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fev/2012

Artigo: “Servidores lesados”, por Josemar Dantas

Artigo publicado na versão impressa dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas da última semana traz opinião do advogado Josemar Dantas sobre as “desculpas” do governo federal para não conceder reajustes aos servidores públicos enquanto gasta altas quantias em obras faraônicas visando a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. O artigo foi sugerido pelo coordenador executivo do SITRAEMG, Hélio Diogo, dentro da proposta da Comissão de Formação Política / Sindical de levar diversos olhares sobre as questões do servidor público ao conhecimento do trabalhador, para suscitar o debate. Veja abaixo o texto na íntegra:

Servidores lesados

A manipulação do funcionalismo púlico como massa de manobra para justificar maior disciplina nas despesas da administração oficial, conforme a visão oportunista do governo, se converteu em rotina intolerável e ilegal. Não convence a alegação de que o congelamento dos vencimentos dos servidores é medida de prudência em razão da crise europeia. O poder público, em particular a União, não está sujeito a regime de esccasez de recursos. Ao contrário. Somas bilionárias escorrem para construção de estádios, novos acessos à mobilidade de turistas, veiculos sobre trilhos e dezenas de outras obras infraestruturais.

Em parte considerável, há suspeita de que a contratação de várias empresas para o gigantesco mutirão passou ao largo da lisura nos processos licitatórios, com prováveis e sérios prejuízos ao erário. Houvesse autêntico receio de que as turbulências na União Europeia poderiam abalar a estabilidade econômico- financeira do Brasil — repita-se, argumento usado para negar aos funcionários a reposição do poder de compra da remuneração — a emergência ditaria a necessidade de providências bem mais drásticas. Entre muitas, pelo menos a renúncia do país em sediar as Olimpíadas de 2016.

Como sempre, no âmbito da gestão estatal, as decisões estribam-se em dois pesos e duas medidas. Para muitos, a negativa de direitos. Para outros, os suculentos favores do poder. Não há verbas para acudir às necessidades dos trabalhadores públicos. Já para atender às emendas parlamentares, rotineira fonte de escândalos de corrupção, reservaram-se no Orçamento Federal para 2012 cerca de R$ 8 bilhões (11% a mais do que no ano passado).

Alguns titulares de cargos políticos, mediante travessuras cabalísticas, são remunerados bem acima do teto Constitucional de R$26,7 mil. São os casos daqueles que, designados para compor conselhos (consultivos ou administrativos) de empresas estatais, recebem jetons pelos “serviços prestados”. Com a renda adicional, salários chegam até R$51 mil. Diz a Constituição (art. 37, XI) que qualquer espécie remuneratória, na esfera do poder público, seja cumulativa ou não, não pode ultrapassar o teto constitucional. Dinheiro haja para cobertura de tais privilégios proibidos pela Carta Magna, menos para rever os ganhos do funcionalismo.

O Congresso renovou em favor do Executivo o instituto da Desvinculação das Receitas da União (DRU). Cabe, assim, à Presidência da República reter 20% das disponibilidades orçamentárias para gastá-las onde quer que visualize conveniência política. Vai pôr a mão em mais de R$ 68 bilhões, movimentáveis sem autorização do Legislativo. Nada, porém, para satisfazer a carência dos assalariados da administração governamental.

O Ministério Público Federal demora em provocar o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), para obrigar o governo a cumprir a Constituição. Afinal, a Carta Política assegura aos servidores públicos “a revisão geral anual” da remuneração “sempre na mesma data e sem distinção de índices” (art. 37 X). Violar semelhante garantia importa em crime de responsabilidade.

Josemar Dantas é editor do suplemento Direito & Justiça dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.

SITRAEMG

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