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maio/2012

De unidade de combate, Bope se transforma em tropa de pacificação

Por Raphael Gomide

Conhecido e temido pelo combate em áreas de conflito, o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) exerce cada vez menos esse papel de guerreiro que o notabilizou e assume uma função paradoxalmente oposta, a de “pacificador”.

Essa mudança de perfil da unidade vem ocorrendo desde a implantação do programa das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), no fim de 2008, mas se intensificou a partir de 2011, capitaneado pelo atual comandante da unidade, tenente-coronel René Alonso. Ao assumir em 28 de dezembro de 2010, Renê afirmou ao iG que sua prioridade seria a pacificação de favelas.

A maior parte das operações da unidade desde então tem sido em áreas de pacificação, seja na tomada ou na manutenção do controle do território, de favelas como a Rocinha e o Complexo do Alemão. Os confrontos não acabaram – e o Bope ainda é chamado para emergências violentas -, claro, mas hoje a maioria de suas ações é sem tiros.

Após assumir o controle das comunidades antes dominadas pelo tráfico, os integrantes da tropa de elite ainda atuam provisoriamente – até a implantação das UPPs – como espécies de “prefeitos”, cuidando do ordenamento do local, organizando o transporte irregular, regulando serviços antes informais e impondo novas condições de bailes e festas.

Em suma, atuam como garantidores da segurança e como pacificadores.A decisão estratégica de ter o Bope como primeira tropa no terreno das futuras UPPs foi tomada pela Secretaria de Segurança e o comando da PM, tendo em vista o expertise dos “homens de preto” em áreas de risco, o prestígio do Bope e a maior capacidade de dissuasão dos criminosos, do ponto de vista do efeito moral sobre os adversários.

“O Bope é uma tropa que tem boa fama, tida como disciplinada e confiável. Naquele momento histórico, encarnava a representação simbólica da confiabilidade, ainda que também tivesse a imagem de tropa de combate”, explicou ao iG o subcomandante da unidade, tenente-coronel André Silva. “Somos uma tropa confiável e provada no terreno”, resumiu o comandante, coronel René.

Embora inicialmente as ações tenham enfrentado a resistência de traficantes, logo os criminosos passaram a optar por abandonar o local após o anúncio das datas de ocupação. Isso poupou a unidade de tiroteios e reduziu os riscos de “efeito colateral”, morte e ferimentos de inocentes atingidos por balas perdidas. Hoje a maior parte das ações da unidade transcorre sem tiroteios.

“O cenário mudou e hoje o Bope cumpre o protocolo de forma mais confortável. Quem tinha condição de entrar? A unidade entrava, fazia dois ou três dias de operações, buscas prisões, passava um tempo lá e entregava efetivamente a outro”, disse Silva.

Com soldados flexíveis, nova atuação do Bope é tendência mundial entre Forças Especiais
Em seguida à tomada, cabe ao Bope manter as áreas dominadas por alguns meses, até a instalação definitiva da UPP. É principalmente nessa fase que os policiais da tropa de elite desempenham essa atuação de pacificadores. Realizam tarefas de ordenamento do local e assumem uma função de “prefeitos” da região, organizando o transporte irregular, impondo novas condições de bailes e festas.

A nova forma de atuação do Bope, de pacificação, mais voltada para o contato com a população do que para o confronto, tem semelhança com a adotada pelo Exército Brasileiro no Haiti e por tropas americanas no Iraque e no Afeganistão. É uma tendência atual de forças de ocupação de forças especiais, pelo mundo. O perfil do soldado do Bope – mais pró-ativo, independente e flexível – é o mais adequado para esse tipo de atuação.

Logo ocupar a Rocinha, uma reunião do comandante do Bope com cerca de mil moradores em quadra antes dominada pelo tráfico estabeleceu o fim da cobrança de diárias aos mototáxis, entre outras novas regras de convivência após a tomada de controle da área.

“O mototáxi é, em ocasiões, usado para práticas criminosas (transportar criminosos, armas e drogas) por sua mobilidade. Se fosse outro tempo, pararíamos tudo. Mas o que fazemos hoje é normatizar, organizar. Não enxergo isso acontecendo há 15 anos: antes era combater, combater, ‘joelho no pescoço’ e vamos embora! Hoje temos que sentar, reunir, dialogar, negociar”, disse o subcomandante Silva, que foi conselheiro policial na missão da ONU no Sudão e atuou no Batalhão de Campanha da PM na Força de pacificação no Alemão/Penha.

Bope faz reunião com a comunidade e procura escolas e igrejas como interlocutores
Nos lugares onde entra, o Bope faz uma reunião geral e contato com escolas e igrejas locais, para se aproximar da comunidade e estabelecer comunicação com disseminadores e formadores de opinião internamente. Foi assim na Rocinha e está sendo assim no Alemão, onde a Tropa de Elite ocupa, desde 27 de março, as áreas antes mantidas pela Força de Pacificação do Exército.

Frequentemente, a ação é fruto da iniciativa do policial da ponta. Um sargento, pastor evangélico, viu um jovem casal, de 19 e 17 anos de idade, em uma casa no Alemão, vivendo com um bebê em ambiente sujo e bagunçando.

Usando da autoridade “moral”, o policial deu algumas horas para que o casal banhasse a criança, a arrumasse e limpasse a casa, senão ele chamaria o Conselho Tutelar. Segundo o subcomandante, a ação do policial foi apoiada pelos vizinhos e funcionou.

Também de forma não-institucional, policiais do Bope individualmente celebram cultos evangélicos semanais em áreas ocupadas.

“A guerra não pode ser o objetivo final: a meta é a paz”, diz chefe do Estado-Maior da PM
Para o chefe de Estado-Maior operacional da PM, coronel Alberto Pinheiro Neto, comandante do Bope em 2007 e 2008, a mudança de atividade da tropa é uma nova realidade à qual os próprios policiais – habituados ao confronto – precisam se adaptar.

“A paz é o objetivo do nosso trabalho. Ninguém pode querer guerrear por guerrear. A guerra não pode ser o objetivo final: a meta é a paz. E o policial precisa se adaptar a essa nova realidade”, afirmou o coronel Pinheiro Neto.

Nas comunidades ocupadas pelo Bope, é comum ouvir comentários temendo por quando a equipe saísse. “Enquanto o Bope, com fama de incorruptível, está aí, está uma maravilha. Mas depois, quando vierem os PMs normais, só Deus sabe!”, disse ao iG um motoboy da Rocinha.

Fonte: Portal iG

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