06

fev/2013

Acidente de trabalho – A falta de regras específicas no setor público

A legislação brasileira é bastante abrangente no que diz respeito aos direitos do trabalhador da iniciativa privada. Regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, o regime conhecido como celetista possui um conjunto de leis e normas regulamentadoras que protegem o trabalhador e colocam ao empregador uma série de obrigações e responsabilidades.

Dentre elas, está a de prover a segurança e a saúde no ambiente de trabalho. Mesmo que o acidente aconteça, o regime geral de previdência social garante o pagamento de auxílio doença ou auxílio-acidente, se o empregado ficar fora do trabalho por mais de 15 dias.

E a lei ainda prevê, no caso das vítimas de acidentes de trabalho, a manutenção dos depósitos do FGTS enquanto o trabalhador está afastado, além de um ano de estabilidade após o retorno ao trabalho.

Mas e o servidor público? Como fica a situação do trabalhador que tem regime próprio de previdência, gerenciado pelo governo federal, estados e municípios?

Especialistas ouvidos pela nossa reportagem concordam que, atualmente, a legislação brasileira não prevê uma política unificada, válida para todos os servidores públicos de todas as esferas de governo, no que diz respeito à saúde e à segurança do trabalhador.

Essa lacuna dificulta inclusive a coleta de dados. Não se tem, por exemplo, informações sobre as principais causas de afastamento dos servidores públicos, ou em que áreas do serviço público as licenças ocorrem com maior frequência.

Paulo César Andrade, que é assistente técnico do Ministério da Previdência e pesquisador da UNB, acredita que há uma grande diferença no tratamento dado pela legislação aos trabalhadores celetistas e os servidores públicos.

“Hoje, o trabalhador celetista, filiado ao regime geral de previdência social administrado pelo INSS, ele tem uma análise estatística, epidemiológica, um acompanhamento dos afastamentos do trabalho muito mais adequado do que é feito para os servidores públicos. Eu tentei fazer um levantamento de dados de afastamentos dos servidores públicos de todos os estados do Brasil e dos principais municípios, e não obtive sucesso.”

Além de prejudicar a elaboração de uma pesquisa sobre a saúde e a segurança do servidor, Paulo César Andrade vê outras implicações da falta de dados sobre o assunto.

“Essa falta de conhecimento das causas de afastamentos dos servidores públicos, do ambiente de trabalho dos servidores públicos, leva a aposentadorias por invalidez precoces e, além do trabalhador, que tem sua atividade laboral interrompida precocemente, toda a sociedade vai arcar com o pagamento dessa aposentadoria por invalidez e vai arcar com a substituição desse servidor.”

Para os trabalhadores da iniciativa privada, a legislação brasileira prevê a criação, dentro das empresas, da Comissão Interna de Prevenção a Acidentes, a Cipa.

Embora não haja na lei um dispositivo semelhante para os servidores públicos, algumas iniciativas têm sido adotadas por reivindicação dos trabalhadores.

Foi o que aconteceu com os agentes penitenciários do estado de São Paulo, que têm uma Cipa criada há mais de dez anos. Paulo dos Santos, que é agente penitenciário e atua como facilitador das ações de promoção de saúde e segurança, dentro da Secretaria de Administração Penitenciária do estado, explica que a criação da Cipa veio exatamente para preencher a falta de uma política voltada para a saúde e a segurança dos agentes penitenciários.

“Na verdade, o sistema prisional, ele foi criado pensando no preso. E ao longo do trabalho, foi notificada a necessidade de cuidar do patrimônio mais importante, que são os servidores. Porque notou-se um adoecimento, principalmente na questão do stress laboral, e a necessidade de se ter uma política voltada a trabalhar com a saúde e qualidade de vida do servidor. E a Cipa foi verificada como instrumento que poderia desenvolver políticas e ações voltadas à prevenção e promoção de saúde e qualidade de vida.”

A falta de ações preventivas que garantam a saúde e a segurança do servidor público nem sempre é um fato isolado. Às vezes, a omissão serve para esconder irregularidades, como o transporte precário de servidores, feito sem qualquer critério de segurança e, portanto, passando por cima da legislação de trânsito.

Nessas condições, os acidentes são frequentes e geralmente com graves sequelas para os trabalhadores, como no relato da aposentada Renilva Mota Ferreira, de 49 anos, que trabalhava para a prefeitura de um município no interior paulista.

“Eu ingressei na prefeitura no ano de 2000. Eu fui trabalhar na área de paisagem urbana, manutenção de parques e jardins, e nós éramos transportados na carroceria de caminhão. As mulheres e os homens, todos juntos, ferramentas, equipamentos de trabalho, tudo ali. E, em 2001, aí aconteceu um acidente, que esse caminhão colidiu, em um cruzamento de um farol. E nessa colisão, eu que tive o caso mais grave. E hoje eu estou aposentada por sequela neurológica definitiva.”

Renilva conta que, depois de um afastamento de mais de 18 meses para se tratar, tentou se readaptar ao trabalho. No entanto, segundo ela, a readaptação foi apenas na teoria, já que a servidora só comparecia ao local de trabalho, sem exercer qualquer atividade.

Somente cinco anos depois do acidente, após a liberação do laudo pericial, dando como definitiva a sequela nos movimentos do braço direito da servidora, ela obteve a aposentadoria por invalidez.

Ela se queixa da falta de atenção da prefeitura para com o seu caso e compara a situação do servidor público com o celetista.

“O nosso regime previdenciário é o regime próprio, porque eu sou estatutária. Então, o regime próprio, é aquela coisa: pra contribuir, nós contribuímos com o teto. 11,5% por cento, eu contribui. Nessa hora, o que é que você tem? Você não tem nada. Resumindo: até hoje, eu não tive um centavo de indenização, no caso, se eu fosse do regime geral, eu teria aquele auxílio permanente, porque eu fiquei com sequela definitiva. No nosso regime, isso não existe.”

No caso específico dos servidores públicos federais, o Ministério do Planejamento vem implantando, desde 2008, o Sistema de Atenção à Saúde do Servidor.

De acordo com Sérgio Carneiro, diretor do Departamento de Saúde, Previdência e Benefício do Servidor do Ministério do Planejamento, a idéia é integrar todas as informações relacionadas à saúde dos funcionários do governo federal em todos os estados.

Carneiro admite que, antes da implantação do sistema, o governo não tinha dados relativos à saúde do servidor e não tinha como avaliar se os afastamentos ocorriam por doenças comuns ou acidentes de trabalho. Ele ressalta, no entanto, que essa realidade está mudando.

“Na verdade, é um modelo de sistemas de informação. Porque, qual a realidade que a gente tinha até 2008? A gente não tinha dado nenhum sobre a saúde do servidor. A gente só sabia quantos servidores se aposentavam, sabia quantos servidores tinham licença, mas a gente não sabia por que motivo, porque isso não era registrado. Não tinha um sistema específico da área de saúde, até porque tem que ter as normas legais de segurança, de sistema de informação sigilosa. Então hoje não. É um sistema que está sendo implantado, e todos os órgãos que fazem a avaliação da capacidade laborativa, a gente já está implantado hoje em 67 órgãos, já atingimos 21 estados, onde o sistema já está implantado, e conjuntamente com isso, estamos fazendo acordos de cooperação entre os órgãos.”

Sérgio Carneiro afirma que, com a implantação total do sistema, será possível saber a quantidade de afastamentos por acidentes de trabalho dentro da administração federal.

Para Delfino Lima, presidente da Associação Brasiliense de Engenharia de Segurança do Trabalho, deve haver uma legislação que contemple os servidores públicos em todas as esferas de governo, já que, atualmente, cada ente federado estabelece sua própria política.

“O Ministério do Planejamento é o órgão do governo federal encarregado de baixar essas normas para os servidores públicos federais. Nos estaduais e municipais, cada estado faz a sua, cada município faz a sua, até que haja uma legislação que consolide tudo, e essa é a tendência no Brasil. Mais hoje ou mais amanhã, haver uma unificação da segurança do trabalho no serviço público federal.”

Se cabe a cada estado e a cada município estabelecer sua própria política de segurança no trabalho e de saúde do servidor, alguns preferem ficar na omissão, como no caso da prefeitura em que trabalhava a aposentada Renilva Mota Ferreira.

Amanhã, vamos entender porque a máxima “prevenir é melhor do que remediar” tem um valor inestimável quando o assunto é segurança no trabalho.

Autor: Edson Junior

Fonte: Rádio Câmara

COMPARTILHAR