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fev/2013

Cartilha que recomenda “trabalho dentro da lei” pode travar operações da PF

Documento, com lançamento no próximo dia 20, propõe operação padrão em todos os setores da Polícia Federal. Setor de inteligência será o mais afetado.

Policiais federais em greve em frente ao prédio da Superintendência Regional da Polícia Federal, em SP, em agosto de 2012 | Arquivo

Uma cartilha recomendando que os policiais cruzem os braços diante de serviços que não estejam dentro das atribuições previstas em lei pode travar as operações da Polícia Federal em São Paulo. O documento deverá produzir também efeito negativo no acordo entre Ministério da Justiça e Secretaria de Segurança para combater o Primeiro Comando da Capital (PCC).

O setor mais afetado será o de inteligência, no qual se concentram as investigações de repressão a corrupção e ao crime organizado. É nele que se desenvolve todo o trabalho de escuta de telefones grampeados com autorização da Justiça, análise e transcrição das informações importantes para os inquéritos policiais.

“A lei diz que o policial deve escutar, transcrever e encaminhar os textos ao responsável pelo inquérito. A edição de todo o conteúdo e o relatório passarão a ser feitos agora pelo delegado”, afirma o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Marcos Wink.

“Vamos cumprir o que for estritamente legal”, acrescenta Alexandre Sally, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Civis Federais do DPF em São Paulo.

Demorada e maçante, a filtragem dos diálogos e a edição dos trechos que interessam às investigações são os trabalhos mais importante da investigação policial. Para separar o que interessa para o resultado de uma grande operação – que demora, em média, um ano -, os delegados terão de acumular a leitura de uma montanha de papéis, tarefa à qual não estão habituados.

A nova estratégia das entidades sindicais – que representam agentes, escrivães, peritos e papiloscopistas, o grosso da corporação formada por 12 mil policiais – marcará a radicalização do movimento de enfrentamento ao comando da PF e ao governo federal. É também uma mudança de tática.

Em vez de greve, a palavra de ordem agora é “PF Legal”, o nome dado pelas categorias para a operação padrão. A cartilha com as recomendações está sendo escrita com base em leis, decretos e portarias e será lançada no próximo dia 20 durante ato que marcará uma nova fase do movimento. Nesse dia, os federais pretendem paralisar todas as atividades do DPF.

O texto recomenda que os agentes cumpram carga horária prevista, não usem mais em serviço os telefones particulares, deixem de embarcar em viaturas sem seguro obrigatório ou licenciamento e só aceitem viajar a serviço para fora do domicílio mediante o pagamento das diárias, conforme previstos em lei. O problema é que o exercício da atividade exige flexibilidades.

As exceções ficam por conta da necessidade de uma prisão em flagrante ou qualquer emergência no combate ao crime. Mas as operações programadas de combate à corrupção, que deram visibilidade à PF – como a Porto Seguro – e a cooperação ao processo de integração entre federais e polícia paulista, os sindicatos pretendem colocar em marcha lenta.

Parte da estratégia, segundo Sally, já vem sendo posta em prática nas delegacias da PF paulista desde que agentes que participaram da fracassada greve do ano passado foram remanejados para outras funções. Sally afirma que a produção da PF sofreu uma queda de 30%.

“Os melhores e mais experientes policiais que trabalhavam na análise e produção de informações sobre ladrões de banco, onde sempre tem integrantes do PCC, foram realocados”, afirma o agente Sally.

Na ocasião, o superintendente da PF paulista, Roberto Troncon, em conversa franca com o comando grevista, avisou que faria os remanejamentos. Assim, preencheu os vazios deixados pelo movimento no Aeroporto de Guarulhos e em outras áreas para evitar transtornos à população e cumprir determinação judicial.

Sally diz que a substituição de analistas que participaram da greve está atrasando também o processo de integração com a polícia paulista. A cooperação é resultado de entendimento entre a presidenta Dilma Rousseff e o governador Geraldo Alckmin, firmado em outubro.

A abertura de diálogo pôs fim ao bate boca travado por meio da imprensa pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o ex-secretário de Segurança de São Paulo Antônio Ferreira Pinto por causa da inércia contra a onda de violência comandada pelo PCC e que resultou na morte de quase uma centena de policiais militares.

Em entrevista ao iG, há duas semanas, Cardozo admitiu que os policiais que participaram da greve foram transferidos de postos, mas garantiu que os transtornos foram mínimos. Ele diz que as metas de integração serão cumpridas. “Algumas pessoas, evidentemente, não puderam permanecer nos postos. Mas não houve prejuízos”, disse o ministro.

A direção da PF em São Paulo informou por meio da assessoria de imprensa que respeita as decisões sindicais e, desde que todas as ações estejam dentro da lei, não criará obstáculos ao movimento. Esclarece, no entanto, que as alegações sobre uso de celular particular e antecipação de diárias em caso de viagens seguem as normas de trabalho: quem fez previsão de diárias não enfrentou transtornos e que só recorre a telefones particulares dos agentes quando há necessidade de acioná-los para missões previamente planejadas.

O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Marcos Wink, diz que a cartilha “PF Legal” será distribuída a todos os agentes federais do País e marcará o recrudescimento do movimento.

Os policiais acreditam que a restrição terá uma eficácia maior que a greve porque mostrará os problemas de gestão na PF, mesmo que isso implique na paralisação das grandes operações ou retardem ações preventivas contra a violência do PCC.

“Temos consciência do perigo, mas isso não é da nossa responsabilidade. É a administração quem tem os meios”, diz Sally.

Além da retomada das negociações salariais, eles querem que o ministro Cardozo envie ao Congresso um projeto regulamentando as atribuições que os agentes já desenvolvem na prática e divida o poder interno na PF, que atualmente é prerrogativa dos delegados. Os agentes querem o comando da área operacional, o coração da polícia.

Fonte: Último Segundo

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