter que resolver. Trabalhar em Porto Velho/RO foi uma escola, em quatro meses vivemos situações que muita gente não passa em uma carreira. Estupro, roubo, sequestro, atendemos de tudo.
– Como você teve a ideia de fazer a coleta dos dados das mortes dos Policiais Rodoviários Federais, o que motivou?
Surgiu a oportunidade de fazer essa especialização, um curso promovido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), eu pensava na questão da abordagem policial, um procedimento teórico para fazer a abordagem, a melhor maneira. Durante o decorrer do curso aconteceram duas mortes de colegas PRFs, a do Hamilton Safira, instrutor de tiro do Departamento; e um mês depois aconteceu uma outra morte em circunstâncias muito parecidas, do colega chamado Caribé, que era lotado em Porto Velho/RO e foi passar férias na Bahia. Com a diferença de um mês perdemos dois colegas em situações muito parecidas e isso me motivou a mudar a vertente da pesquisa. Eu queria de alguma maneira mostrar para os colegas o modo que a gente estava morrendo e que poderia ser evitado com mudanças de hábitos. Foi isso que me motivou, a morte de dois colegas, um bastante experiente, com mais de 20 anos de polícia e o outro inexperiente, com pouco mais de um ano de polícia.
– Você acha que o estudo poderá ter algum impacto no planejamento do trabalho dos PRF por parte dos superintendentes e dos diretores do DPRF?
A gente conversa aí Brasil afora com os colegas em postos, operações que participo e vi que alguns já mudaram seus hábitos. Eu mesmo já mudei o meu. Às vezes a gente quer andar armado junto da família achando que vai dar uma proteção e muitas vezes não é isso que acontece. Ao invés de estarmos provendo a segurança estamos na verdade diminuindo a nossa própria segurança. O objetivo da pesquisa não é que o policial ande desarmado mas sim que ele esteja atento quando estiver portando sua arma, prestando atenção às novas modalidades de crimes, que não são feitos mais em duplas mas em trios. O policial tem que estar atento o tempo todo.
– Como foi a recepção deste estudo por parte dos policiais que estão na pista, em atendimento direto à população?
A primeira reação do pessoal é de admiração, ficam surpresos com os dados. Muitos não sabem da quantidade. Essa pesquisa é pioneira, eu não conhecia nada que versasse sobre a vitimização fatal de PRFs. Pesquisei bastante na internet, em livros e não vi nada relacionado ao assunto. Então, primeiro eles ficam admirados com a motivação dessas mortes e depois eles parabenizam.
A maioria afirma: parabéns pelo seu trabalho, é importante a gente saber como que nós policiais temos sidos vitimizados para talvez mudarmos esse cenário. E de alguma maneira, se verificarmos em 2016, que foi quando encerrei a pesquisa, morreram nove policiais e 2017 foram cinco, então houve uma queda de quase 50%, é um número relevante. Não sei se a pesquisa teve alguma coisa a ver com isso mas fico feliz com a diminuição deste número.
– Os resultados do estudo, com o alto número de mortes de policiais no trânsito, te assustou em relação às outras causas?
Se a gente conversasse mais sobre essa vitimização poderia haver essa mudança de procedimentos. Nos últimos dois anos, 2017 e 2018, foram 10 mortes de policiais rodoviários federais, dessas, quatro mortes foram em decorrência de acidentes de trânsito em serviço. Quem sabe a gente conversando mais sobre isso, sobre latrocínio, homicídio, quem sabe a gente não conseguisse evitar uma morte que seja, né?!
– Estamos perto de um concurso. Você pretende dar continuidade nesta pesquisa instruindo o pessoal ainda no curso de formação, mostrando os dados coletados?
Eu acho que não teria problema nenhum em ser apresentado. Antes deve ser submetido à divisão pertinente na polícia e acho que não teria problema. É importante, é uma forma de divulgar. Eles serão os novos policiais e têm que saber onde correm os maiores riscos. Somos os responsáveis por prover a segurança no trânsito e temos morrido de acidentes de trânsito. Tanto a pesquisa que começou com os dados de 2007 a 2016 mostram que mais de 50% das mortes ocorrem de acidentes de trânsito. Estes números se confirmaram em 2017 e 2018, continuam mais de 50% das mortes de PRFs ocasionadas por acidentes de trânsito. Sendo que os acidentes em serviço aumentaram em relação aos ocorridos fora de serviço.
– Esse alto índice de morte de policiais no trânsito te assustou, você sendo um policial jovem na carreira?
Não imaginávamos que o número não seria tão alto assim, principalmente em serviço. Quando olhamos o percentual de 2007 a 2016 é de 26% de vitimizações fatais relacionados a acidentes de trânsito em serviço. A probabilidade aumenta pelo fato de estarmos sempre dirigindo ou dentro de uma viatura. Já em 2017 e 2018 o número aumentou bastante, aumentou para 40%. Isso acende uma luz vermelha. Será que estamos agindo corretamente quando entramos nas viaturas? Estamos inspecionando-as? Estamos utilizando o cinto de segurança? Será que nossas viaturas possuem os equipamentos necessários para nossa segurança? A ideia é que a pesquisa sirva para estimular até na escolha na hora da polícia comprar novos veículos e equipamentos.
– O estudo apontou o suicídio como uma das principais causas de mortes de PRFs. Qual medida você acha que poderia ser tomada para que haja diminuição deste número?
Eu tenho um amigo que é médico, trabalha comigo na delegacia de Petrolina que é um entusiasta na questão da prevenção de suicídios, tanto ele quanto outras pessoas que trabalham na prevenção do suicídio afirmam que a melhor maneira é conversar, ver se a pessoa está passando alguma dificuldade, avaliar se ela está com algum comportamento fora do normal. Eu acredito que podemos fazer alguma coisa, conversar mais sobre isso, fazer palestras. É um tema muito pouco abordado. Queremos direcionar a pesquisa agora para saber se a atividade do profissional interfere na causa do suicídio ou não. Acreditamos que possa ter alguma coisa a ver, até porque 100% dos casos de PRFs que cometeram suicídio foi com a arma funcional.
– Na sua opinião, há falta de interesse do Governo em lidar com os suicídios entre policiais? Há um tabu nesta pauta?
O tabu na verdade não é só por parte do Governo, é da sociedade em um todo. Os próprios casos de suicídio não são divulgados, não há notas, reportagens que falem sobre isso. A imprensa acredita que isso possa estimular. Se conversa pouco sobre o suicídio.
– Clique aqui e confira na íntegra a pesquisa realizada pelo PRF.