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jun/2015

Proposta de evolução da sistemática de paradigmas jurídicos da Administração Pública contemporânea

Por *Sérgio Marques Mesquita

Sérgio Mesquita

Com satisfação e sensação de dever cumprido, no exercício das funções públicas, além do orgulho de pertencer à Instituição Polícia Rodoviária Federal, polícia cidadã por excelência, me foi oportunizado o mesmo orgulho ao trabalhar por alguns felizes e desafiadores anos no Núcleo de Legislação e Capacitação de Pessoal – NUCAP, da 1ª Superintendência Regional da Polícia Rodoviária Federal em Goiás. Afinal, foram 3 anos e 6 meses de muito trabalho, muitos desafios, e, por que não, de abundantes alegrias.

Anteriormente, originado de família de 3 filhos com parcos recursos financeiros, foi oportunizada a honra de trabalhar no Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás, em Goiânia. Bem como, neste período, foi possível fazer o bacharelado em Direito na PUC-GO, e, após, veio a coroação com a profissão advocatícia, nas áreas cível e criminal. Na respeitável Polícia Rodoviária Federal – PRF, ao adentrar em 2005, após 6 meses na 19ª SRPRF/PA, surgiu a oportunidade de retornar para Goiás, no serviço operacional na 5ª Delegacia PRF – Jataí, de 2006 até 2011, cumulando com a substituição no apoio ao Núcleo de Policiamento e Fiscalização – NPF a partir de março de 2010.

Quando em 11/11/11, sobreveio o retorno para Goiânia, ao acompanhar a esposa, Escrivã de Polícia, que fora removida de Jataí para Aparecida de Goiânia. Ao chegar no NUCAP, nesta simbólica data, foram conhecidas as atribuições a que foram confiadas com toda força de vontade para fazer o melhor possível. Dentre as atividades, a responsabilidade pela área da Legislação de Pessoal, Estágio Probatório dos Servidores, Estágio de Estudantes (estagiários), presidência da Comissão do Programa de Atividades Físicas e substituição na compra de passagens aéreas.

A Capacitação, outra grande atribuição do NUCAP, ficara a cargo do nobre Inspetor Camargo, instrutor muito respeitado pela área do Ensino, o qual também estava chegando, vindo da 3ª SRPRF/MS. Valho-me, nesta 1ª parte, tão só das considerações da 1ª grande atribuição acima descrita, a Legislação de Pessoal. Naquele momento de chegada, tive bem clara uma necessidade que precisa muito ser trabalhada. Uma necessidade que já sentia na pele ao trabalhar todos aqueles anos na pista (atividade-fim), e que dizia respeito a todos servidores. Qual seja, uma área de Legislação de Pessoal, responsável pela análise do direito dos servidores (nós), preocupada e que se empenhasse em usar a Legislação e o Direito da forma mais benéfica para seus destinatários. Deixe-se bem claro que não se está dizendo que a administração não prezava pelo direito do servidor. Pelo contrário, se praticava sim, com os todos os meios que se dispunha, o respeito, a valorização e o cumprimento ao máximo de tais direitos.

No entanto, a administração pública (todas) esbarra, por muitas vezes, ora na literalidade, ora na falta de clareza ou até mesmo nas lacunas dos dispositivos legais. Ora, é sabido que a aplicação dura da lei, muitas vezes, vem a ser injusta, de forma a prejudicar a pessoa. Entretanto, tendo em vista que a administração pública é regida pelo princípio constitucional da legalidade, como é cediço, ela deve se ater aos preceitos legais. Como, então, usar o Direito para atender, da melhor forma possível, tanto a Administração quanto o Servidor, de forma que garanta segurança jurídica nas decisões administrativas e que garanta uma maior amplitude aos direitos e benefícios dos servidores?

Assim, algo mais precisava ser feito, de forma que garantisse e oportunizasse o pleno uso e gozo dos benefícios legais com maior amplitude, favorecendo a todos. Mas, ainda, imprescindível que as decisões fossem pautadas em pareceres robustos do prisma da lei e do direito, com total garantia de segurança jurídica às decisões administrativas proferidas, podendo a administração agir sempre com total plausividade jurídica em suas decisões, lastreadas, agora, não apenas na literalidade (interpretação literal) da lei (ou falta da lei), mas sim, em todas as formas de interpretação jurídica (lógica [raciocínios lógicos dedutivos ou indutivos, desvendando seu sentido e alcance; sistemática [análise da norma a partir do ordenamento jurídico em que está inserida, relacionando-a com todas as outras do mesmo objeto], histórica [análise da norma a partir das circunstâncias históricas e fáticas que antecederam e ocasionaram seu surgimento) e finalístico ou teleológico [análise da norma buscando suas finalidades]).

E mais, além das técnicas de interpretação agora como instrumento, que a necessária literalidade legal pudesse ser aplicada concomitantemente com outras fontes do direito ou métodos de integração, tais como doutrina (opinião dos doutos, mediante definição de conceitos jurídicos indeterminados, propostas de soluções, interpretações e colmatação de lacunas), jurisprudência (conjunto de reiteradas decisões dos tribunais sobre determinada matéria), costume (uso geral, constante e notório, observado socialmente como necessidade jurídica), analogia (havendo omissão legal, aplicar ao caso concreto uma norma jurídica prevista para situação semelhante), princípios gerais do direito (ideias e proposições jurídicas consagradas no ordenamento jurídico) e equidade (levar em conta, na aplicação da lei, as circunstâncias e peculariedades do caso concreto, ajustando a lei à espécie, aplicando-a humanamente, dando uma interpretação da norma mais razoável para o caso).

Assim, com a garantia da segurança e robustez jurídica das decisões administrativas, sobreveio a possibilidade de se perquirir a necessária e esperada amplitude da aplicação dos direitos e benefícios dos servidores. Desta feita, direitos e benefícios consagrados nos tribunais superiores (STF e STJ) e regionais (TRF’s) poderiam já ser usufruídos de imediato, minando ab initio a mera possibilidade de ocorrência de alguma necessidade de se impetrar mandado de segurança, medidas cautelares, etc, o que poderia vir a ocasionar necessidade de medidas com consequências muito negativas, tais como: dispêndios financeiros com advogados, burocracia e lentidão das instâncias judiciárias, e a própria desmotivação e descrença dos servidores, refletindo negativamente no trabalho e até na vida pessoal e familiar.

Assim, com a Proposta de Evolução da Sistemática de Paradigmas Jurídicos da Administração Pública contemporânea, se tornou plausível perquirir no arcabouço do ordenamento jurídico com o escopo de ampliar o paradigma de abrangência dos conceitos jurídicos (Lei e Direito) a fim de aplicá-los aos direitos dos servidores (é dizer, nossos direitos), com garantia de segurança jurídica para as decisões administrativas. Vários casos concretos foram analisados a partir da busca da evolução do paradigma acima delineado, senão vejamos a título de exemplos práticos:

1. A questão dos pagamentos de per capita (ressarcimento pelo pagamento de plano de saúde particular) onde algumas operadoras de planos de saúde não emitiam declarações nos exatos moldes preconizados pelas instâncias burocrático-administrativas. Assim, sem um forte fundamento jurídico, nada restava à administração a não ser obstar o pagamento em decorrência da ausência de mera formalidade. Veja-se que o assunto é simplesmente a saúde dos servidores e de suas famílias, dispensando mais detalhes quanto à importância do trato do assunto. Assim, mediante insistente busca no arcabouço jurídico (não apenas na literalidade e formalidade estrita), foi feito, mediante respaldo e fundamentação jurídica, de acordo com a lei e com o direito, a correta e justa aplicação destes às situações fáticas ora vislumbradas, porquanto, nas palavras do administrativista Antônio Flávio de Oliveira, a natureza de algo não reside na denominação que lhe é atribuída, mas em sua essência.

É essencial observar que o escopo último da norma federal que determinara o ressarcimento de planos de saúde é a preservação da saúde dos servidores e dependentes, a qual a Constituição Federal e legislação infra conferiram primazia. Com efeito, não se podia fazer uma interpretação literal e restritiva ao examinar-se a norma. Far-se-ia necessário, isto sim, conferir uma interpretação que atingisse efetivamente o núcleo da norma, que, in casu, se consubstanciava exatamente na preservação da vida e da saúde dos servidores e dependentes. Destarte, inferiu-se que não se poderia restringir a interpretação da terminologia utilizada, com a exclusão das declarações das operadoras apresentadas, uma vez que, caso fosse essa a intenção da lei, teria ela própria feito a restrição, o que não ocorrera. É dizer, o substancial quanto à declaração era que em sua essência contivesse a informação de que a operadora atendia às exigências da Portaria Normativa nº 5, de 11 de outubro de 2010 e seus anexos (termo de referência básico), garantindo-se, assim, as exigências mínimas para que o servidor tivesse um plano adequado à assistência de sua saúde e de seus dependentes. Seria razoável obstar o pagamento do benefício por ausência de meras formalidades burocráticas e de simples discrepâncias de denominações? Seria razoável os servidores precisarem ingressar no caro, burocrático e moroso sistema judicial para terem a garantia de um direito tão essencial e imediato? A partir das fundamentações jurídicas ora apresentas, com a evolução dos paradigmas, deuse seguimento normal ao pagamento deste relevantíssimo benefício, praticamente utilizado por todos os servidores.

2. A questão da licença para atividade política (pré-eleições), segundo a qual o servidor terá direito a licença, sem remuneração, durante o período que mediar entre a sua escolha em convenção partidária, como candidato a cargo eletivo, e a véspera do registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral. A partir do registro da candidatura e até o décimo dia seguinte ao da eleição, o servidor fará jus à licença, assegurados os vencimentos do cargo efetivo, somente pelo período de três meses. Os servidores que se candidataram, com certeza, se recordam, uma vez que tal afastamento poderia vir a ocasionar o desconto da remuneração (verba alimentar) no período compreendido entre a convenção partidária e o registro junto ao TRE. Entretanto, urge destacar que, de per si, se trata de um direito facultativo do servidor este afastamento, não precisando necessariamente passar por este período sem remuneração. O que se fazia necessária era uma interpretação sistemática (análise da norma a partir do ordenamento jurídico em que está inserida, relacionando-a com todas as outras do mesmo objeto), correlacionando com a Lei das Inelegibilidades, segundo a qual o que é necessariamente obrigatório para o servidor é a desincompatibilização (afastamento até 3 [três] meses anteriores ao pleito, garantido o direito à percepção dos seus vencimentos integrais).

Mediante tal fundamentação jurídica, os servidores candidatos puderam se organizar a fim de alinhar sua desincompatibilização com o registro (mesmas datas ou datas próximas), de forma a possibilitar o usufruto dos três (03) meses da referida licença prévia de candidatura devidamente remunerada. Cessou-se, a partir de tais preceitos jurídicos, consectários de uma evolução dos paradigmas administrativos, o que poderia ocasionar uma cansativa e onerosa necessidade de se valer do judiciário para obstar descontos de vencimentos (de natureza alimentar) nos holerites dos servidores candidatos.

3. A questão do pagamento de diárias para o servidor que necessitasse se deslocar de sua lotação de origem para outra cidade a fim de ser submetido à Junta Médica, nos casos em que não houvesse atendimento do SIASS/MS/GO em sua cidade de origem. Ora, basta partir da intrínseca característica da capilaridade nacional da Polícia Rodoviária Federal, presente desde as grandes metrópoles até os rincões mais distantes deste País de dimensões continentais. Imagine-se o servidor acometido de uma moléstia decorrente de doença ou acidente. Já com sua saúde debilitada, faz jus à devida licença para tratamento da saúde. Entretanto, medidas administrativas e legais devem ser tomadas para formalizar tal afastamento, quais sejam, apresentação de atestado médico ou realização de perícia oficial por Junta Médica para afastamento superior a 15 dias. E se não tiver Junta Médica em sua cidade de lotação? Deve o servidor viajar doente para outra cidade onde tenha? É um caso de omissão legislativa. O que fazer a administração? Pagar diárias para o servidor? Mas por interpretação gramatical a lei só autoriza pagamento de diárias a servidor que se afastar a serviço. Como tudo no serviço público, só há se fazer o que a lei permite. Mas, evoluindo na árdua missão interpretativa, houve se refletir o que abrangeria a expressão “a serviço”. Poder-se-ia pagar diárias para servidor que viaja para comparecer a Junta Médica?

Após a pausa reflexiva, voltemos ao título lá de cima: (…) Da Proposta de Evolução da Sistemática de Paradigmas Jurídicos da Administração Pública contemporânea. Novamente, tratando de direito fundamental do servidor (saúde), houve necessidade deste mergulho em águas abissais do ordenamento a fim de dar uma solução justa para o servidor e amparada com robustez jurídica para a administração. Assim, veio a lume o Manual de Perícia Oficial em Saúde, instituído pela Portaria nº 797, de 22 de março de 2010 prescrevendo que: Considera-se, Perícia Oficial em Saúde o ato administrativo que consiste na avaliação técnica de questões relacionadas à saúde e à capacidade laboral. Ora, em outro ato normativo, que não a lei estrita, pode-se inferir que o servidor neste caso deslocaria para um ato administrativo e, ainda, correlacionado com sua capacidade laboral, isto é, umbilicalmente ligado ao exercício das atribuições do cargo. Concluiu-se, destarte, pelo pagamento das diárias, como base na evolução do paradigma.

4. A questão sobre o cômputo de tempo de serviço prestado na condição de aluno aprendiz. Urge destacar que a contagem de tempo de serviço é feita conforme certidões emitidas pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal, ou pelo INSS, no caso da iniciativa privada. Pois bem. Para a situação apresentada, a priori, simplesmente indeferir-se-ia por falta de expressa e estrita autorização legal (tese). Já pela Evolução da Sistemática de Paradigmas, perscrutar-se-ia o contexto jurídico pátrio (na busca da antítese) e, em concluindo-se pela pela robustez e segurança jurídica da decisão administrativa, chegar-se-ia à síntese, qual seja, a aplicação do Direito, como um sistema, em benefício do servidor. No presente caso, a falta (lacuna) da estrita lei tem forte sustentação em outras fontes do direito, in casu, o Acórdão TCU nº 2.024/2005 Plenário, e a Nota Técnica nº 413/2009/COGES/DENOP/SRH/MP, in vebis: No entanto, a jurisprudência mais recente do TCU vem admitindo o cômputo, para fins de aposentadoria, de tempo de aluno-aprendiz mesmo após o advento da Lei nº 3.552, 1959. Tem o TCU exigido, contudo, a comprovação da condição de aluno-aprendiz, mediante certidão de tempo de serviço emitida com base em documentos que comprovem o labor do então estudante na execução de encomendas recebidas pela escola, com a menção expressa do período trabalhado e da remuneração recebida. Cessou-se, a partir de tais preceitos jurídicos, consectários de uma evolução dos paradigmas administrativos, a possibilidade de ocorrer uma cansativa e onerosa necessidade do servidor de se valer do judiciário para conseguir o benefício.

Há se lembrar que, apesar da árdua caminhada nos meandros do arcabouço jurídico com o escopo de ampliar o paradigma de abrangência dos conceitos jurídicos (Lei e Direito), a fim de aplicá-los de forma ampla aos direitos dos servidores, infelizmente, algumas situações não lograram o êxito (muito desejado) a fim de obter a síntese (conclusão) favorável ao pretendido pelo servidor. Em que pese longas e várias pesquisas nas mais diversas fontes, casos houve pela conclusão da não robustez da segurança jurídica da decisão administrativa, ou seja, a administração não poderia conceder algum suposto benefício sem que houvesse responsabilização da Autoridade, ou Ordenador, ou quem lhes faça as vezes.

O cerne da Evolução da Sistemática de Paradigmas Jurídicos se consubstancia no binômio maior magnitude do direito do servidor e plena segurança jurídica da decisão administrativa. Um não sobrevive sem o outro. Unha e carne. Afinal, aí está para todos as normas que regem a atuação do administrador público (Lei da Improbidade Administrativa, sendo que apenas este exemplo já dispensa os demais). Chegadas e partidas. Tão acostumados estamos ao vai e vem nas rodovias e, inclusive, nas nossas próprias vidas, à incontável complexidade de casos que tomam nossas atenções na correria do dia a dia, com nosso piloto automático ligado intermitentemente, que perdemos um pouco da sensibilidade de certos momentos. Espera-se, nesta reflexão, pelo menos ter tentado fazer algo de melhor pelos servidores (nós). Se foi possível ajudar pelo menos um pouco, já se levará uma enorme satisfação e alegria para toda vida. Aos que chegam, muito bem-vindos. Aos que vão, vão com Deus, mas voltem, pra tomar um cafezinho quente.

*Sérgio Marques Mesquita é policial rodoviário federal, lotado no Núcleo de Apoio Técnico da Superintendência Regional da PRF em Goiás. Exerceu a substituição no Núcleo de Policiamento e Fiscalização da 5ª Del, bem como, a substituição e a titularidade do Núcleo de Legislação e Capacitação de Pessoal, ambos da 1ª SRPRF/GO. Ex-advogado cível e criminal, especialista em Ciências Criminais.

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