A falta de informação e de equipamentos públicos para atendimento às mulheres é uma das principais causas da não aplicação da Lei Maria da Penha (11.340/06). Para as participantes na audiência pública realizada nesta terça-feira pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre a Violência contra a Mulher, é preciso maior empenho do Poder Público para proteger de forma eficaz a população feminina de agressões e assassinatos.
Os participantes discutiram as barreiras ao combate à violência contra as mulheres e apontaram medidas que poderiam favorecer a aplicação de leis em defesa da mulher.
A representante da Marcha Mundial de Mulheres, Sônia Maria Coelho Orellona, criticou o fato de os estados destinarem poucos recursos para combater a violência. “É impossível enfrentar a violência contra a mulher se os governos não têm orçamento para isso. Precisamos de fundos públicos que tenham verbas direcionadas para o problema.”
Ela destacou que o número de equipamentos públicos para enfrentar a violência e acolher as vítimas, como centros de referências, casas-abrigos, delegacias, juizados especializados, defensorias e promotorias especializadas, é insuficiente para o tamanho da população feminina. Outro problema é que a maioria deles está centrado nas capitais. O campo e o interior ficam desprovidos.
Despreparo do Judiciário
Segundo dados da pesquisa nacional de amostra de domicílios (PNAD) de 2009, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do total de mulheres agredidas, 25,9% foram vítimas de seus cônjuges ou ex-cônjuges. A presidente da Comissão Nacional de Advocacia Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Meire Lúcia Gomes Coelho, que apresentou os dados, mostrou que 43,1% das mulheres já foram vítimas de violência em sua própria residência.
Para a representante da OAB, existe legislação, mas falta preparo do Poder Judiciário. Ela considera que a morosidade nos processos judiciais e o despreparo dos agentes públicos para lidar com o problema causam uma sensação de impunidade que perpetua o ciclo de violência.
Meire Lúcia citou casos de violência e impunidade, que segundo ela demonstram ser a lentidão do aparelho judicial um fator de entrave ao combate efetivo da violência. Ela defendeu a aprovação do projeto de lei (PLS) 37/10, da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), que determina, nos casos de violência doméstica, um prazo máximo de 48 horas para a conclusão dos inquéritos policiais, independentemente de o réu estar solto ou preso.
Ela sugeriu a criação de programas federais para orientar e capacitar as mulheres que recebem medidas protetivas, além da melhor preparação de juízes para aplicar a Lei Maria da Penha, e também de policiais que, segundo ela, não conhecem os problemas específicos tratados pela lei.
Campanhas de esclarecimento
A presidente do Centro Popular da Mulher (CPM), entidade ligada a União Brasileira de Mulher (UBM), a advogada Ana Carolina Barbosa, defende mais informação para que as brasileiras vítimas de violência saibam quem procurar para prestar queixa e receber atendimento adequado.
De acordo com Ana Carolina, pesquisa da UBM com a Secretaria de Políticas para as Mulheres revelou que 76% das mulheres não conhecem as varas adaptadas de competência da Lei Maria da Penha; 71% não conhecem os serviços de abrigamento; 72% não sabem o que é um centro de referência, 67% não conhecem uma defensoria pública, 58% não sabem onde fica o juizado especial de violência doméstica e familiar; 56% não ouviram falar o que é uma casa abrigo e 32% não conhecem e nem sabem onde ficam as delegacias especializadas.
“Essa parte da prevenção e da divulgação da Lei Maria da Penha ainda precisa melhorar, mas esse é um esforço grande por que a lei só tem cinco anos. A sedimentação e o aperfeiçoamento dos mecanismos que já estão colocados na própria lei só tende a melhorar.”
Sonia Maria também defende campanhas de esclarecimento para as mulheres vítimas de violência como forma de prevenir novos casos. “O Brasil é um país que tem condições de fazer campanhas prevenindo violência, de colocar esses conteúdos na escola, de ter equipamentos suficientes para atender as mulheres. Acho que é organizar uma política de atendimento e principalmente de prevenção.”
Ana Carolina propõe também uma reflexão sobre a aceitação da violência contra a mulher na nossa sociedade. “Ainda permanece na sociedade brasileira uma visão míope de que os crimes cometidos contra as mulheres são crimes passionais, ou seja, justificáveis pelas ações do amor monogâmico e opressivo”, assinalou.
A representante da OAB Meire Lúcia também considera fundamental a aprovação de projeto que prevê a igualdade de salários entre homens e mulheres.
Contribuição para o relatório
A presidente da CPMI, deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), explicou que as informações obtidas na audiência serão utilizadas para nortear a elaboração do relatório. Jô Moraes destacou que o conceito de “feminicídio” defendido pelas entidades representativas de mulheres pode ser adotado pela CPMI no relatório, alterando o processo judicial nos casos de violência contra a mulher.
“Acho que eles deram uma radiografia muito concreta e rica sob a ótica das mulheres. A ideia concebida e proposta pela União Brasileira das Mulheres do conceito de feminicídio pode nos levar a alterações processuais na legislação penal que faça com que a gente alcance resultados mais positivos na punição dos culpados.”
A CPMI vai ouvir ainda nesta semana movimentos de mulheres vinculadas a indígenas e quilombolas e mulheres do campo. Na próxima semana serão ouvidos os representantes dos ministérios da Saúde, da Educação e da Justiça.
Fonte: Agência Câmara de Notícias