Por *Guilherme Ribeiro
Algo está errado no Brasil. No momento em que o país enfrentou a mais representativa greve do funcionalismo público deste século, o governo federal lança um portentoso programa de concessões de rodovias e ferrovias, com orçamento da ordem de R$ 133 bilhões. E, como sempre ocorre nesses casos (vide as privatizações promovidas durante o governo FHC), o BNDES financiará até 80% do montante.
A questão não é o debate sobre possíveis benefícios e malefícios das parcerias público-privadas (na maioria das vezes, discussão puramente ideológica, ao nosso ver), mas sim o imperativo de enfatizar a límpida constatação daquilo que o Estado enxerga como prioridade para o presente e para o futuro do país.
Enquanto infraestrutura e logística são consideradas sob a ótica do investimento e da necessidade, a demanda dos servidores públicos por salários mais dignos é tratada como custo, despesa, transtorno. Na mesma direção, a adesão imediata, os esforços ilimitados e o altíssimo custo para a realização dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo — eventos altamente questionáveis do ponto de vista das benesses desfrutadas pela população — contrastam com as duras condições físicas e financeiras vividas por escolas, universidades e hospitais públicos em todo o território.
A quem devem servir as finanças públicas? À própria economia e ao tão batido desenvolvimento, tomados de forma autônoma e mecânica e cujas promessas, até o presente momento, jamais se concretizaram? Ou aos trabalhadores e à população em geral que, com seus impostos, sustentam as contas dos municípios, estados e governo federal?
Não estamos aqui a arrolar uma polarização simplista e contraproducente, mas tão somente chamando atenção para uma reflexão sobre a necessidade de não reproduzirmos fórmulas que, como o século XX bem testemunhou, são incapazes de garantir o bem estar da sociedade brasileira.
Que forças tão poderosas e arraigadas são essas que impelem o poder público a deixar de lado tópicos os mais simples e mais relevantes como saúde, educação, habitação e saneamento?
Enfim, torçamos para que nossas estradas e ferrovias fluam com inteligência, diminuam o custo Brasil e favoreçam a “dinâmica econômica” de modo geral, assim como as Olimpíadas e a Copa do Mundo deixem um legado esportivo, urbanístico e social do qual possamos nos orgulhar no futuro. Igualmente, que professores universitários, policiais federais e demais servidores que tiveram de recorreer a uma dura greve sejam valorizados pela indiscutível relevância de seus serviços prestados à nação.
Guilherme Ribeiro é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Fonte: O Globo