Ao regulamentar ontem a aplicação da Lei de Acesso à Informação, em vigor desde quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff citou especificamente a publicação dos salários dos servidores, nome a nome, incluindo não só o valor das remunerações, como as gratificações e as ajudas de custo. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, reforçou a cobrança por transparência na administração pública e se mostrou favorável à publicação dos vencimentos no funcionalismo — na próxima terça-feira, os ministros do STF devem bater o martelo sobre o assunto.
Os entendimentos da Presidência da República e da Suprema Corte isolaram ainda mais a Câmara dos Deputados e o Senado, que, na contramão do Executivo e do Judiciário, se recusam a fornecer os dados. O argumento do Congresso cita o artigo 31 da própria lei, que restringe a publicação de informações relacionadas à “intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas”.
O Executivo federal e o presidente do STF não estão sozinhos na avaliação de que divulgar os salários não se trata de invasão de privacidade. Segundo o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, o princípio que deve nortear o acesso a esse tipo de dado é o mesmo de qualquer empresa: o patrão tem o direito de saber quanto paga a seus funcionários. “No caso da sociedade, os patrões somos nós. Qualquer cidadão tem o direito de saber, porque quem paga essa fatura somos nós. Isso já acontece em vários países, da própria América do Sul. Mas esse está se tornando o maior tabu da transparência, um tabu absurdo”, defendeu o economista, lembrando que as despesas com pessoal são um dos itens com maior custo nos orçamentos públicos.
O caso dos salários não é novo no STF. O tribunal já tomou decisão a favor da publicação, em 2009, quando a Prefeitura de São Paulo decidiu divulgar a informação e foi alvo de processos judiciais por parte de servidores. O caso chegou ao Supremo em formato de recurso, após o Tribunal de Justiça de São Paulo proibir a divulgação dos vencimentos. “Fui relator de uma decisão proferida aqui, sobre (a cidade de ) São Paulo. Só excluí da publicação os endereços por uma questão de segurança”, disse ao Correio o presidente do STF, Ayres Britto.
O STF vai debater, na próxima terça-feira, em reunião administrativa, a forma como a Corte irá cumprir plenamente a Lei de Acesso à Informação. “No plano da regulamentação, a priori, há duas vias: uma é cada tribunal fazer a sua regulamentação. Outra é tentarmos um regulamento conjunto, com a assinatura dos tribunais, do Supremo, dos presidentes dos tribunais superiores. Mas ainda não definimos”, explicou o ministro.
ONGs
No decreto de ontem, o governo federal também citou especificamente que todas as entidades privadas sem fins lucrativos, como ONGs, publiquem em seus sites contratos com o poder público, além de estatutos sociais e relações com os nomes de seus dirigentes. O texto também especificou que o servidor ou o militar que negar informações poderá ser punido administrativa ou disciplinarmente, respondendo até por improbidade administrativa.
Até as 18h15 de ontem, o Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), da Controladoria-Geral da União (CGU), havia recebido 1.654 pedidos, mais do que o dobro do primeiro dia de vigor da lei, quando 708 solicitações haviam sido feitas.
“No caso da sociedade, os patrões somos nós. Qualquer cidadão tem o direito de saber. Mas esse está se tornando o maior tabu da transparência”
Gil Castello Branco, economista da ONG Contas Abertas
Determinações
O texto cita, especificamente, que é obrigatória a publicação dos salários, incluindo auxílios, ajudas de custo, jetons (acréscimos para quem integra conselhos de estatais) e quaisquer outras vantagens, de maneira individualizada.
A informação deve ser publicada com linguagem de fácil compreensão.
Não serão aceitos pedidos de informação genéricos ou desproporcionais ou que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados que não seja de competência do órgão.
A autoridade que classificar uma informação seguindo um dos três graus de sigilo (ultrassecreto, protegido por 25 anos renováveis por mais 25; secreto, 15; e reservado, cinco) terá que indicar a razão legal para isso.
A Comissão Mista de Reavaliação de Informações, composta por 10 ministros e responsável por mudar o status de sigilo de alguma informação, vai se reunir uma vez por mês.
As entidades privadas sem fins lucrativos, como ONGs, que receberem dinheiro público terão que publicar em seus sites o estatuto social e a relação nominal de seus dirigentes, bem como as cópias de convênios, contratos ou termos de parceria com o governo, sob pena de, caso não o faça, poder ser declarada inidônea.
Os servidores ou militares que se recusarem a fornecer informação poderão responder a processo disciplinar ou por improbidade administrativa.
Fonte: Correio Braziliense