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fev/2013

Imprevidência na Previdência

O interesse público, em todos os tempos históricos e períodos geográficos, se confunde principalmente com o interesse dos detentores do poder, políticos e burocratas, que, enquistados no aparato do Estado, querem estabilidade e bons proventos, sendo o serviço à sociedade um mero efeito colateral. A amarga constatação tem a respeitável assinatura do jurista Ives Gandra Martins, que a retoma em esclarecedor artigo publicado no fim de 2012 pelo jornal O Estado de S.Paulo. Avançando na análise, ele considera que a rejeição social aos tributos acontece porque todos sabem que eles se destinam mais a manter os privilégios dos governantes do que a financiar os serviços públicos — o que explicaria o tamanho desmedido da carga tributária de 2011, que raspou em R$ 1,5 trilhão.

Para Gandra Martins, um bom exemplo é a questão das aposentadorias, tema recorrente que permeia vários dos grandes problemas nacionais — desde a configuração de dois patamares de benefícios, distantes anos-luz entre si, até o temor de que o deficit previdenciário seja uma bomba-relógio que, mais cedo ou mais tarde, poderá explodir, comprometendo seriamente as finanças públicas.

Privilegiando o que chama de superelite nacional, o deficit gerado para atender a menos de 1 milhão de servidores superou os R$ 50 bilhões em 2011, contra pouco mais R$ 40 bilhões de deficit provocados pelos pagamentos a 24 milhões de “cidadãos de segunda categoria — o povo”, no dizer do jurista. Um ponto adicional, ainda, deve ser incluído no cenário: o constante inchaço da máquina administrativa (que, salvo raros períodos de lúcida exceção, ocorre ao longo dos 500 anos da história do Brasil) é outro fator que, certamente, agravará a situação da Previdência.

Basta lembrar que, até 2015, prevê-se que pelo menos 110 mil dos mais de 587 mil funcionários federais terão direito à aposentaria, segundo recente reportagem publicada no Correio Braziliense. Até agora, as soluções são paliativas — apenas adiam a questão —, resumindo-se a medidas como a adoção de novas regras em 2007, que reduziram em 30% os proventos com a aposentadoria do servidor, antes integral, ou seja, idêntica à remuneração paga aos funcionários da ativa, incluindo os reajustes. Outra saída foi a oferta de abono de 11% para quem concordar em permanecer na ativa, na busca de solucionar o duplo problema de não engrossar o deficit da aposentadoria pública e reter o funcionário qualificado.

O peso das aposentadorias também onera as finanças das instituições públicas que administram orçamento próprio. É, por exemplo, o caso da Universidade de São Paulo (USP), cujo reitor, João Grandino Rodas, veio recentemente a público para informar que o gasto com pessoal (ativos e elevado número de inativos) consome 93% de um orçamento de R$ 4,3 bilhões, pouco sobrando para investimentos em outras áreas.

Por mais que se comprima o valor dos benefícios aos cidadãos comuns (hoje variando de R$ 622 a R$ 3.916) e aos servidores, o sistema previdenciário brasileiro peca por erros e equívocos que se acumularam no passado, ao ampliar o leque de benefícios e beneficiários sem a contrapartida do aumento da receita — sem falar na destinação de seus recursos para outros fins, o que representou uma sangria, mesmo que a aplicação fosse legítima. A Constituição de 1988 consagrou essa, digamos, vocação de generosidade com o rendimento futuro dos então contribuintes. As despesas cresceram com a incorporação do seguro-desemprego, a elevação do piso dos benefícios, o direito de ingresso ao sistema a qualquer cidadão, a extinção das diferenças entre trabalhadores rurais e urbanos. De novo, nenhuma medida para aumentar a receita.

Não se pode negar, em nenhuma hipótese, a justiça da adoção dessas medidas, que visam amparar o trabalhador e garantir uma renda mínima a brasileiros idosos e menos favorecidos. Mas pode-se questionar — numa postura válida desde a instituição do sistema previdenciário no Brasil, datado de 1923, até hoje — se tais recursos deveriam sair dos cofres já combalidos da Previdência Social ou de outras fontes, como o montante dos recursos destinados aos programas sociais do governo, ao lado do Bolsa-Família, do Brasil Carinhoso e de outros, que conquistaram o mérito de promover a ascensão social de milhões de brasileiros, de reduzir o abismo da desigualdade de renda e de fortalecer o mercado consumidor interno, gerando empregos.

Fonte: Correio Braziliense

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