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mar/2012

Empresário é condenado a pagar multas e cesta básicas por propina

Osvaldo Oliveira foi flagrado pela PF tentando subornar funcionário da Saúde

BRASÍLIA – O empresário Osvaldo Gonçalves de Oliveira, dono da Encomendas e  Transportes Pontual, foi flagrado pela Polícia Federal tentando subornar a chefe  da equipe de pregoeiros do Ministério da Saúde, Marilusa Cunha da Silveira, para  ganhar um contrato que, ao final de cinco anos, poderia render R$ 75 milhões. O  caso, batizado de Operação Carga Bruta, ocorreu em 2008, e, em dezembro passado,  num prazo recorde para os padrões da Justiça brasileira, a juíza Pollyanna  Kelly, da 12 Vara Federal, condenou Oliveira e Nilson Veira Lima, cúmplice do  empresário na negociata.O caso poderia se tornar um emblema de investigação  séria, de denúncia consistente e, claro, da quebra do tabu da impunidade se não  fosse um pequeno detalhe: Oliveira e Lima foram condenados a dois anos de prisão  e, como se não bastasse, tiveram a pena de privação de liberdade convertida em  pena de restrição de direito. Oliveira foi condenado a pagar uma multa de R$  1.660 e cesta básica mensal no valor de R$ 500, por um ano, a uma instituição de  caridade. Lima foi multado em R$ 7,6 mil e pagamento de cesta básica.

Surpreso com a suavidade da sentença, o procurador Gustavo Pessanha Velloso  recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1 Região contra a decisão. Para o  procurador, pena desse tipo só se justificaria em casos menos impactantes de  tentativa de suborno, como oferecer alguma vantagem financeira para guarda de  trânsito ou para fiscal ambiental com o objetivo de escapar de multa. O caso não  se aplicaria à tentativa de corrupção em altas esferas do Ministério da Saúde. A  Pontual é uma das maiores transportadoras do país e mantém contratos com  diversas áreas do governo federal.

Só em 2011, a empresa recebeu R$ 6,6 milhões dos ministérios da Saúde e da  Justiça. No início de 2008, Marilusa procurou a Polícia Federal para denunciar  que tinha recebido uma proposta de suborno de Vieira Lima para fraudar uma  licitação do Ministério da Saúde. A servidora foi orientada a fingir interesse  na negociata. Em menos de dois meses, a partir de um inquérito para apurar o  caso, a PF gravou uma coleção de espantosas conversas sobre mais um ataque aos  cofres públicos.

No mais incisivo dos diálogos, gravado em 28 de março, Oliveira oferece 10%  do valor do contrato a Marilusa e, em tom didático, explica como se daria o  suborno. O desembolso ocorreria imediatamente após o pagamento de cada parcela  do contrato. O negócio seria de aproximadamente R$ 15 milhões por ano e poderia  ser prorrogado por mais quatro anos. Ou seja, seria um montanha de R$ 75  milhões.

— Então o que eu acerto com você é o seguinte : 10% do que cair no banco. Que  eu vou te mandar a fatura lá de 2 milhões. Você vai pagar menos INSS, que é de  5%, menos Lei Kandir, que é 4,85 ou 5%, mais o desconto de 10% — diz o  empresário, com toda simplicidade, à servidora.

Advertência sobre vigilância do Coaf

Num outro trecho da conversa, numa aparente demonstração de experiência no  negócio, Oliveira alerta para o risco de se fazer altos saques em espécie.  Movimentações financeiras expressivas despertam a atenção do Conselho de  Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pode resultar em investigações  criminais. Para Oliveira, só pessoas sem inteligência cometem erros dessa  natureza. Ele, não.

— Tem que ser bom para mim, para você, para ele, para o outro que tiver no  meio. Agora, aquilo que eu tô falando com você, eu acerto com você. Quem vai  aqui no final do mês e pagou e tal…e nunca de uma vez. Sabe que é a maior  burrice chegar em um banco e tirar R$ 300 mil. Coisa de bobo — ensina.

Ainda à vontade na longa negociação, o empresário insinua que até 17% de  propina é possível pagar. Com mais que isso, o negócio se tornaria inviável. A  partir daí, ele lança a sombra da dúvida sobre outras áreas do governo.

— Lá na Funasa o desconto é 10% — diz.

O encontro entre Oliveira e Marilusa começou a ser preparado por Vieira com  muita antecedência. Em 7 de fevereiro, depois de outras conversas iniciais,  Vieira disse que estava falando em nome de Oliveira, dono da maior empresa de  transporte de carga aérea de Brasília. Pela promessa do lobista, Marilusa  receberia R$ 100 mil de entrada para direcionar uma licitação do Ministério da  Saúde para a Pontual. Vieira confidencia à interlocutora a conversa que teria  tido com o chefe.

— Ele (Oliveira) disse : “Eu quero saber quanto ela quer e quero saber se ela  consegue derrubar esse contrato da Voetur para fazer outro, que tá ilegal, tem  mais de seis anos”. Eu disse: “eu sei que tá ilegal, que tem mais de seis anos.  Agora depende de vocês para derrubar. Não é ela”. Foi o que eu falei pra ele — conta Vieira.

Marilusa pondera que o trabalho é delicado e pede para falar com Oliveira.  Depois de analisar o conteúdo das conversas e outros indícios obtidos pela  polícia, a juíza Pollyana Kelly não teve dúvidas. “Com efeito, no dia  28/03/2008, o réu Osvaldo Gonçalves de Oliveira ofertou, de modo firme,  consistente e direto, vantagem indevida, traduzida em percentual sobre o valor a  ser auferido em razão da possível celebração de contrato de licitação com o  Ministério da Saúde, à servidora pública Marilusa”, conclui a juíza.

Mas, apesar de considerar os réus culpados, Pollyana Kelly fixou pena de dois  anos de reclusão e, logo em seguida, converteu a pena em multa, pagamento de  cesta básica e prestação de serviços. O procurador Gustavo Velloso considerou a  pena leve demais e recorreu ao TRF1. O delegado Wesley Almeida, coordenador da  Operação Carga Bruta, disse que o resultado do caso até o momento é  frustrante.

— Até parece que neste país não vale a pena ser honesto — disse o  delegado.

Procurado pelo GLOBO, Oliveira negou que tenha cometido qualquer crime. Disse  que só fez a oferta para Marilusa porque queria denunciar fraude no  ministério.

— A gente tinha montado um caso de gravação para poder pegar a Marilusa, que  ela estava andando atrás da gente querendo dinheiro. Com a ajuda de um delegado  amigo nosso, nós montamos isso. Infelizmente, ela só veio numa data, mas não  veio depois — disse.

O Ministério da Saúde disse que ainda não recebeu qualquer comunicado da  Justiça sobre a sentença. Marilusa não foi localizada.

Condenação não impede novos contratos

Mesmo depois da denúncia de corrupção contra o empresário Osvaldo Gonçalves  de Oliveira, os negócios da Encomendas e Transportes Pontual continuaram a  prosperar no governo federal. Só de 2007 a 2011, a empresa recebeu  aproximadamente R$ 60 milhões de diversos órgãos. Os mais expressivos contratos  da empresa são com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), mencionada por  Oliveira nas conversas gravadas durante a Operação Carga Bruta, da Polícia  Federal.

No ano passado, a instituição desembolsou R$ 6,6 milhões para a empresa de  Oliveira. Nos últimos cinco anos, essa cifra bate a casa dos R$ 39,2 milhões,  conforme dados registrados no Portal da Transparência. A Pontual assinou  contratos e recebeu dinheiro ainda de Ministério do Esporte, Casa da Moeda,  Polícia Rodoviária Federal, Fundação Universidade de Brasília e Ibama, entre  outros órgãos.

Segundo Oliveira, os grandes contratos da Pontual são mesmo com o governo  federal. A empresa é considerada uma das maiores do país no setor e, nos últimos  anos, estava em guerra contra a concorrente Voetur, dona de cobiçados contratos  na área federal. Procurada pelo GLOBO na sexta-feira, a assessoria de imprensa  do Ministério da Saúde não explicou porque os contratos da Pontual foram  mantidos, mesmo depois das investigações da polícia e de uma denúncia formal do  Ministério Público Federal.

O ministério também não respondeu se foi aberta investigação para apurar  supostas ligações suspeitas de Oliveira com servidores da Funasa. Segundo a  assessoria, o ministério não recebeu comunicado da Justiça Federal sobre a  sentença de condenação de Oliveira e do cúmplice dele no negócio, Nilson Vieira.  Para policiais que atuaram na Operação Carga Bruta, esse é mais um indicativo  das dificuldades de punir irregularidades na administração pública.

Fonte: O Globo

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