Em tempo de campanha eleitoral como o que estamos vivendo agora no Brasil, a primeira promessa dos candidatos, sobretudo daqueles que concorrem à presidência da República e aos governos estaduais, costuma ser o corte de gastos no setor público. Mais comum ainda é esses políticos darem início às críticas ao “inchaço da máquina administrativa”, que muitos consideram abrigar mais funcionários do que o necessário. Essa ideia, entretanto, não corresponde à realidade.
A postura de quem quer a todo custo “reduzir a máquina” apenas reflete o desconhecimento dos verdadeiros números que temos no setor público. O que ocorre, na verdade, é o excesso de cargos comissionados, de contratos temporários e de funções de confiança, que se prestam a atender a interesses políticos/partidários dos detentores do poder, em detrimento dos cargos que deveriam ser preenchidos por concurso público, como determinam a Constituição de 1988 e a legislação subsequente, como a lei 8.112/1990.
Trata-se de um verdadeiro escândalo. A situação — entra governo, sai governo — permanece a mesma, apesar dos inúmeros concursos públicos realizados todos os anos para preencher as vagas abertas. O problema é que esses concursos são insuficientes para suprir todas as necessidades da administração, que, por sua vez, também não se empenha para encontrar uma solução definitiva e dentro da legalidade.
Basta comparar o Brasil com outros países para constatar o absurdo: de acordo com dados do portal da transparência do governo federal, somente o Executivo conta com cerca de 22,5 mil funcionários em cargos comissionados, contra, aproximadamente, 4 mil na mesma situação nos Estados Unidos, 300 no Reino Unido (Grã-Bretanha) e 500 na Alemanha e na França.
A diferença já parece grande com esses dados, mas saiba que esses números são muito maiores. Segundo portaria publicada no Diário Oficial da União de 25 de julho, o quantitativo de cargos ocupados em comissão e em função de confiança totaliza 95.540, e outros 18.329 estão vagos. Os ministérios com mais funcionários dessa categoria são os da Educação (41.161) e da Fazenda (6.631), seguidos pela presidência da República (6.541). Esses números são oficiais. Quem os divulgou foi o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que controla o setor de pessoal no serviço público brasileiro.
Tem mais: o Ministério do Planejamento relata que 223.120 cargos efetivos estão vagos no poder Executivo, conforme dados do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape). O órgão com mais carência de funcionários é o Ministério da Saúde, com 60.335 postos desocupados, seguido pelo Ministério da Educação, com 37.279. Nos ministérios e na presidência da República, entre servidores estáveis e em estágio probatório, trabalham 534.514 pessoas. Além disso, há 20.922 empregados temporários, 12.357 deles no Ministério da Educação, que é o campeão também nessa categoria.
Note, então, a falácia que é falar em “inchaço” da máquina pública. Há mais de 223 mil cargos vagos no Executivo federal. Só o Ministério da Saúde, que deveria ser prioritário nas ações de governo, tem mais de 60 mil postos efetivos desocupados. O resultado é falta de pessoal nos hospitais públicos para atender a população brasileira.
“Inchaço” existe, sim, mas é nos cargos em comissão e nas funções de confiança, que somam mais de 95 mil e correspondem a quase 1/5 de todo o funcionalismo efetivo do Brasil! Tal situação poderia ser resolvida se o governo cumprisse a lei com rigor e realizasse concursos públicos para preencher as vagas no quadro efetivo. Mas não lhe interessa fazer isso. É mais conveniente aplicar esses recursos para abrigar os apadrinhados e aliados políticos nos cargos em comissão e nas funções de confiança. Tanto é assim que a assessoria técnica do Ministério do Planejamento alega, desde logo, que os dados divulgados não implicam a abertura de concurso para preenchimento das vagas disponíveis. É um absurdo, pois, naturalmente, a existência de tantas vagas em aberto gera expectativa de preenchimento em algum momento. Quando, só Deus sabe, ainda mais que a previsão orçamentária para novos concursos e contratações só será divulgada quando da aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015.
Se tudo isso é uma aberração escandalosa no poder Executivo, o Legislativo consegue ser, talvez, muito pior. Segundo o jornal eletrônico Congresso em Foco, cerca de 70% dos “funcionários” do Congresso Nacional não são concursados. Trata-se de 15.583 pessoas ocupantes de cargos comissionados em gabinetes, comissões, secretarias e áreas administrativas. Se os terceirizados entrarem na conta, esse percentual beira os 80%. No Senado, onde a taxa de comissionados bateu os 50% pela primeira vez no ano passado, três decisões judiciais suspenderam novas contratações. Aprovados no concurso público de dois anos atrás conseguiram que a 7ª e a 9ª Vara Federal de Brasília obrigassem a Casa a reservar para eles as vagas para as quais foram aprovados.
Essas decisões judiciais, entretanto, encontram um adversário poderoso: o presidente do Senado. Renan Calheiros ignora as liminares e continua a contratar não concursados. Tudo para, segundo alega, economizar dinheiro público. Eis aí uma contradição escandalosa, uma vez que o Tribunal de Constas da União (TCU) já demonstrou que os funcionários terceirizados custam aos cofres públicos três vezes mais do que os concursados! Detalhe: os 3.244 comissionados representam 52% da soma de efetivos e comissionados na Casa.
Ainda de acordo com o Congresso em Foco, o Senado já foi notificado de duas das decisões, mas as contratações de comissionados em gabinetes serão mantidas. A Casa já até recorreu à Justiça para cassar as liminares, segundo a assessoria de imprensa. As três ações populares são movidas por 16 concurseiros, aprovados no concurso homologado em 2012. Na ocasião, estavam vagos 791 postos de analista e técnico legislativo, mas pouco mais de 10% dos aprovados foram chamados para trabalhar. E há muito mais vagas a preencher, pois, além das 708 que permaneceram em aberto na época, 191 outras surgiram, em decorrência de aposentadorias.
Na Câmara, informa a assessoria, há mais de 12 mil funcionários sem concurso, quase quatro vezes mais que o número de efetivos. Eles representam, segundo alega a Casa, “o necessário para o funcionamento da Câmara e o cumprimento de sua missão”. Há 12.339 comissionados ou 79% do total de efetivos da Casa. Além dos quase 22 mil funcionários efetivos e comissionados do Congresso, há ainda 3 mil terceirizados em cada uma das duas Casas, que obviamente foram contratados sem concurso e, como comprovou o TCU, custam o triplo, cada um, do que custaria aos cofres públicos um servidor concursado. E só para constar: Câmara e Senado contam com mais de 28 mil servidores, alocados na sede, em Brasília, ou distribuídos nos escritórios parlamentares dos deputados e senadores nos estados.
Acho que não preciso dizer mais nada para demonstrar a necessidade de corrigir essas distorções escandalosas na administração pública brasileira, que envolvem especialmente o Executivo e o Legislativo. O Judiciário não fica muito atrás e incorre em mazelas semelhantes, em particular na contratação de pessoal terceirizado. Mas isso, longe de desestimular os concurseiros que estão na estrada, deve servir como injeção de ânimo para buscar um lugar no serviço público e conquistar uma situação de estabilidade e boa remuneração para o resto da vida.
Há vagas – e muitas – para quem deseja entrar pela porta da frente do concurso e não do apadrinhamento político baseado no tal do “QI”, o Quem Indica! A Constituição garante esse direito ao estabelecer o concurso público como regra para o preenchimento dos cargos e empregos públicos. Deixar de cumprir a letra da lei é um desaforo que precisamos combater com todas as forças. Os cidadãos que conseguem a tão sonhada aprovação não podem ser esbulhados em seu direito como têm sido os candidatos aprovados no último concurso para o Senado. Meu conselho é que continuem lutando, pois, a qualquer momento, será feita justiça, e eles ocuparão, finalmente, o seu feliz cargo novo!
José Wilson Granjeiro* é Bacharel em Administração, professor e palestrante, é autor de 20 livros e preside a Gran Cursos, escola preparatória de concursos. Coordena o Movimento pela Moralização dos Concursos (MMC).
Fonte: Congresso em Foco