Bilhete de assessor revela que José Eduardo Cardozo teve de montar um “plano de fuga” e deixar o Senado pelo subsolo, após audiência sobre reforma do Código Penal. Tudo para não enfrentar protesto de grevistas da Polícia Federal.
“Não separo a paixão da razão. O problema é quando a paixão entorpece a razão” José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu a retirada de temas religiosos e que geram posicionamentos apaixonados do projeto de lei do novo Código Penal, em audiência pública realizada no Senado. Ele sugeriu que os tópicos sejam debatidos e tramitem separadamente, para evitar que a discussão não se resuma a aspectos considerados polêmicos, como o aborto, a eutanásia, a homofobia e a descriminalização do uso de maconha.
As alterações referentes a esses itens vêm monopolizando as reuniões da comissão especial formada para deliberar sobre o novo código. “Não separo a paixão da razão. O problema é quando a paixão entorpece a razão. Meu temor é que se tome a parte pelo todo. Eu não me omitiria da discussão, mas acho que (esses aspectos) deveriam ser tratados paralelamente ao código”, afirmou Cardozo, referindo-se à lei seca como exemplo do que poderia tramitar em projeto de lei separado.
Cardozo reconheceu a necessidade de mudanças na legislação penal. “Outros países já fizeram essa mudança. Estamos atrasados.” Ele admitiu, porém, discordar de parte do conteúdo do anteprojeto entregue pela comissão de juristas, responsável pela elaboração do documento que está em debate no Congresso. O ministro se disse contrário, por exemplo, à redução da maioridade penal para 16 anos.
Cardozo apontou falhas que dizem respeito, inclusive, à pasta que ele comanda. Citou o sistema penitenciário. “Há estabelecimentos penais que são grandes fábricas de criminosos. Ainda temos 60 mil presos em delegacias, em condições inaceitáveis.” Questionado pelo relator do projeto, senador Pedro Taques (PDT-MT), o ministro se posicionou favoravelmente à tipificação do crime de terrorismo, desde que não abranja eventuais ações de movimentos sociais.
A audiência começou com Pedro Taques atirando na direção do ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. Segundo o senador, ele criticou a proposta do novo código, afirmando que os ministros que a elaboraram não estudaram o suficiente: “Foram críticas arrogantes, que mostram empáfia e desrespeito”, disparou o relator.
Drogas
Mais ágil na apreciação de outro projeto de reforma do Código Penal, que tramita na Câmara dos Deputados, a Subcomissão de Crimes e Penas da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou, ontem, o relatório do deputado Alessandro Molon (PT-RJ). Entre outros itens, o relatório diferencia, de forma objetiva, o usuário do traficante de drogas. Se a quantidade de entorpecente apreendido corresponder ao consumo médio individual do período de cinco dias, o indivíduo será considerado usuário e, portanto, livre de prisão, embora o crime de uso continue existindo.
Os enquadrados nesse delito podem ser encaminhados para tratamento ou terem de prestar serviços à comunidade. A Anvisa fica responsável por determinar a quantidade correspondente ao consumo diário. A matéria segue para a CCJ, antes de ir ao plenário. Se aprovada, será enviada ao Senado, que também discute a reforma. A proposta que demorar mais para ser aprovada será apensada à outra.
Fonte: Correio Braziliense