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jan/2012

Práticas corriqueiras dificultam aplicação da Lei de Acesso à Informação

Uma pesquisa recente da Controladoria-Geral da União (CGU) com 986 servidores de toda a Esplanada revelou que 47,6% deles pensam que a informação pública pertence ao governo. Com isso, dados corriqueiros, como o nome dos ministros que se reúnem com a presidente Dilma Rousseff ou o quanto foi pago em diárias a um procurador da República, são negados como se fossem questões de segurança nacional. Mas a iminente entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação Pública, em maio próximo, deve mudar isso. Agora, o texto sancionado pela presidente em novembro passado explicita o que era defendido há anos pela sociedade: o acesso à informação pública deve ser assegurado à sociedade, sem condicionantes.

De acordo com a lei, Executivo, Legislativo e Judiciário, em todos os níveis, órgãos e estatais, devem adotar a transparência como regra e o sigilo, como exceção. Isso inclui respostas a perguntas que, hoje, os Três Poderes se recusam a dar. É o caso de dados sobre as atividades e a organização dos governos ou a implementação e a execução das políticas públicas, que são negados por uma série de ministérios. O empurra-empurra e as alegações como “ainda não é o momento para divulgar” geram o extremo de não se informar o conteúdo de uma reunião. Como em 16 de novembro, quando a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, debateram o plano de combate ao crack. Com isso, assuntos de interesse público ficam guardados a sete chaves, como se pertencessem ao governo, e não à sociedade.

Segundo o diretor executivo da ONG Transparência Brasil, o economista Cláudio Abramo, a falta de transparência nesses e em outros dados dificulta a fiscalização pública sobre os governos. Saber com quem exatamente a presidente se reuniu e o que se discutiu permite à sociedade não só entender a que se dedica a pessoa eleita para governar o país, como também com quem ela discute temas públicos. “Esse é o tipo da coisa que faz a gente chegar mais perto da importância dessa legislação. É claro que nem toda reunião que a pessoa tem é pública. Se a Dilma tem um encontro político com o Lula, seria absurdo exigir que se divulgue o conteúdo. É uma questão de bom senso”, defende.

Abramo vislumbra uma batalha judicial pela frente, na medida em que as informações, à revelia da lei, continuem sendo negadas pelos órgãos e, talvez, pela própria CGU. Pelo texto, quando um pedido de informação é negado, deve ser dada uma justificativa para a recusa. A partir daí, o cidadão pode recorrer à CGU para reivindicar o dado e, em última instância, à Justiça. “Vai demorar um tempo até que isso seja respeitado direito pelo governo”, avalia o economista.

Cultura
A existência, entre o funcionalismo público, de uma cultura de que a informação pertence ao governo, e não à sociedade, foi comprovada na pesquisa feita pela CGU no segundo semestre do ano passado. O levantamento, com servidores de diversos escalões, mostrou como é grande o arbítrio pessoal sobre o que é ou não informação pública.

A mesma cultura de falta de acesso impregnada no Executivo predomina no Legislativo e no Judiciário. Seja no Senado ou na Câmara, a cópia de um contrato firmado com uma empresa de manutenção, por exemplo, não é passada ao cidadão que a requisitar. A publicação automática de dados e documentos na internet facilitaria esse acesso. Atualmente, muitas das informações, principalmente do governo federal, estão disponíveis na internet. Mas nem sempre são fáceis de achar.

Os salários dos servidores públicos são um exemplo. Sua publicação já era obrigatória antes mesmo da Lei de Acesso, mas encontrá-los é uma tarefa árdua. No âmbito do governo federal, estão publicados no site do Ministério do Planejamento em uma tabela dentro de um arquivo que deve ser baixado de um segundo site hospedado na pasta. Mas os vencimentos não são informados individualmente. Hoje, apenas a prefeitura de São Paulo divulga o salário de cada funcionário, com o nome ao lado. A prática já foi assegurada por decisão do Supremo Tribunal Federal.

986
Número de servidores da Esplanada que participaram da pesquisa da CGU

Três perguntas para
Cláudio Abramo, diretor executivo da ONG Transparência Brasil

Quem é o “consumidor” de informação pública?
Sua publicação não visa o público em geral. Essas informações servem para as organizações não governamentais, a academia e a imprensa. São eles que exercerão a demanda e vão se debruçar sobre os dados.

Quais dificuldades o senhor vê para a aplicação da lei?
Há muitas áreas cinzentas. Existe uma prática de omitir, de fazer corpo mole na hora de liberar dados. Acho que, no início, muitos pedidos serão negados e vão terminar na Justiça. Muitos governos vão fazer isso de propósito, para cansar quem requisita as informações e forçar a desistência.

O mesmo deve ocorrer com os dados negados pelo Judiciário?
Claro. Por exemplo: como são tomadas as decisões do que entra ou não na pauta do STF? Como se chega a essas decisões? É a mesma coisa nos tribunais de Justiça. Quem determina a pauta do plenário e das turmas? É exigível requisitar ao STF as justificativas. A lógica da lei é a mesma, também para eles. Há um livro de perguntas. O mesmo no Ministério Público. Fundamentalmente, o MP precisa defender a sociedade contra malfeitorias. Mas não temos dados sobre quantos desses processos que entram por ano são recebidos pela Justiça. Quantos processos eles ganham na primeira instância? São indicadores de desempenho, que deveriam ser públicos.

Pastas se mobilizam

Ações para que a lei saia do papel em maio são planejadas em diferentes órgãos. O governo federal já colocou uma versão experimental do Portal Brasileiro de Dados Abertos (beta.dados.gov.br). O portal, com lançamento oficial previsto para este ano, publicará uma gama variada de informações públicas, que possam ser acessadas de forma mais fácil.

Na última quinta-feira, a CGU e a Casa Civil reuniram representantes de toda a Esplanada para passar as diretrizes básicas sobre a execução da lei. Todos os órgãos e entidades do governo federal deverão divulgar na internet um rol mínimo de informações, incluindo licitações, contratos e resultados de auditorias. A divulgação se dará em página específica sobre o assunto, cujo modelo será passado pela CGU.

Cada órgão terá ainda um Serviço de Informações ao Cidadão (SIC), em local de fácil acesso e com pelo menos dois servidores treinados para receber, processar e gerenciar pedidos de acesso a dados. Em março, começarão os treinamentos.

O Ministério Público Federal também promete incluir os registros das despesas com os procuradores em seu site. A Presidência da República afirmou que já divulga diariamente a agenda de Dilma Rousseff, mas não explicou por que muitos encontros sobre assuntos públicos que a presidente tem não constam na agenda.

MEMÓRIA
Debate no Congresso

Em outubro passado, os senadores aprovaram, por 43 a 9 votos, o texto da Lei de Acesso à Informação Pública. Era o fim de uma estagnação que havia começado em abril de 2010, mês em que a lei chegou ao Senado, após ser aprovada em regime de urgência na Câmara de Deputados. O projeto ficou estacionado na Comissão de Relações Exteriores desde abril de 2011. O presidente da comissão, senador Fernando Collor (PTB-AL), pedia alterações profundas no texto, entre elas, a que pedia o sigilo por tempo indeterminado de documentos oficiais.

Só em 25 de outubro o projeto foi aprovado, sem as mudanças pedidas por Collor. Com isso, os prazos, hoje, são de 25 anos de sigilo para documentos ultrassecretos (produzidos por presidentes, vices, ministros, embaixadores e comandantes das Forças Armadas), 15 anos para os secretos (titulares de autarquias, estatais e fundações) e cinco anos para os reservados (secretários executivos, chefes de gabinete e assessores especiais). O prazo de todos pode ser prorrogado uma única vez. Dessa forma, um documento só pode ser mantido em sigilo, no máximo, por 50 anos.

Fonte: Correio Braziliense

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