O Distrito Federal gasta 5% do PIB com polícias, seguros, câmeras, vigilantes, cercas elétricas, blindagem de carros… Países como Japão e Canadá usam apenas 1% para manter essa estrutura. Técnicos do Ipea consideram esse tipo de despesa um desperdício: parte do dinheiro deveria ser aplicado para aumentar o bem-estar social, por exemplo.
Insegurança consome por ano 5% do PIB do Distrito Federal. Percentual é 2,5 vezes maior do que nos EUA, por exemplo. Aqui, a cada minuto, são gastos R$ 15,3 mil em forças policiais, seguros privados, equipamentos de vigilância e socorro a feridos
A violência avança, amedronta e custa caro ao Distrito Federal. Por ano, as despesas relacionadas à criminalidade, arcadas pelo Estado, pelo setor privado e pelos cidadãos, somam impressionantes
R$ 8,05 bilhões. É como se a cada minuto o DF consumisse R$ 15,3 mil por conta dos assaltos, roubos, sequestros e assassinatos. Além de interferir nos orçamentos público e das famílias brasilienses, a insegurança também inibe investimentos privados e desaquece o turismo.
Os cálculos se baseiam em estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que quantifica o impacto econômico da insegurança. De acordo com a metodologia usada pelo órgão federal, o custo da violência representa 5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país ou de uma unidade da Federação. Os cálculos feitos por pesquisadores do Grupo de Estudos de Violências contemplam 25 pontos (veja infográfico na página 26). Em países desenvolvidos, como Canadá, Japão e Austrália, por exemplo, a violência consome apenas 1% do PIB. Nos Estados Unidos, chega a 2% — segundo estudos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
As despesas bilionárias associadas à insegurança são consideradas desperdício pelo economista Daniel Cerqueira, técnico do Ipea e um dos coordenadores da pesquisa. “Em uma situação ideal, sem violência, esse dinheiro poderia estar sendo destinado para aumentar o bem-estar social”, pondera. A explosão da criminalidade, completa o especialista, revela a ineficiência do sistema público de segurança, o que força gastos individuais em busca de proteção.
Responsável pela estimativa do PIB do Distrito Federal no ano passado (R$ 161 bilhões), o economista Júlio Miragaya diz que o custo da violência tem uma lógica perversa. “Como Brasília é uma cidade muito desigual, a criminalidade tende a aumentar e, junto com ela, os gastos com segurança, o que curiosamente faz a economia crescer”, diz Miragaya, que também integra o Conselho Federal de Economia (Cofecon). A dialética na capital federal, dona da maior renda per capita do país, parece ser ainda mais latente.
Item do orçamento
Com o sossego ameaçado, os brasilienses passaram a inserir itens de segurança nos gastos das famílias, turbinando o custo de vida, já considerado um dos mais altos entre os grandes centros urbanos do país. Acostumados a reservar boa parte do orçamento mensal para alimentação e moradia, por exemplo, o morador do DF se vê obrigado a dedicar cada vez mais recursos para tentar garantir a própria tranquilidade. Quanto maior a renda e o patrimônio, maior a propensão a esse conjunto de despesas.
O DF já ostenta a assustadora conta de uma câmera de vigilância para cada cinco habitantes. A quantidade de residências e lojas com sistema de alarme monitorado ultrapassa 16,6 mil. No ano passado, o faturamento das 49 empresas do ramo cadastradas na Secretaria de Segurança Pública cresceu 7% — os empresários não revelam os valores absolutos. A demanda por equipamentos eletrônicos cresceu tanto que os clientes podem esperar quase um mês para terem os itens instalados em suas residências.
Moradores de condomínios fechados — com guarita — e mesmo de apartamentos das asas Sul e Norte chegam a pagar até R$ 9 mil em tecnologia para terem sensores de infravermelho espalhados pelo imóvel. A mensalidade do serviço varia entre R$ 150 e R$ 400. “O mercado residencial já cresce em velocidade maior do que o comercial”, conta Augustus von Sperling, presidente do Sindicato das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (Siese-DF).
Bunkers
No Lago Sul, área mais nobre do DF, além de cercas elétricas e câmeras, se espalha a cultura da vigilância privada, apesar da polêmica em restringir o acesso a áreas públicas. A artista plástica Nancy Pappas, 66 anos, mora em um conjunto onde cada morador desembolsa cerca de R$ 500 por mês para ter um porteiro de olho em quem entra e sai da rua. “A gente paga caro por algo que não era obrigação. O Estado é quem deveria prover nossa segurança”, avalia.
Uma vizinha de Nancy, que pediu para não ser identificada, está de mudança para o Canadá com os dois filhos pequenos. Ela gasta algo em torno de R$ 5 mil por mês com seguro de carros, sistema de alarme de última geração e dois cães de guarda. Ainda assim, não se sente protegida. “É muito gasto desnecessário, e a gente não consegue enxergar sinais de que as coisas vão melhorar. Brasília não é mais a mesma”, diz a administradora de empresas, de 38 anos.
“Em uma situação ideal, sem violência, esse dinheiro poderia estar sendo destinado para aumentar o bem-estar social”
Daniel Cerqueira, técnico do Ipea
Personagem da notícia
Após assalto, casa virou fortaleza
Há cinco anos, quando o servidor público Ricardo Innecco voltou para casa, em um sábado à noite, o imóvel no Lago Sul estava revirado e todas as joias da mulher tinham sido levadas. O prejuízo de pelo menos R$ 50 mil e, mais do que isso, o medo de os criminosos voltarem a invadir a residência mudaram para sempre a vida e o planejamento financeiro de Inecco. Gastos com itens de segurança viraram prioridade.
O terreno, dividido em seis áreas estratégicas, hoje é todo monitorado por sensores conectados a uma central de segurança. O espaço também é protegido por uma cerca elétrica com 8 mil volts de tensão. Duas câmeras de vigilância foram colocadas na entrada do condomínio com três imóveis, e outras deverão ser instaladas em breve. O investimento inicial chegou a R$ 4 mil, além da mensalidade de R$ 280 referente ao sistema de alarme.
Os quatro carros da família são segurados e rastreados: mais R$ 8 mil por ano na “cesta de segurança”. Somam-se ainda os R$ 800 mensais de seguros de vida. “Pago meus impostos, o Estado deveria me dar segurança. Não é confortável ter de gastar tanto dinheiro para proteger minha família”, protesta o carioca que chegou a Brasília em 1968. “O problema é que a violência cresce e assusta. Agora é cada um por si.”
Fonte: Correio Braziliense