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out/2012

Lei de Drogas: é preciso mudar?

Por *Jorge da Silva

Em  22 de agosto, representantes da Comissão Brasileira sobre Drogas e  Democracia (CBDD) levaram ao presidente da Câmara, Marco Maia, um  anteprojeto de mudança da Lei de Drogas. Um dos propósitos da iniciativa  é retirar os usuários e dependentes da alçada do sistema penal,  passando a preocupação com os mesmos para a esfera administrativa, com  ênfase nos campos da saúde, da assistência social e da educação. O  anteprojeto também visa distinguir de forma mais objetiva o traficante  do usuário.

Tema polêmico, é compreensível que vozes se levantem  contra, temerosas de que se trate simplesmente de liberar o consumo.  Afinal, são décadas da chamada “guerra às drogas”, período em que os  usuários têm sido tratados como criminosos e acusados de culpa pela  expansão do tráfico. Não se poderia esperar reação diferente.

De  qualquer modo, importante mesmo é a oportunidade de discutir a questão  de forma aberta e no local próprio, o Congresso Nacional. Felizmente,  num ponto já há consenso. Tanto os opositores da proposta quanto os seus  defensores concordam que as drogas psicoativas trazem prejuízos ao  indivíduo e à sociedade. Há acordo também quanto ao fato de que as  drogas, ilícitas ou lícitas, devam ser controladas.

É nesse ponto  que começam as divergências, pois a escolha (sim, escolha) entre lícitas  e ilícitas, e entre “mais perigosas”, “menos perigosas” e “não  perigosas” passa a depender mais de interesses econômicos e políticos do  que da ciência. Tanto que drogas que causam doenças em escala e mortes,  como o álcool e o tabaco, podem ser consumidas à vontade. (Alguém dirá:  “Então vamos criminalizar essas também!”)

Além disso, para uns,  controlar significa proibir, com delegação à polícia para cumprir esse  mandato; para outros, controlar significa prevenir e dissuadir, com  políticas que visem a conter o abuso, evitar danos pessoais e sociais, e  tratar os dependentes. Lamentavelmente, qualquer proposta nessa última  direção tem sido vista como leviana, o que gera um sectarismo  paralisante: de um lado, colocam-se os autoproclamados missionários do  bem; de outro, os acusados de serem propagadores do mal. Quanto  simplismo!

Um argumento dos opositores merece consideração, pois é  recorrente a ideia de que mudanças como as ora propostas estimulariam o  consumo. Tal receio, no entanto, não se confirmou em sociedades em que o  consumo deixou de ser crime, do que é exemplo emblemático o caso de  Portugal. Em julho de 2001, depois de acaloradas discussões, o  parlamento português aprovou lei que descriminalizou o consumo privado e  a posse para uso próprio de pequenas quantidades, não só de maconha,  mas de todas as drogas. Lá também, os que eram contra temiam que  houvesse uma corrida às drogas. Não foi o que aconteceu, como já o  demonstraram diversos estudos, com destaque para o de Glenn Greenwald  (Drug decriminalization in Portugal, Washington, D.C.: Cato Institute,  2009).

Há argumentos, porém, que não contribuem para a discussão.  Primeiro, o de que pesquisas comprovam os efeitos negativos da Cannabis  se usada de forma prolongada. Como se isso fosse novidade, e como se a  CBDD afirmasse que a Cannabis é alguma panaceia. Ora, a questão não é  essa, e sim saber o que fazer para afastar os jovens das drogas, e não  as drogas dos jovens, valendo o raciocínio para o álcool, droga  psicoativa sabidamente embotadora da inteligência.

Segundo, o  argumento de que o uso de drogas consideradas leves é porta de entrada  para as mais pesadas, raciocínio que eles não aplicam ao álcool e ao  fumo, só por serem “legais”. Terceiro, o de que seria uma causa  elitista. Não é. O flagelo não escolhe classe social. Se jovens, ricos  ou pobres, se desajustam e desesperam as suas famílias, ou morrem por  overdose e ingestão de drogas “batizadas” com cal, pó de gesso etc.,  milhares de outros têm morrido por tiros durante os embates entre  facções, e entre essas e as forças de segurança; e cidadãos e cidadãs  inocentes, também em escala, têm morrido só por morarem em  “comunidades”.

Bem, se todos reconhecem que o modelo atual só tem  trazido dores, para que mantê-lo intacto, ou pedir para aumentar a dose  do remédio?

*Jorge da Silva é membro da Comissão Brasileira Sobre Drogas e Democracia, foi chefe do Estado-Maior Geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ).

Fonte: Correio Braziliense

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