Greve policial é assunto controverso, sobre tudo para as de caráter militar; independente desses entendimentos, policiais civis e militares cada vez mais buscam movimentos grevistas para reinvindicar melhores salários
As greves nas polícias não sustaram as festas carnavalescas do Brasil. Mas o recado foi dado em tom de ameaças e violências na Bahia. Em outros lugares foi feito de modo sutil por meio de operações-padrão, nas quais os policiais só saem às ruas com condições de trabalho, de segurança e em casos urgentes. Assim ficou decidido no Distrito Federal pelos policiais militares. Seja como for, tais movimentos grevistas indicam a insatisfação dos policiais. Agora é ver se, uma vez passado o Carnaval, essa questão será rediscutida ou se tudo terminará em samba.
A greve policial é assunto controverso, sobretudo para as de caráter militar. Existem entendimentos jurídicos diversos. Para alguns, as corporações policiais têm o direito à greve como qualquer outra classe de trabalhadores. Para outros, tal direito é negado, pois a polícia exerce função essencial. Independente desses entendimentos, policiais civis e militares cada vez mais buscam movimentos grevistas para reivindicar melhores salários.
Todavia, o que os governos não veem ou ignoram é que as greves policiais significam mais do que lutas salariais. Elas sinalizam o esgotamento de um sistema. Entre as instituições brasileiras, a polícia é uma das que a sociedade menos confia. Dados coletados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2010, para compor o Sistema de Indicadores de Percepção Social (Sips) sobre Segurança Pública, evidenciam que a polícia brasileira não tem boa imagem junto aos cidadãos. É lamentável, mas em nenhuma região do País mais que 6% da população diz confiar muito no trabalho policial.
Além dessa desconfiança por parte dos cidadãos, destaca-se outro agravante: a baixa eficiência do trabalho policial. Analisando apenas o crime de homicídio – que tem maior repercussão e mobiliza maiores esforços das polícias – o número de casos solucionados é irrisório. Em média, 5% a 10% dos homicídios são esclarecidos pelas polícias brasileiras. Tais cifras ficam piores quando se cogita outros tipos de crimes de menor impacto junto à opinião pública.
A esse contexto de desconfiança e ineficiência se soma o aumento da criminalidade. O medo de ser vítima do crime consome milhares de brasileiros. Novamente, segundo dados Ipea/Sips, 78,6% dos brasileiros têm muito medo de ser assassinado. Tudo isso gera uma situação idiossincrática, pois embora a polícia seja vista com descrédito por parte significativa da população e não seja exemplo de eficiência, ela é reclamada como a exclusiva responsável para solucionar o problema da criminalidade.
Tais fatos são graves, contudo representam só a ponta do iceberg. Há outros submersos. Primeiro, constata-se a divisão estanque dos tipos de polícia militar e civil, a qual só presta a interesses corporativos. Segundo, a desvalorização da carreira policial que desmotiva ou impele policiais para corrupção. Terceiro, estruturas antiquadas e sucateadas, as quais não têm condições de lidar com o crime organizado. Quarto, organizações montadas numa linha autoritária de comando que não reconhece o policial de base. Quinto, populismo barato nas discussões sobre segurança pública e polícia. Essa lista não exaure aqui.
Nesse contexto, as greves policiais aparentemente reclamam por salários, mas na essência o que elas dizem é que o sistema policial brasileiro não serve aos policiais tampouco à sociedade. A temática policial foi alijada das discussões da constituinte dos anos 1980, porque se preferiu esconder o passado das polícias junto ao Regime Militar, em vez de tratá-lo abertamente. O Artigo 144, da Constituição de 1988, que trata sobre Segurança Pública consolidou, na democracia, polícias autoritárias. Ou seja, não se preparou as polícias para a era democrática. Com efeito, traços autoritários se expressam nas ações policiais corriqueiras.
A despeito das provas incontestáveis do esfacelamento do sistema policial brasileiro, os governantes e os dirigentes das polícias não encaram a questão policial de frente. Aliás, as próprias polícias não abordam a questão com razoabilidade. Por exemplo, a PEC 300, que versa sobre piso salarial nacional, poderia trazer ganhos imediatos, mas num futuro próximo engessaria ainda mais o sistema. É mais do que justa a reivindicação por salários dignos, porém o tema salarial não atinge todas as polícias da mesma forma. As carreiras de comando, a elite policial, por exemplo, são remuneradas adequadamente. Por outro lado, as deficiências do sistema policial atacam a todos.
O problema pior é que o debate público acerca da questão policial dificilmente abrange aspectos qualitativos da função policial. Ele se concentra nos recursos, nas estruturas e nas atribuições das polícias. As soluções adotadas até agora para conter as greves policiais não fogem à regra. Ou se cala os policiais com ações judiciais e Exército nas ruas ou se concede alguns pífios reajustes salariais. Enquanto isso, a questão policial sucumbe perante os sons de tambores, cuícas, rajadas de metralhadoras, gritos de socorro.
Alexandre Pereira da Rocha é doutorando em Ciênciais Sociais no Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre as Américas (CEPPAC), da Universidade de Brasília. Tem Graduação e Mestrado em Ciência Política pela UnB. Experiência na área de Ciência Política, com ênfase em política brasileira, teoria geral do Estado, administração pública, partidos políticos, legislativo, segurança pública, violência, polícia, estudos comparados.