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set/2012

Endividado, brasileiro não paga condomínio

Inadimplência média chega a 20%, três vezes mais que os 7% considerados aceitáveis. Endividadas, famílias escolhem, no fim do mês, as contas que serão pagas em dia

Com 43% da renda comprometida com dívidas, muitas famílias estão sendo obrigadas a escolher as contas que serão pagas no fim do mês. E, para desespero de muitos síndicos, a fatura está sobrando para os condomínios. Como a multa por atraso é de apenas 2% mais juro de 1% mensal e as administradoras relutam em encaminhar os nomes dos inadimplentes para o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), a opção está sendo quitar o cartão de crédito e reduzir os débitos no cheque especial, cujas taxas de juros giram em torno de 10% ao mês. Não à toa, o calote nos condomínios disparou, girando em torno de 20% no Distrito Federal e na maior parte do país, índice três vezes maior do que os 7% considerados aceitáveis.

Na avaliação dos sindicatos da habitação de condomínio estaduais (Secovi) e da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), ainda que o atraso não tenha alcançado um nível alarmante, os números atuais mostram que os riscos de descontrole são grandes, pois a inadimplência está avançando mesmo com o forte aumento da renda dos trabalhadores — pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o ganho real (acima da inflação) foi de 8,3% nos últimos dois anos. A ideia dos síndicos é fazer uma ampla campanha de recuperação de crédito para estancar a sangria no caixa dos condomínios.

Bola de neve
O síndico Aloísio Araújo Silva tem a exata noção do que é administrar um condomínio em dificuldades, onde os moradores simplesmente deixam de honrar seus compromissos. Em 2004, quando assumiu o comando das contas de dois prédios com 672 apartamentos do Residencial Europa, no Gama, mais da metade — exatos 53% — das residências não pagava o condomínio de R$ 100. “A situação estava caótica. As pessoas tinham esquecido que a taxa do condomínio é a divisão dos gastos dos prédios. Eu tinha menos da metade do dinheiro necessário em mãos para manter os edifícios em ordem”, relembra.

Para piorar, as dívidas do Residencial Europa, segundo Aloísio, eram astronômicas: R$ 174 mil em contas de água, R$ 37 mil em energia elétrica, funcionários com até três meses de salário atrasados, R$ 315 mil com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e R$ 80 mil com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). “Nenhum síndico durava no cargo. Além de não pagarem o condomínio, muitos moradores não honravam o financiamento imobiliário. Por não ter dinheiro para investir, aqui era conhecido como favelão”, conta, a contragosto.

Ciente de que tinha de reverter os problemas o mais rapidamente possível, Aloísio ajudou na renegociação das dívidas dos financiamentos imobiliários com a Caixa Econômica Federal e recorreu à Justiça para receber todas as taxas atrasadas. Deu resultado. Hoje, a inadimplência no Residencial Europa caiu para 20%, o piso dos dois prédios foi trocado; os elevadores, modernizados; a pintura, refeita; e o sistema de água, individualizado. “O índice de atraso, no entanto, ainda é alto. Muitas vezes, temos que cobrar taxas extras para fazer melhorias, o que provoca muita discussão entre os que pagam o condomínio em dia. Eles são obrigados a arcar com os custos de quem não paga”, lamenta.

No Residencial Rhodes, também no Gama, o síndico João José Neto chega a comemorar a taxa de inadimplência de apenas 3%. O problema é o valor das dívidas acumuladas: R$ 50 mil. Com o atraso, ele ressalta que os projetos de melhoria do prédio estão parados. A reforma do piso do estacionamento, prevista há dois anos não tem prazo para acontecer. “Só conseguiremos fazer as melhorias quando recuperarmos os débitos em atraso”, diz. Motivo: o arrecadado atual só é suficiente para cobrir os gastos fixos, como água e energia, que variam de R$ 16 mil a R$ 17 mil. “Tento ao máximo evitar maiores problemas aos moradores. Mas todos precisam colaborar”, afirma.

Justiça
Para o advogado do Sindicato dos Condomínios Residenciais e Comerciais do Distrito Federal (Sindicondomínio-DF), Délzio Oliveira, o aumento do calote nos condôminos foi estimulado depois da publicação, em 2002, do novo Código Civil, que reduziu de 20% para 2% a multa sobre o atraso. Além desse encargo, o inadimplente paga juros mensais de 1% e correção monetária. “Se atrasar o condomínio, a pessoa arcará com encargos entre 15% e 16% ao ano. No cartão de crédito, por exemplo, a taxa sobe para 238% ao ano, em média. Por isso, o brasileiro prefere ficar devendo para o condomínio”, explica.

A presidente da Abadi, Deborah Mendonça, aconselha aos síndicos que, em casos graves de inadimplência, recorram à Justiça. “A associação estimula a cobrança das dívidas formalmente, pois um condomínio com alto índice de inadimplência é um condomínio falido”, define. Ela explica que, geralmente, os síndicos procuram os tribunais somente depois de três meses de calote na dívida. “Primeiro há o diálogo e o envio de cartas de cobrança. Depois, a ação na Justiça”, completa.

O advogado Ricardo Trotta vai além e lembra que, desde 2008, os síndicos ganharam o direito de protestar a dívida, o que permite negativar o devedor no SPC com mais agilidade. Para ele, no entanto, falta iniciativa, por parte dos administradores, na hora de recorrer à Justiça. “Por mais que o número de ações tenha crescido, ainda não é comum que os síndicos recorram aos tribunais. Eles querem evitar o desgaste dentro do condomínio. Afinal, você cruza com os devedores todos os dia no elevador”, diz.

Diante da postura mais flexível dos síndicos, o advogado e especialista financeiro Luiz Felizardo Barroso aconselha aos devedores que renegociem os débitos com o condomínio, pedindo até desconto das multas se for comprovada a real incapacidade de pagamento. Não se pode esquecer que ninguém está livre do desemprego ou de doenças graves na famílias, que exigem gastos elevados e inesperados. Segundo ele, os acordos administrativos são mais comuns do que parecem e podem ser fechados em, no máximo, um mês, diferentemente das ações judiciais que podem levar mais de dois anos para serem concluídas. “É relevante que o morador tenha consciência de que a cobrança é necessária”, afirma.

Barroso alerta, no entanto, aos que pagam condomínio que fiquem atentos às cobranças indevidas. “É importante conferir, por exemplo, se as taxas extras são legais. Se não, podem caracterizar improbidade administrativa por parte dos síndicos. “Nesses casos, os moradores podem e devem relatar o caso por meio de uma ação judicial”, aconselha.

No vermelho

Veja o percentual médio de inadimplência nas principais capitais do país:

Cidades – Índice de atraso

Rio de Janeiro – 11% a 15%
Brasília – 10% a 20%
São Paulo – 14% a 20%
Fortaleza – 15% a 20%
Curitiba – 15% a 20%
Fontes: Condomínios, sindicatos estaduais da habitação (Secovi) e Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi)

Fonte: Correio Braziliense

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