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set/2012

Greves do funcionalismo público

Por *Guilherme Ribeiro

Algo está errado no Brasil. No momento em que o país enfrentou a mais  representativa greve do funcionalismo público deste século, o governo federal  lança um portentoso programa de concessões de rodovias e ferrovias, com  orçamento da ordem de R$ 133 bilhões. E, como sempre ocorre nesses casos (vide  as privatizações promovidas durante o governo FHC), o BNDES financiará até 80%  do montante.

A questão não é o debate sobre possíveis benefícios e malefícios das  parcerias público-privadas (na maioria das vezes, discussão puramente  ideológica, ao nosso ver), mas sim o imperativo de enfatizar a límpida  constatação daquilo que o Estado enxerga como prioridade para o presente e para  o futuro do país.

Enquanto infraestrutura e logística são consideradas sob a ótica do  investimento e da necessidade, a demanda dos servidores públicos por salários  mais dignos é tratada como custo, despesa, transtorno. Na mesma direção, a  adesão imediata, os esforços ilimitados e o altíssimo custo para a realização  dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo — eventos altamente questionáveis do  ponto de vista das benesses desfrutadas pela população — contrastam com as duras  condições físicas e financeiras vividas por escolas, universidades e hospitais  públicos em todo o território.

A quem devem servir as finanças públicas? À própria economia e ao tão batido  desenvolvimento, tomados de forma autônoma e mecânica e cujas promessas, até o  presente momento, jamais se concretizaram? Ou aos trabalhadores e à população em  geral que, com seus impostos, sustentam as contas dos municípios, estados e  governo federal?

Não estamos aqui a arrolar uma polarização simplista e contraproducente, mas  tão somente chamando atenção para uma reflexão sobre a necessidade de não  reproduzirmos fórmulas que, como o século XX bem testemunhou, são incapazes de  garantir o bem estar da sociedade brasileira.

Que forças tão poderosas e arraigadas são essas que impelem o poder público a  deixar de lado tópicos os mais simples e mais relevantes como saúde, educação,  habitação e saneamento?

Enfim, torçamos para que nossas estradas e ferrovias fluam com inteligência,  diminuam o custo Brasil e favoreçam a “dinâmica econômica” de modo geral, assim  como as Olimpíadas e a Copa do Mundo deixem um legado esportivo, urbanístico e  social do qual possamos nos orgulhar no futuro. Igualmente, que professores  universitários, policiais federais e demais servidores que tiveram de recorreer  a uma dura greve sejam valorizados pela indiscutível relevância de seus serviços  prestados à nação.

Guilherme Ribeiro é professor da Universidade Federal Rural do Rio de  Janeiro.

Fonte: O Globo

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