02

out/2012

STF conclui que houve quadrilha e corrupção

Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou ontem a condenação dos parlamentares do PTB, PL (atual PR), PP e PMDB que receberam dinheiro do esquema do mensalão e, com isso, abriu caminho para julgar a situação dos ex-deputados do PT e dos réus que são apontados como os líderes do esquema – o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares.

A tendência é a de que os chamados “líderes” sejam condenados, já que ontem formou-se maioria no STF para concluir que houve quadrilha, corrupção de parlamentares e para negar a tese de que o dinheiro foi transferido para fazer caixa dois de campanhas políticas. Ao concluir que o mensalão foi um esquema de corrupção, a maioria dos ministros entendeu que, se parlamentares receberam dinheiro, alguém organizou o pagamento. Essa maioria também entendeu que houve a formação de uma estrutura organizada com interesse específico para cometer crimes – quadrilha. Resta decidir a situação dos réus acusados de chefiá-la, caso específico de Dirceu.

“Não se pode cogitar de caixa dois nem mesmo coloquialmente”, afirmou o presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, um dos que negaram a tese do caixa dois. “Ao contrário da roupa no tanque ou das pedras nos rios, o fato é que, quanto mais se torce a verdade, mais ela encarde. A pretensa justificativa do caixa dois parece tão desarrazoada que toca os debruns da teratologia argumentativa”, completou.

O decano da Corte, ministro Celso de Mello, apontou diretamente a compra de votos no Congresso. “Esses vergonhosos atos de corrupção governamental que afetam o cidadão comum, privando-o de serviços essenciais, colocando-os à margem da vida, significam tentativa imoral e ilícita de manipular criminosamente o processo democrático”, disse. Segundo o decano, a punição deve atingir tanto quem se deixa corromper quanto aqueles que corrompem. “O Estado brasileiro não tolera o poder que corrompe nem admite o poder que se deixa corromper. Quem transgride tais mandamentos expõe-se à severidade das leis penais”, afirmou.

Essa parte do voto do decano indicou que ele deve condenar não apenas os réus que receberam dinheiro, como fez ontem com os acusados de corrupção passiva, mas também aqueles que teriam organizado os repasses. Esse é o caso de quem responde por corrupção ativa, item em que Dirceu, Genoino e Delúbio serão julgados.

Celso de Mello foi um dos três ministros que seguiram integralmente o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa. Ao todo, das 31 imputações de crimes analisadas no item que foi concluído ontem, Barbosa, Fux, Celso e Britto foram favoráveis a 29 punições. Eles absolveram apenas Antonio Lamas, irmão de Jacinto, ex-tesoureiro do PL, mas o Ministério Público já havia concluído pela ausência de provas contra ele. Os demais ministros do STF apresentaram votos que variaram de acordo com o entendimento de cada um sobre os crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção passiva. Mas todos, inclusive o revisor, Ricardo Lewandowski, que está fazendo contraponto a Barbosa, pediram mais condenações do que absolvições. Ao fim, houve apenas mais duas absolvições quanto ao crime de quadrilha para o ex-assessor do PP João Claudio Genú e para o ex-sócio da corretora Bônus Banval, Breno Fischberg. Todas as demais acusações foram acolhidas pelo STF, inclusive outras imputações de corrupção e lavagem contra Genú e Fischberg e, assim, foram condenados por diversos crimes: o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), o deputado Valdemar Costa Neto (PR), o deputado Pedro Henry (PP), o ex-deputado Pedro Corrêa (PP), ex-deputado Bispo Rodrigues (PL), o ex-deputado federal pelo PTB Romeu Queiroz (atual deputado estadual pelo PSB em Minas), o ex-deputado pelo PMDB José Borba, atual prefeito de Jandaia do Sul (PR), o ex-primeiro secretário do PTB Emerson Palmieri, além de Jacinto Lamas e de Enivaldo Quadrado, da Bônus Banval. Houve empate apenas com relação a uma acusação contra Borba – de lavagem de dinheiro – que será decidida ao fim do julgamento.

“Considerada a corrupção, e o dinheiro não cai do céu, o que houve foi a busca de uma base de sustentação (política), sofrendo com isso a própria sociedade brasileira”, declarou Marco Aurélio. “Nós não estamos julgando uma quadrilha de traficantes”, completou. “Não importa qual a quadrilha que se trata”, enfatizou Celso. “Pode ser uma quadrilha de bandoleiros de estrada. Mas o fato é que cuida-se de uma quadrilha de verdadeiros assaltantes dos cofres públicos.”

O decano ressaltou que o tribunal está “respeitando os direitos e garantias fundamentais dos acusados” e que, se está havendo condenações, nesse caso, como não ocorreu em outros, como o ex-presidente Fernando Collor, é porque as provas são claras. “O STF não está revendo orientações jurisprudenciais, muito menos flexibilizando direitos e garantias”, disse. “Estamos vendo atos venais, parlamentares vendendo sentenças, o que é absolutamente inaceitável”, completou.

Outra alegação de Britto apontou para novas condenações. O presidente do STF concluiu que quem lidava com o publicitário Marcos Valério sabia de eventuais crimes. “Marcos Valério parece ter o dom da ubiquidade e do mais agudo faro desencavador de dinheiro”, disse Britto. “É praticamente impossível deixar de vinculá-lo operacional ou funcionalmente a quase todos os réus desta ação penal”, continuou o ministro, mencionando os contatos do empresário com a Câmara dos Deputados, com a antiga diretoria de marketing do Banco do Brasil, com os bancos Rural e BMG, além de corretoras e da direção do PT. “Ele repassou dinheiro para todos os réus aqui condenados”, apontou. “Era praticamente impossível não saber que lidar com ele significava participar de um sofisticado esquema de lavagem de capitais e formação de quadrilha, para dizer o mínimo”, concluiu o presidente da Corte.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, respondeu à defesa de Dirceu que alegou que não há provas diretas contra o ex-ministro-chefe, mas apenas depoimentos que não sustentariam as acusações. “O que eu tenho dito sempre é que há provas, que são indiciárias e abundantes e comprovam que ele era o líder, o mentor”, afirmou Gurgel. “Quando está se falando de um batedor de carteira, se tem provas diretas. Quando se fala de organização criminosa, isso não aparece dessa forma”, diferenciou o procurador-geral. “Na verdade, há provas em abundância em relação a ele. O esquema não faria sentido se não fosse liderado por ele”, continuou o procurador-geral. Para Gurgel, o STF está montando um quebra cabeça no qual “o topo não prescinde do que é construído abaixo”. José Dirceu será julgado a partir de amanhã.

Fonte: Valor Econômico

COMPARTILHAR