Por José Pastore
No livro organizado por Edmar Bacha e Simon Schwartzman (Brasil: a nova agenda social, Rio de Janeiro, LTC, 2011), os autores indicam que os serviços públicos brasileiros, com poucas exceções, são extremamente precários para aquilo que custam: 12% do PIB! Uma avaliação realizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelou igualmente que os conceitos de eficiência e produtividade são praticamente inexistentes no serviço público brasileiro (OCDE, Avaliação dos recursos humanos do Brasil, Rio de Janeiro, 2010).
Apesar de tantas constatações desse tipo, pouco se discutiu o assunto durante a greve dos 300 mil servidores públicos federais. Não seria esta a hora de saber a quantas anda a qualidade dos serviços públicos nas escolas, nos hospitais, órgãos de segurança, tribunais de justiça e tantos outros?
Os aumentos concedidos pelo governo não tiveram nenhuma vinculação com a melhoria do atendimento à população. A administração dos recursos humanos do governo se resume à negociação de salários e benefícios, e nada sobre qualidade dos serviços.
Reconheço que a maioria dos servidores é recrutada por meio de provas difíceis em que demonstram conhecer a profissão. Os concursos públicos vêm despertando grande interesse pois, além da estabilidade de emprego, oferecem salários iniciais bem acima dos do setor privado. Mas, passada a fase de recrutamento, os servidores públicos são pouco estimulados a trabalhar com eficiência. As promoções se baseiam muito mais no tempo do que na qualidade dos serviços. Para a conquista de melhores salários e benefícios, a força das corporações sindicais passa por cima da avaliação da produtividade. Nos poucos casos em que há bônus atrelado ao desempenho, o sistema é rudimentar e, com frequência, é atropelado pelos sindicalistas que forçam a administração a abandonar o expediente ou a generalizar o bônus. Não sei o que é pior.
Estamos longe de quadros efetivamente comprometidos com a prestação de serviços de alta qualidade. Há poucos incentivos para estudar e crescer nas carreiras públicas. Inexiste, no Brasil, um sistema de prestação de contas do serviço oferecido, nem para servidores nem para os órgãos públicos. Os valores de eficiência, atenção, apreço, cordialidade, etc., são desconhecidos da maioria e não fazem parte de um sistema de cobrança efetivo. Nem temos mecanismos de pressão que possam ser utilizados pelo público para demandar melhoria de atendimento. No setor privado, onde os empregados podem perder o emprego e a empresa pode perder market share, ganhar muito ou pouco é função da qualidade do trabalho. No setor público, com honrosas exceções, a combinação do monopólio na prestação de serviços com a estabilidade de emprego faz perpetuar a baixa qualidade dos serviços prestados.
Convenhamos, administrar recursos humanos não se resume a negociar salários. É preciso avaliar o que as pessoas entregam à empresa e, no caso do governo, aos cidadãos. Falta ao setor público uma gestão de pessoal que tenha como norte a busca permanente da competência e da qualidade. Nela, a remuneração é uma das ferramentas para chegar à eficiência. Os gestores precisam ter alçada para diferenciar as recompensas de acordo com o desempenho dos funcionários. Isso vai muito além de uma política de salários.
Em suma, precisamos eliminar o abismo que existe entre a racionalidade dos concursos de ingresso e a precariedade do sistema de avaliação dos servidores ao longo dos 30 anos que sucedem ao ingresso. A situação exige uma reforma que valorize e cobre competência profissional e condutas adequadas dos servidores. Se isso é de extrema importância nos dias de hoje, será muito mais crítico nos próximos anos, quando, em decorrência do envelhecimento da população, os serviços públicos serão ainda mais demandados.
Fonte: O Estado de S. Paulo