Por Rafael Augusto Simões
Eu sinto vontade de escrever não um e-mail, mas um livro.
Tenho vontade de falar por horas acerca da desunião de uma classe, de como as pessoas se regozijam simplesmente por prejudicar o alheio e em como muitos, a pretexto de uma falsa moral, invertem a ordem do que é certo e utilizam-se de entendimentos diversos perante uma mesma situação, a depender do fim visado.
Nós não podemos nos calar, pois o preço a ser pago seria alto demais. Não podem simplesmente usurpar-nos as horas trabalhadas em excesso baseando-se no frágil argumento da não regulamentação do banco de horas. É muita hipocrisia descumprir a lei em benefício da administração e em detrimento do servidor com o argumento de que um dia poderá haver uma responsabilização por algo que de maneira alguma é ilegal.
O banco de horas não é regulamentado? Regulamentem! É difícil fazer uma minuta de portaria e levarem à discussão com chefes e representantes sindicais? Se houver algum óbice por parte da administração e “seus” servidores eu me disponibilizo para redigir o documento. Posso gastar o meu precioso tempo para isso (e não irei cobrar por minhas horas trabalhadas). Parece que a administração do DPRF gosta dessa ideia de trabalho escravo (só umas horinhas a mais). Tragam a chibata. Eu me coloco à disposição para fazer essa hora extra especificamente. A causa é nobre. É a luta de uma categoria que quer simplesmente trabalhar o que a lei determina que trabalhem, nem um minuto a mais sem que sejam indenizados para isso. Somente aquilo que é justo.
Lembro-me de uma minuta que tentaram empurrar-nos goela abaixo, com a previsão de os policiais em serviço de escala trabalharem duzentas horas mensais, qualquer que fosse o mês. Mas hein? Duzentas horas? Quem foi o gênio que encontrou a solução para o problema do efetivo da PRF? Basta fazer os policiais trabalharem a mais! Vou parar de escrever por cinco minutos para aplaudir essa louvável iniciativa.
Tenho certeza de que o autor dessa ideia não é o mesmo que hoje tem o poder de regulamentar o banco de horas. Se ainda hoje falta coragem para regulamentar algo tão simples, naquele tempo sobrou valentia para propor algo não meramente ilegal, mas flagrantemente inconstitucional. Tão inconstitucional que teria feito Ullysses Guimarães, pai de nossa Carta Cidadã, revirar no caixão, houvera sido encontrado seu corpo para jazer no féretro.
Esses fatos me levam a crer que o que falta para resolver esse problema não é denodo. Pode ser que falte bom senso, boa vontade, empatia, justiça… Mas bravura não, porque quem tem coragem para imaginar um dispositivo tão absurdo, a teria para qualquer coisa.
O maior problema de tudo é que a decisão afeta somente quem trabalha na área fim, mas é tomada por quem trabalha na área meio. É triste imaginar duas polícias diferentes quando sabemos que somos uma única instituição. Sabemos, mas não a tratamos como tal. A todo tempo buscamos a diferenciação. E isso se torna extremamente grave quando a própria administração nos diferencia. Foi isso que ela fez quando tratou desigualmente as compensações de horas pela atividade física. Foi a isso que ela deliberadamente visou quando teve a genial ideia de propor um regime de duzentas horas mensais somente para alguns de seus servidores. E foi em nome da segregação (disfarçada de legalidade), que determinaram aos superintendentes de RJ, MG e BA que revogassem as instruções de serviço que, enfim, igualavam em quantitativo de horas os servidores administrativos e operacionais. Esses senhores deveriam ter sido exaltados por seu senso de justiça, coragem e vanguardismo. Mas foram dura e injustamente reprimidos por uma administração “zelosa”, que teme represálias quando se está cumprindo a lei e demonstra galhardia para fazer com que milhares de homens trabalhem além daquilo que a lei lhes determina.
Apesar de tudo, não podemos nos calar. A PRF é feita por policiais honestos, sensatos e batalhadores. E essas qualidades estão presentes em ambos, administrativos e operacionais. Porém, as decisões são tomadas por somente uma parcela, a quem falta boa vontade para enxergar o óbvio e saber distinguir o legal e o ilícito. E é tudo tão simples: trabalhar acima de quarenta horas semanais é ilegal. Se o serviço de escala é atípico, a solução também deve ser. E a regulamentação do banco de horas não é nenhuma subversão como fingem acreditar alguns. Encontrem a fórmula que quiserem, mas não escravizem seus servidores com ares de quem lhes quer bem.
Rafael Augusto Simões é analista legislativo da Câmara dos Deputados, bacharel em Direito e especialista em Ciências Penais. Recentemente deixou a carreira de policial rodoviário federal.