Agora que o Portal da Transparência, graças à recém implantada Lei de Acesso à Informação, está divulgando os salários dos servidores públicos, a começar pela presidente Dilma Rousseff e seus ministros, estamos tomando conhecimento de alguns absurdos perpetrados com o nosso dinheiro, casos que já repercutiram até na revista inglesa “The Economist”.
O exemplo mais escandaloso é o de um garagista da Câmara Municipal de São Paulo, o novo marajá Alexandre Camargo Pereira, 37 anos, que os repórteres do “Estadão” encontraram trabalhando como assessor parlamentar no gabinete do vereador Juscelino Gadelha (PSB).
O salário do servidor informado pelo site da Câmara é de inacreditáveis R$ 23.206,96. Ao receber o holerite, Alexandre não estranhou os valores depositados em sua conta. Deve ter achado tudo muito normal, e não reclamou, claro. Lá na Câmara, afinal, muita gente ganha altos salários há muito tempo e ninguém pergunta nada para ninguém.
O que mais me chocou nesta história foi comparar o salário do garagista com o da presidente da República divulgado pelo Portal da Transparência. Segundo a “Folha” desta quinta-feira, a presidente Dilma recebeu de salário, para cuidar do país, exatos R$ 19.818,49 em maio.
Num país normal, nenhum servidor público poderia ganhar mais do que a presidente da República, mas os ministros Guido Mantega e Miriam Belchior, por exemplo, ganham R$ 36,3 mil por mês por participarem de conselhos de estatais.
Claro que Alexandre não é um caso único. Assim que todas as repartições públicas e casas legislativas colocarem e abrirem os dados no Portal da Transparência, poderemos constatar que os abusos constituem a regra e não uma ou outra exceção.
Na própria família do garagista há outro caso: o coordenador dos motoristas da Câmara Municipal é Joaquim Nabuco Pereira, pai de Alexandre. Salário: R$ 17 mil por mês. Os 55 vereadores da Câmara Municipal de São Paulo têm um salário mensal de R$ 7,2 mil. Tem lógica isso?
Chamados de “gatos gordos” pela “The Economist”, os garagistas da Câmara despertaram a atenção também do prefeito Gilberto Kassab, em final de mandato, já pensando numa nova ocupação após deixar o cargo. “Acho que vou arrumar um emprego de garagista na Câmara”, brincou o prefeito.
É por isso que membros do Judiciário e associações de servidores de todas as áreas resistem à divulgação de seus salários, alegando riscos à segurança, e prometem ir à Justiça. Eles devem ganhar salários tão altos e fora dos padrões do mercado que certamente temem sofrer sequestros ou pedidos de ajuda de parentes, só pode ser isso.
O leitor há de perguntar como é possível chegarmos a valores como os que são pagos na garagem da Câmara Municipal? Ninguém controla isso? Como se chega a esta verdadeira festa do caqui no uso de recursos públicos? Os repórteres Diego Zanchetta e Rodrigo Burgarelli foram atrás das respostas e levantaram a história do marajá.
Alexandre foi contratado, sem prestar concurso, em 2005, como assessor parlamentar do vereador Juscelino Gadelha, mas nunca trabalhou para ele como motorista. Gadelha é um dos poucos vereadores que dirige seu próprio carro.
Então o que faz o dito cujo para justificar salário tão alto? Definido como um “faz-tudo”, os colegas informam que ele “ajuda tanto a descarregar caixas que chegam como a elaborar ofícios”. Ah, bom, que beleza…, como diria o Milton Leite.
E o que diz o seu chefe, o vereador Gadelha? “Foi um erro, um erro meu. Eu assumi o erro. Ele vai ganhar R$ 7 mil já a partir do próximo mês. Recebeu errado uns dois, três meses. Vou resolver isso agora (…) Se ele não quiser devolver, eu vou pagar do meu bolso”.
O curioso é que Juscelino Gadelha só agora, depois de Alexandre ser encontrado pelos repórteres, descobriu que havia alguma coisa errada em seu gabinete. Não estranhou, por exemplo, a doação de R$ 2,5 mil que o garagista “faz-tudo” entregou para a sua campanha à reeleição como vereador, em 2008.
Aguarda-se agora que o Supremo Tribunal Federal, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal sigam o exemplo do presidente da Câmara Municipal de São Paulo, José Police Neto (PSDB), e coloquem os salários de todos os seus servidores no Portal da Transparência. A lei, afinal, é para todos. A Presidência da República já tomou esta providência.
Se isto realmente acontecer, ainda teremos, certamente, grandes surpresas.
Fonte: R7