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fev/2013

Problemas com a proliferação de sindicatos

A distorção da garantia constitucional que proíbe a interferência estatal sobre os sindicatos, arduamente conquistada pelos cidadãos brasileiros, tem servido de justificativa para a proliferação de associações sem qualquer representatividade, custeadas pelo dinheiro público proveniente da arrecadação da contribuição sindical.

A contribuição sindical, prevista no artigo 8º, inc. IV da Constituição, corresponde a um dia de trabalho do empregado com carteira assinada ou a um percentual calculado sobre o capital social das empresas, como determina o art. 580 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Segundo dados do IBGE, em 1988, o Brasil contava com 9.120 sindicatos, sendo 3.140 de empresas e 5.980 de trabalhadores. Atualmente, de acordo com os dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, existem 14.946 sindicatos, dos quais 4.823 representam os empregadores e nada menos que 10.123 (!) representam os trabalhadores, 526 federações e 38 confederações, além das centrais sindicais.

A conclusão a que se chega é a de que a criação de um sindicato tornou-se um negócio extremamente lucrativo, especialmente se considerada a ausência de fiscalização dessas entidades e a desnecessidade de prestação de contas da utilização do dinheiro arrecado por meio da contribuição sindical.

Essa perversa prática conta com o incentivo do Ministério do Trabalho e Emprego, que por meio da Portaria nº 186, que está sendo questionada perante o Supremo Tribunal Federal (STF), permitiu a coexistência de mais de uma entidade sindical representante de uma mesma categoria em um mesmo território, em total afronta ao princípio da unicidade sindical, previsto no inc. II do art. 8º da Constituição, já reconhecido pela Suprema Corte como “a mais importante das limitações constitucionais à liberdade sindical (Rcl-4990AgR/PB)”.

Some-se a isso, a leniência do governo federal que vetou o artigo 6º da Lei nº 11.648, de 2008, que previa a prestação de contas das entidades sindicais ao Tribunal de Contas da União (TCU), em relação à aplicação dos recursos provenientes da contribuição sindical e de outros recursos públicos que porventura viessem a receber.

A propagação excessiva fragiliza a representação das categorias

Isso porque o presidente da República na época, Luiz Inácio Lula da Silva, entendeu que o citado dispositivo violaria o art. 8º, inciso I da Constituição, que veda ao Poder Público a interferência nos sindicatos, em face do princípio da autonomia sindical, que garante autogestão às organizações associativas e sindicais.

Fez-se, contudo, tábua rasa do princípio constitucional que obriga a prestar contas todos aqueles que tratam com o dinheiro público, conforme previsto no parágrafo único do artigo 70 da Constituição: “prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.

Desta forma, a contribuição sindical tornou-se uma verdadeira fonte de recursos para aqueles que se propõem a explorar tal atividade, através da criação e manutenção de sindicatos especializados na manipulação desse dinheiro, sem o menor propósito de cumprir com o dever constitucional que justificaria essa autonomia, que é o de representar os interesses das categorias profissionais e econômicas.

Como resultado dessa distorção, tornou-se comum a multiplicação de notificações encaminhadas às empresas pelas mais diversas entidades sindicais, tão logo constituída a pessoa jurídica e iniciadas as suas atividades, para recolher às burras sindicais a referida contribuição, julgando-se, todas elas, titulares absolutas de tais recursos, ameaçando, inclusive, com medidas de execução forçada de tais valores.

Mas os malefícios desse novo balcão de negócios não param por aí. Paralelamente, a propagação descontrolada desses pseudossindicatos fragiliza a representação das categorias profissionais e econômicas, reduz a força de negociação das entidades sérias, além de criar conflitos decorrentes das múltiplas cobranças.

A questão já chegou ao TST, a exemplo do ocorrido nos autos nº 369400-05.2006.5.07.0032, em que aquela Corte Superior declarou o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Confecção de Roupa Masculina, Feminina, Infanto Juvenil, Profissional e Unisex de Pacatuba como legítimo representante da categoria na base territorial de Pacatuba/CE. Na mesma oportunidade, declarou a ilegitimidade do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Confecção em Geral de Aquiraz, Barbalha, Caucaia, Horizonte, Pacajus, Pacatuba e Sobral – SINDCON, proibindo a cobrança quaisquer valores a título de contribuição sindical por parte dessa entidade.

Resta aos que se sentirem lesados, portanto, buscar no Judiciário o respeito aos seus direitos e impedir que inconstitucionalidades como a apresentada acima prejudiquem o seu empreendimento.

Guilherme de Almeida Henriques e Marcelo Hugo de Oliveira Campos são, respectivamente, sócio do Henriques, Veríssimo & Moreira Advogados, mestre em direito tributário pela UFMG, especialista em direito da economia e da empresa pela FGV, vice-presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-MG; advogado do mesmo escritório, pós-graduando em direito tributário pelo IBET

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte: Valor Econômico

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