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jan/2012

“Vamos desmontar 40 quadrilhas que atuam na previdência”

Há um ano no cargo, o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves, garante que em 2012 a ima­gem de um queijo suíço começará a deixar de ser a ilustração preferida dos humoristas quando tratam de seu ministério. Segundo ele, a regalia do servidor público, que apesar de contribuir com 11% do salário para a Previdência se aposenta com remuneração integral, está com os dias contados. Se não for assim, diz Garibaldi, nenhum esforço de arrecadação será suficiente para cobrir o rombo deixado pelo pagamento de proventos dos servidores públicos, que, em 2011, somaram R$ 60,8 bilhões, cifra idêntica ao orçamento do Ministério da Educação. Nesta entrevista à ISTOÉ, Garibaldi diz que a Previdência, em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público, passou a combater com mais rigor os onerosos desvios operados por organizações especializadas em fraudar o INSS. Na primeira quinzena de janeiro, 46 quadrilhas estão sob investigação do ministério e a maioria, segundo ele, deverá ser desbaratada até dezembro. O ministro também defende uma política que limite os privilégios aos servidores públicos e dê maior autonomia aos médicos da Previdência para a liberação dos benefícios.

Istoé – A megafraudadora da Previdência, Jorgina de Freitas, diz que a Previdência continua sendo lesada e que o roubo não acabou. Ela tem razão?

Ministro Garibaldi Alves – Ela tem toda a razão, as fraudes continuam. Mas temos uma força-tarefa dentro do ministério, que trabalha com o sistema da Polícia Federal. E o INSS aqui e acolá descobre uma fraude. Recentemente, a PF deflagrou as operações Inserção e Cigarra e prendeu 14 integrantes de três quadrilhas especializadas em inserir vínculos empregatícios falsos para receber benefício irregular da Previdência. A denúncia partiu do próprio INSS. A nossa Assessoria de Pesquisa Estratégica e Gerenciamento de Riscos está investigando 46 casos. Eu brinco e chamo de assessoria de prevenção de acidentes. Mas, este ano, com a participação da PF, vamos desmontar 40 quadrilhas que atuam na Previdência.

Istoé – Qual o tamanho dos desvios?

Ministro Garibaldi Alves – Na ordem de R$ 200 milhões.

Istoé – O sr. não acha preocupante existirem 40 quadrilhas atuando?

Ministro Garibaldi Alves – É incrível, não é? Mas é verdade. E ao longo do ano o número de casos vai aumentar, porque toda semana recebemos denúncias. Quando os indícios não se materializam, elas são descartadas, mas também há muita busca e apreensão.

Istoé – O sr. parece bem vontade num ministério que, quando não está rodeado de fraudes, tem que tampar buracos no próprio orçamento.

Ministro Garibaldi Alves – Não pensei que fosse gostar tanto. Mas tenho que bater na madeira (bate com a mão na mesa). Pronto, bati três vezes para isolar, porque até agora tem dado certo. No Executivo, a gente vira vitrine e a qualquer momento pode chegar um estilhaço.

Istoé – Risco que o sr. corre se o déficit da Previdência aumentar…

Ministro Garibaldi Alves – Repare, não há déficit no INSS urbano. O resultado praticamente triplicou entre 2010 e 2011. Foram R$ 7,7 bilhões em 2010 e R$ 19,8 bilhões em 2011. A conta não fecha no sistema rural e no regime de previdência dos servidores públicos. O rombo provocado pelo pagamento aos servidores públicos subiu R$ 60,8 bilhões. Isso anula qualquer esforço de arrecadação e os números ficam negativos. Mas o déficit está caindo.

Istoé – O sr. quer dizer que a arrecadação do setor privado sustenta todo o sistema?

Ministro Garibaldi Alves – Quase isso. O déficit começou a diminuir por vários motivos. O que mais pesa é o crescimento da economia, porque a geração de empregos com carteira assinada disparou. Também é um reflexo da ordem da presidenta Dilma Rousseff de reduzir gastos.

Istoé – Então, não há mudanças a serem feitas no INSS?

Ministro Garibaldi Alves – Tem uma distorção gigantesca nas pensões. Os pagamentos das pensões são de uma frouxidão, de uma generosidade extrema. Porque a pessoa com uma contribuição só deixa um benefício para o resto da vida de seus descendentes diretos. Um exemplo é o chamado casamento previdenciário. O cidadão está com a vela na mão, à beira da morte, se casa, morre e deixa uma pensão para não sei quantos anos, sem nenhuma carência. Não existe isso em lugar nenhum do mundo. É até difícil de acreditar. No Japão, a carência é de 20 anos entre a contribuição e o falecimento.

Istoé – Como o sr. pretende corrigir isso?

Ministro Garibaldi Alves – Estou mostrando a situação, mas corrigir ainda não é uma decisão do governo. Temos as propostas que vamos submeter ao núcleo do governo, os ministérios da Fazenda, do Planejamento e a Casa Civil, para depois levar à presidenta. Acho que ela não vai se opor. A presidenta Dilma é bastante econômica e, por ano, o governo gasta R$ 60 bilhões só com o pagamento de pensões generosas demais.

Istoé – Uma alternativa para reduzir esse custo pode ser impedir o pagamento da aposentadoria e da pensão a um mesmo segurado?

Ministro Garibaldi Alves – A dependência presumida diz que se a pessoa tem renda própria não tem direito à pensão. Mas acabar com essa regalia é o que há de mais polêmico quando o assunto é pensão.

Istoé – Outra regalia é a aposentadoria integral dos servidores públicos…

Ministro Garibaldi Alves – Ah, os servidores! Esse déficit, que só se agrava, já é do tamanho de todo o orçamento do Ministério da Educação. O cálculo da aposentadoria do servidor público é interessante. O rombo é de R$ 60 bilhões, mas não é só isso que a União gasta. Durante toda a sua vida profissional, o servidor contribuiu com um terço e o Tesouro com dois terços e a União ainda manda dinheiro depois para cobrir o déficit.

Istoé – Mas falta empenho do governo para aprovar o Fundo de Previdência Complementar dos Servidores.

Ministro Garibaldi Alves – Esse projeto está na Câmara trancando a pauta, em regime de urgência. Logo quando o recesso acabar o Funpresp vai entrar em discussão e votação. Nós estamos confiantes de que será aprovado. Esse projeto estava desde 2007 na Câmara. Ele adormeceu por três anos, porque iguala o teto dos servidores com o dos aposentados pelo INSS, atualmente em R$ 3.916,20. Hoje, na prática, não existe teto. E, no Funpresp, o governo só contribuirá até 8,5%. Depois disso, se o servidor quiser pagar mais, pode pagar, mas o governo não se solidarizará mais. A longo prazo vai zerar o déficit da Previdência.

Istoé – Zerar o déficit? Em quanto tempo? 100 anos?

Ministro Garibaldi Alves – Zerar, não zera. É verdade. Mas vai reduzir substancialmente esse problema daqui a 15 anos. Hoje, quem projeta os déficits da Previdência a longo prazo fica extremamente preocupado. Déficit zero, nem os nossos netos vão ver.

Istoé – Atinge os atuais servidores?

Ministro Garibaldi Alves – Sem atingir já demorou tanto, agora, avalie, atingindo.

Istoé – E o auxílio doença? Ainda é uma preocupação como foi nos últimos anos?

Ministro Garibaldi Alves – Ele está tendo um comportamento dentro do esperado. Crescendo proporcionalmente ao número de pessoas abrigadas pela Previdência Social. A nossa preocupação é melhorar a perícia médica, pois ainda há muita queixa dos trabalhadores em relação a ela.

Istoé – Há recursos para contratar novos médicos?

Ministro Garibaldi Alves – Vamos realizar um concurso no dia 12 de fevereiro para 375 médicos. Eles serão chamados assim que terminar o processo de seleção, porque estamos com duas mudanças. Já foi acertado com a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) que os médicos previdenciários estão autorizados a conceder por até 60 dias o auxílio-doença para evitar a perícia inicial e toda a burocracia envolvida nesse processo. E também vamos ampliar o programa de reabilitação profissional. Se o trabalhador não pode pegar peso por um problema de coluna, pode ser preparado para trabalhar num escritório.

Istoé – O sr. não teme fraudes nesse novo processo de perícia?

Ministro Garibaldi Alves – Fraude por quê? Se cometer fraude o médico vai responder.

Istoé – Quais as próximas metas?

Ministro Garibaldi Alves – Ampliar a cobertura previdenciária. Há 28 milhões de pessoas que não contribuem para a Previdência e metade delas ganha menos de um salário mínimo. Ninguém pensou, por exemplo, que a dona de casa tinha o direito de ser atendida pela Previdência. E, agora, se criou esse programa que dá condições à família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais, com renda de até dois salários mínimos. Desse modo, elas podem contribuir com 5% sobre o salário mínimo. Se não for assim, 14 milhões vão cair no auxílio de assistência social de recursos do Ministério de Desenvolvimento Social.

Istoé – Na ponta do lápis, há mais vantagem em contribuir para a previdência privada complementar do que para o INSS.

Ministro Garibaldi Alves – Não estou dizendo para as pessoas deixarem de contratar a previdência privada. Mas, segundo dados do PNUD, pessoas abaixo da linha da pobreza vivem com meio salário mínimo. Se não existisse o INSS, no Brasil, 87% dos nossos idosos estariam abaixo da linha da pobreza.

Istoé – Como está a relação do sr. com o Senado?

Ministro Garibaldi Alves – Os parlamentares começaram a contribuir com um projeto do ministério. Estamos expandindo o número de agências para atender melhor o beneficiá­rio. E pretendemos, em dois anos, instalar 720 agências. Um aumento de mais de 50%. Os prefeitos doam o terreno e a Câmara Municipal aprova. Mas cada agência custa R$ 1,1 milhão. Então, decidimos pedir aos parlamentares que, com emendas individuais e de comissão, destinem emendas de R$ 500 mil. Visitei todas as bancadas de quase todos os partidos e conseguimos R$ 59,8 milhões, de 92 emendas.

Istoé – Todos contribuíram?

Ministro Garibaldi Alves – O PT foi o partido que mais contribuiu, com 23%, seguido do PMDB, com 18%. A maior parte das emendas foi para a Bahia.

Istoé – Mas a relação entre PMDB e PT em seu Estado, o Rio Grande do Norte, não é das mais amigáveis…

Ministro Garibaldi Alves – A questão local se sobrepõe de uma maneira que, às vezes, deixa a gente numa situação embaraçosa.

Istoé – Que constrangimentos o sr. tem passado?

Ministro Garibaldi Alves – Fui eleito senador com mais de um milhão de votos no Estado e, às vezes, tenho três candidatos a prefeito que votaram em mim. E todos os três se sentem com o direito de pedir que eu peça voto para eles.

 

Entrevista publicada na revista IstoÉ Nº 2202 de 25 de Janeiro de 2012

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